Lester
Bangs - Para quem gosta de ler sobre música pop
por
Marcelo Kbla Orozco
Se
você veio parar neste site, você gosta de música pop
e de ler sobre música pop. Os honrados "pais" deste site e quem
colabora com ele também. E o mesmo vale para qualquer site ou publicação
(de revista grande a fanzine) neste campo. Por isso, deixa eu falar da
existência do que, pelo menos pra mim, é uma referência
definitiva nesse campo: Lester Bangs.
Outros foram ou são mais enciclopédicos
que ele. Outros escrevem mais bonitinho. Outros piraram com as palavras
mais que ele. Outros escreveram até melhor, academicamente falando.
Mas Lester foi provavelmente quem mais escreveu com alma, se arriscando
a errar e até aceitar que estava errado. Como os melhores roqueiros
que tocam, ele era sincero, espontâneo e botava dedo nas feridas
que a boa educação recomenda evitar.
É difícil encher tanto
a bola de alguém que só foi publicado em inglês e é
praticamente intraduzível. E que morreu há quase 20 anos
(mais um defunto - por que será que só ando escrevendo sobre
defuntos?). Mas é aquele velho papo da essência em que tanto
insisto. E, especialmente nesta era de fascismo invertido do "politicamente
correto", um Lester Bangs é muito necessário. Na tal essência,
o que ele escreveu nos anos 70 ainda vale para hoje.
Lester foi quem melhor arrasou, com
um sarcasmo absurdo, o próprio ofício. Sem ser dono da verdade,
sem posar de santo, sem se excluir da coisa toda, ele escancarou a superficialidade
que existe nisso de "escrever sobre música". É um texto de
1974 chamado "Como ser um crítico de rock" ("How to be a rock critic"),
que encontrei na Internet uma vez, não sei se essa página
ainda está disponível - para quem sabe inglês, vale
a pena caçar.
O que Bangs escreveu no seu cáustico
"be-a-bá do crítico"?
* Falou dos profissionais do jornalismo
musical que aproveitam todas as bocas-livres e disquinhos de graça
que são trocados depois;
* Escancarou que há shows
e discos terríveis que todo mundo se sente meio obrigado a pelo
menos não falar mal para não ficar mal com a assessoria da
gravadora e perder as boiadas seguintes;
* Ironizou os críticos que
se esmeram em sempre conhecer e citar uma banda mais obscura e desconhecida
que o colega, além de sempre peregrinar por lojas de discos nos
cafundós no que devia ser uma viagem de férias ou lazer;
* E o melhor: ensinou a fazer uma
crítica de um disco com opções de múltipla
escolha, cada uma com palavras bonitinhas e floreadas que, no fim das contas,
não querem dizer muita coisa, nem a respeito do disco nem a respeito
de nada.
A (auto-)demolição de
Bangs é impressionante (cá estou eu botando um adjetivo...
parece que eu aprendi a fazer uma crítica com o curso dele...).
Porque É REAL. Funcionava assim pelo que ele observava nos EUA no
meio dos 70s e, creiam-me, funciona assim por aqui até hoje. E,
como Lester Bangs, eu estou no meio do furacão também e não
vou ficar posando de santo cheio de pureza. O humor da coisa é justamente
saber que você também já caiu nessas armadilhas - meio
como o livro "Alta Fidelidade", do Nick Hornby.
Expressar a própria opinião
e os aspectos que não são bonitos era outra especialidade
de Bangs. O texto dele sobre a morte de John Lennon, feito no meio do choque
mundial, é clássico: diz que "Lennon desprezava emoções
baratas" e que a choradeira era por causa do apego das pessoas a seus passados,
não pelo assassinato ("Não é por John Lennon, o homem,
que você está lamentando. A rigor, você está
lamentando por você mesmo"). Vale dizer: Bangs elogiava Lennon; o
que ele atacava era o chororô sentimentalóide (sentimento,
sim; sentimento barato, não).
Ele fez muitos outros grandes textos.
Eu ainda considero que sua longa análise pessoal do álbum
"Astral Weeks", de Van Morrison, é melhor que o próprio disco.
Esse e um sobre os Stooges, outro sobre a banda de garagem Count Five,
outro arrasando um disco ao vivo da banda de jazz-rock Chicago e outro
peitando uma espécie de preconceito racial da new wave americana
estão no livro-coletânea "Psychotic Reactions and Carburetor
Dung".
Como NUNCA vai sair em português,
aprenda a ler inglês já para poder caçar esta obra.
O mesmo vale para a recém-lançada biografia "Let It Blurt"
(essa eu ainda não li, mas vou atrás, sim).
Alguém escreveu que Lester
Bangs era uma mistura de Jack Kerouac e Charles Bukowski aplicada ao rock.
Certíssimo. O que os três têm em comum é escrever
mais com o coração que com o cérebro, apaixonadamente,
arriscados a falhas e opiniões não compartilhadas pela maioria
dominante. Ou seja, todos permitem a humanidade em seus textos. E são
mais populares que intelectuais. São pessoas escrevendo.
Lester morreu infelizmente cedo, aos
33 anos em 1982 (ele fez uma arrepiante profecia no tal "Como ser um crítico
de rock": "Você vai ser famoso e ter uma morte precoce aos 33" -
lembre-se que o texto foi feito em 1974). Morreu por excessos? Ironicamente
morreu quando tentava se livrar deles. Teve overdose de medicação,
morte acidental.
Por quê só os vasos ruins
não quebram?
Marcelo
Kbla Orozco é o crispy adviser do zine S&Y
Veja dois
dos textos citados acima, no original:
"Astral Weeks",
de Van Morrison
How
to be a Rock Critic |