Infernal
- Nando Reis
por
Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br
PERDENDO OPORTUNIDADES
É notório que tragédias
potencializam vendas e notoriedade no mercado artístico. De Jim
Morrisson a Kurt Cobain na música, de Van Gogh a Picasso nas artes
plásticas, dentre muitas outras vertentes, a passagem pelo último
evento da vida gerou muitos lucros a familiares e associados. Talvez não
tenha sido essa a exclusiva intenção de Nando Reis ao lançar
seu novo álbum Infernal (...But There's Still A Full Moon
Shining Over Jahabalad), porém a associação é
inevitável.
Nando está vivo, é claro.
Mas tal qual a morte de Kurt Cobain deu aos Foo Fighters projeção
que eles jamais teriam caso a tragédia não se abatesse sobre
o Nirvana, é possível que a morte de Cássia Eller
coloque holofotes no trabalho solo até agora pouco conhecido do
baixista e eventual vocalista dos Titãs. Cássia era a maior
intérprete das canções de Nando, pelo menos em quantidade
de canções. "O Segundo Sol" e "ECT", dois dos maiores sucessos
da recém-falecida intérprete, são da autoria de Nando,
seu parceiro musical há longa data. O próprio declarou, em
entrevista ao jornal Folha de São Paulo, que as interpretações
de Eller e as produções que ele fazia para os discos e shows
dela eram sua mais segura fonte de renda ultimamente, e que sem eles o
artista temia pela sua situação financeira.
Talvez isso justifique o lançamento
deste "Infernal", praticamente uma coletânea das canções
que Nando Reis fez para outrem mas não havia registrado ele próprio
até então. Gravado há mais de um ano em companhia
da banda que o acompanhou na turnê de seu segundo álbum ("Para
Quando o Arco-íris Encontrar o Pote de Ouro", 2000), esses registros
eram mais um documento informal de um projeto que envolveu músicos
americanos (o tecladista Alex Velley e o multi-instrumentista Barret Martin,
ex-Screaming Trees e colaborador de, entre outros, Queens of the Stone
Age e R.E.M.) e equipamentos state-of-the-art - e que acabou não
tendo a repercussão esperada. Por que esse material permaneceu mais
de um ano engavetado e foi lançado aproximadamente um mês
após o falecimento de Cássia Eller? É de se desconfiar
da existência de um oportunismo mórbido.
Não é só isso,
contudo. Nando Reis declaradamente se ressente de não ver o reconhecimento
comercial de seu talento. Realmente, embora seja monótno e repetitivo
destacar a "anormalidade" do mercado fonográfico brasileiro (que
ignora gemas pop por causa de uma indústria corporativista e vendida),
é necessário ressaltar que as composições de
Nando gravadas por ele mesmo merecem projeção além
do grupo restrito que costumam atingir, ao contrário daquelas que
são interpretadas por outros artistas. Reunindo algumas dessas canções
e outras inéditas, Infernal vem para tentar fazer jus a esse potencial
comercial.
O resultado, porém, é
irregular. "A Minha Gratidão É Uma Pessoa" (originalmente
presente no infame "Oxigênio", do Jota Quest) é a única
que apresenta forte superioridade em relação ao registro
do intérprete. Outros sucessos, como "Resposta" (originalmente com
o Skank), "Onde Você Mora?" (idem com o Cidade Negra), preservam
sua qualidade mas não somam atrativos adicionais. E as dois sucessos
supracitados gravados por Cássia Eller, apesar do arranjo mais agradável,
carecem de uma voz mais potente - coisa que Nando definitivamente não
tem, apesar de trabalhar suas limitações de forma surpreendentemente
boa.
Recuperar quatro faixas de seu primeiro
disco solo ("12 de Janeiro", 1995) e adicionar sucessos dos Titãs
("Os Cegos do Castelo", "Marvin" e o "não-sucesso" "Eu e Ela") é
também uma maneira de Nando dizer "estou aqui, sempre estive, e
sou bom". Compreensível, mas hiperbólico. Melhor seria se
tivesse reaproveitado outras pérolas como "Ali" (que também
fez para o Skank) ou mesmo sucessos gravados por Marisa Monte, como "Diariamente"
e "Ainda Lembro", curiosamente preteridos. No meio disso tudo, as duas
canções inéditas acabam passando para um segundo plano,
apesar de serem tão boas quanto as demais (destaque maior para a
versão de "Pledge Of Love").
Em suma, Infernal é um disco
claramente comercial, bom pelas condições, mediano pelas
circunstâncias que o envolvem. É impossível culpar
o artista por querer ganhar o pão de cada dia, todavia é
lamentável que o acetato não tenha sido aproveitado para
registrar novas canções que acrescentariam ainda mais qualidade
à carreira do artista e mais deleite aos seus admiradores, E - se
quiser saber minha opinião sincera - não vai emplacar. Nando
Reis ainda não achou seu caminho para o sucesso - mas é ótimo
para pavimentá-lo para outros.
Leonardo
Vinhas ainda não completou sua discografia dos Titãs em CD
- mas faz questão de não adquirir o Volume 2 |