Caustic Soda
por Douglas Dickel
(texto e fotos, incluindo a chamada de seção)

O Jupiter Apple dos CDs, não existe em shows. O Jupiter Apple dos shows nao existe em CDs. Ruim para quem deseja sentir ao vivo os barulhinhos da "Sétima efervescência" seu primeiro disco (1996, Antídoto), psicodélico puro; e os ruídos da "Plastic soda" seu álbum mais recente (1999, Trama), que mistura bossa nova com lisergia. Bom para quem valoriza a sublimação do artista em shows.

Flávio Basso (ex-Cascavelettes e TNT) é tão criativo que vira um terceiro júpiter no palco. Seu baixo Epyphone é o centro do som, fazendo o papel que a guitarra geralmente faz. O timbre tipo o que o Radiohead usou em "The national anthem" ora é turbinado com distorções, ora com efeitos aquosos. Linhas e riffs são bem trabalhados. A formação de power trio surpreendeu quem nunca tinha visto Júpiter Maçã ao vivo (e fazia muito tempo que ele não tocava no Portonatal).

O que era plastic virou caustic no palco, mas sem perder o gosto de soda. O que era psicodélico, virou rock inglês de primeira, sem comparação com o som de qualquer grande banda. Flávio reverenciou Lou Reed citando o baixo de "Walk on the wild side". Também The Doors, tocando num tecladinho, notas que lembram as de "Light my fire". O mesmo tecladinho foi usado nos momentos de noise. O jeitão de cantar balançando a cabeça, é inspirado em Paul McCartney. Uma coisa chata em Apple, é que ele não sorri para o público e nem dá qualquer outro tipo de bola. 

Anuncia a próxima música, sua muito, e só. Basso alternou: uma composição do Jupiter Apple, uma do Júpiter Maçã. As bossas ganharam vida nesse formato de show, pois violão não havia. Os destaques entre essas foram "Head-head", "A
lad & a maid in the bloom" e "The true love of the spider". Mas o público que encheu o Bar Opinião no dia 31/10, encerramento das terças de Trama no Opinião, delirou mesmo com a psicodelia Maçã. "Querida Superhist x Mr. Frog", "Pictures and paitings" e "Um lugar do caralho" agitaram. Ao contrario de "Miss Lexotan 6 mg - Garota", que poderia ser substituída por outra melhor.

No bis, o pedido por "Walter Victor" não foi atendido. "Essência interior" ganhou roupagem épica, com um longo tempo de viagens experimentais. Interessante como Jupiter valorizou essa música em especial. Pela letra, "Quando você der pra outro cara, lembre-se que alguém se masturba. Alguém do outro lado da cidade se sente em sintonia e pensa em você. Estou ligado na sua essência interior". Talvez. 

Tomara que essa soda seja engarrafada e comercializada em forma de CD ao vivo. Ou não, se a idéia for de manter o show
como um momento mágico e único. Momento que ainda carrega a aura da unicidade que caracteriza uma obra de arte. Em tempos irrefreáveis de reprodutibilidade técnica, discos podem ser tocados várias vezes, pagando uma vez só. Mas nada se compara a músicos, num palco, detonando com instrumentos, um rock cáustico.
 

Douglas Dickel, 23, é editor do MusicZine e de sua versão e-pombo, o E-MusicZine ( e-musiczine-subscribe@egroups.com ). E o web-MusicZine em breve estará pronto ( www.musiczine.cjb.net )
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