De Volta
à Mermaid Avenue
por
Alexandre Petillo
Woodie
Guthrie foi o primeiro músico alternativo da história. Costumava
escrever "Kill All Fascists" no seu violão, em pleno auge fascista,
entre 1946 e 1950. Atravessou os Estados Unidos colocando o dedo nas mais
delicadas feridas através de suas canções . De volta
pra casa, em Mermaid Avenue, Coney Island, sentou e começou a escrever
pérolas da música folk americana.
Acometido de uma rara doença,
Woodie foi ficando cada vez mais debilitado, até morrer e levar
consigo a melodia de dezenas de letras inéditas.
Em 1997, Nora Guthrie, a filha, entregou
as letras a Billy Bragg, um folk singer cujo ídolo maior era
Woddie Guthrie. Bragg, por sua vez colocou a banda Wilco no projeto, e
a mágica se fez. Em 1998, num mundo dominado por blips e blops,
Mermaid Avenue , um atemporal e belíssimo disco chega as lojas,
passando quase que despercebido pelo grande público, porém
aclamado pela crítica especializada, rendendo-lhe até uma
indicação ao Grammy (o que não quer dizer nada, pois
até Caetano Veloso ganha esse prêmio).
A alma, as canções,
as melodias que nasceram da parceria de Billy Bragg com o Wilco são
perfeitas, causando uma combustão fantástica em contato com
as letras de Guthrie.
De chapéu na mão, palha
na boca e olhando nos olhos da garota, o country-folk-rock de Billy Bragg,
Wilco e Woodie Guthrie ataca de novo, armado de velhos violões,
gaitas, bandolins, melotrons e inspiração pura. Contrariando
a regra, Mermaid Avenue Vol. II, é uma seqüência que
deu certo. É exatamente uma continuação do primeiro.
Two Thumbs Up, como dizem os americanos.
O disco começa com "Airline
To Heaven", com um violão de doze cordas cortante, rápido,
contrastando com o vocal melancólico de Jeff Tweedy do Wilco. Uma
guitarra slide ao fundo dita o ritmo e palmas marcam o compasso. Calma,
segure a mão dela, abrace-a, não a deixe ir. Em seguida,
Billy Bragg assume os vocais, mantendo o clima de velho-oeste, e, encarnando
Guthrie, pergunta quando voltará o seu disco voador.
Assim como no primeiro disco, Natalie
Merchant (ex-10,000 Maniacs), faz uma participação rápida,
emprestando o seu lirismo caipira a "I Was Born", e mesmo que todos os
cowboys quebrem as cadeiras de madeira do bar nas costas uns dos
outros, tudo o que eu quero é sentir seu perfume. E é meu
aniversário, mas já esqueci minha idade.
"All Your Fascists" é um punk-country,
enérgico, pronto pra briga. Encerra o disco "Someday Some Morning
Sometime", linda, delicada, ora melancólica, ora otimista, com um
violão dedilhado feito sob medida para atingir o fundo do coração.
Um beijo. Eu te amo, mas tenho que ir, talvez não nos vejamos mais.
Tweedy canta, como se carregasse todas as dores do mundo nas costas, como
se estivesse dando adeus ao mundo. Ou ao amor eterno.
Isso é Mermaid Avenue Vol.
II. Não é revolucionário, não vai salvar a
música pop, não vi vender muito e não traz nada de
novo. É música para sentimentos básicos. É
rock, é pop, é folk, é country, é essencial. |