A mulher fatal do rock
por Cristovão Balukazulaiê

Christa Päffgen, nascida na Alemanha, totalmente controlada por nazistas,  que matou o seu pai num campo de concentração,  foi uma das figuras mais fascinantes e misteriosas da música pop contemporânea. Multimídia, seu talento e beleza fizeram sucesso tanto na música, como no cinema e nas capas de revistas de moda. Ah, ela também é conhecida como Nico.

Nico é uma daquelas figuras poderosas, que exercem um controle sobre tudo e todos. Ela sabe de seu poder e o usa sem medo. Uma mulher fatal. É aquela mulher que você encontra a noite, de vestido preto e maquiagem sob os olhos,  você a observa e de imediato já sabe que vai se apaixonar, que ela vai te fazer de otário, mas mesmo assim vai em frente, em direção ao matadouro de cabelos loiros, olhos verdes e corpo escultural. A mulher fatal. Olhe a maneira como anda. Ouça a maneira como fala.

Ouça-a cantando.

Aos 13 anos Nico largou casa e escola para vender lingerie de porta em porta. Um ano depois, sua mãe a encontrou numa loja de roupas em Berlin, onde trabalhava como manequim. 

Com o resultado de alguns bicos que arrumava, ela mudou-se para a Ilha de Ibiza, onde encontrou um fotógrafo de moda, que lhe deu o apelido, Nico, em homenagem à um ex-namorado que o havia deixado. Foi o começo de um intrínseco relacionamento de Nico com Ibiza, a ilha seria seu spot, e também seu calvário.

Em uma boate conheceu o cineasta Frederico Fellini, que a convidou para figurar em seu filme La Dolce Vitta, que acabou tornando-se um clássico do cinema. A partir daí, sua reputação cresceu, e ela conseguiu um contrato com uma grande agência de modelos em Paris. Seu rosto começou a invadir capas de revistas e comerciais de TV no mundo todo. Paris foi seu lar durante cinco anos, passando quase todos finais de semana em Ibiza. 
 
 

Decidida a ser atriz, em 1960 Nico se mudou para Nova Iorque, matriculando-se na Lee Strassberg's Method School, uma séria escola de interpretação tendo Marilyn Monroe como colega de classe. 

Em 1964, numa festa, conhece Brian Jones, então guitarrista dos Rolling Stones, que ficou impressionado com o tom sexy e sombrio de sua voz, convencendo-a a cantar. De imediato a apresentou a Andrew Loog Oldham, o lendário produtor da banda, que no ato preparou seu primeiro compacto: "I'm Not Saying", produzido por um tal de Jimmy Page.

Totalmente deslumbrada com a nova carreira e decidida a se tornar uma cantora de sucesso, Nico manteve-se em NY, fazendo uns bicos como modelo e cantando numa boate de segunda categoria . Nesse período, ela conhece o ator Alain Delon, com quem teve um filho, chamado Ari. Aos poucos, o mundo começou a querer saber quem era aquela misteriosa loira.
 
De volta a Paris, Nico conhece Bob Dylan, que impulsiona sua carreira de cantora, dando-lhe uma das mais belas rock-songs já feitas: "I'll Keep It Mine",  gravada no seu disco de estréia, "Chelsea Girl".

Dylan também fez uma música em homenagem a ela, chamada "Visions Of Johanna", que está no seu clássico disco "Blonde On Blonde". De vota a NY, Dylan apresenta-a ao artista plástico Andy Warhol, e a história se faz.

Reza a lenda que a primeira coisa que Nico falou a Andy Warhol foi "eu quero cantar".  Andy, diante do pedido, apresentou-a a seus protegidos, o Velvet Underground, até então uma banda de barzinhos. Nico ficou um ano tocando com a banda, de bar em bar. Lou Reed fez especialmente pra ela clássicos do rock como "Femme Fatale", "All Tomorrow Parties" e "I'll Be Your Mirror", canções atormentadas que só poderiam ser cantadas pela voz misteriosa e desesperada de Nico. 
 

Logo após o lendário primeiro disco do Velvet, o da banana na capa, Nico foi saída da banda,  pois Reed e John Cale começaram a achar que a sua presença ocultaria o resto da banda.

Nico partiu em carreira solo. "Chelsea Girl" foi o debut. Sua voz encharcada de drogas e álcool, seu corpo magro e maquiagem pesada no rosto foi a imagem e a trilha de desajustados e desesperançados do começo dos anos 70 até hoje. Seu olhar, ao mesmo tempo intimidador e carente era sua marca registrada. Suas apresentações eram experiências inesquecíveis, como um ritual, de intensidade mágica arrebatadora, explorando todos os limites mentais da platéia. 
 Nico lançou vários álbuns na década de 70, todos produzido por John Cale, todos encharcados de sentimentos e sons estranhos.

Em 1981, Nico lançou "Drama Of Exile", totalmente afundada na cocaína e na heroína. Nos anos seguintes, Nico, sozinha, cansou de ver seus amigos morrerem vítimas de overdose. Seus shows nesse período eram como um tributo a esses mortos, deixando-se envolver cada vez pelo lado escuro da vida.

"Camera Obscura", de 1985, e também produzido por John Cale é um marco do rock atormentado e gótico, com Nico e Cale abusando do experimentalismo, em longas faixas estranhas e sombrias.

Nico percebeu que era hora de parar, de viver, de se sentir viva. Na manhã de 18 de Julho de 1988, na ilha de Ibiza, Nico saiu para dar uma volta de bicicleta. Totalmente limpa de seu passado regado a drogas em excesso. Horas mais tarde foi encontrada, morta, na rua, ao lado de sua bicicleta, vítima de uma hemorragia cerebral. Seu corpo foi enterrado em um pequeno cemitério em Berlin, na presença de poucos amigos, tocando suas músicas em toca-fitas.

Tudo isso já diz muito sobre a música feita por Nico. Se você acha o rock indie o máximo, ouça antes "Chelsea Girl".