O SUCE$$0 NUNCA COMEÇA... - Jerks
por Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br

São José dos Campos é uma cidade de médio para grande porte distante cerca de 60km de São Paulo, situada no Vale do Paraíba. Muitas indústrias, alguns shoppings, comércio intenso e algum verde. Oportunidades surgem em um lugar como esse para jovens que não se contentem com pouco, e esteja certo de que não é só para quem está atrás de uma carreira acadêmica. Dá para estabelecer um "currículo rock" razoável, e é isso que o trio Jerks vem buscando e, gradativamente, conseguindo.

Com um álbum e participações em quatro coletâneas, Selma Vieira (baixo e vocais), Dáphine Ribeiro (bateria) e André Dias (guitarra e vocais) fazem parte da história da cena que recentemente se criou em São José dos Campos, uma cena que inclui o pop rock do Vermelho 40 (quase uma "banda-irmã" do Jerks, não no som mas na postura e na caminhada), o pós-punk do Elegia, as viagens acima de rótulos do Blemish e muitas outras bandas, a maioria cooperando entre si para expandir o alcance do rock local, cuja popularidade é notável entre os joseenses e crescente nas regiões por onde muitos deles passaram.

Parte dessa história e muitas outras estão contadas e explicadas aqui pelo boa-praça e bom músico André Dias. Relaxem e leiam.


S&Y - Como você resumiria a história do Jerks?

André - Eu e a Dáphine começamos a tocar juntos em 1994, quando éramos colegas de escola. Alguns meses depois a Selma juntou-se a nós e começamos a brincar de fazer música. Em 1995 gravamos nossa primeira fita demo ("Just For You") com ajuda do Toninho Ribeiro, irmão da Dáphine (N: e baixista do Vermelho 40). Então começamos a abrir shows para outras bandas da cidade. Garotas tocando rock era novidade por aqui, acho que isso ajudou a chamar a atenção das pessoas e jornais. Fizemos muitos shows nas cidades próximas de São José dos Campos: Taubaté, Jacareí, Pinda, Caçapava e Campos do Jordão. Em 1997 participamos da coletânea independente "...Of Noise!", que teve seu segundo volume em 2000 com as bandas Daizy Down, Elegia, Mary Help, Plastic e Kwazzemhudo. Nosso primeiro álbum, "Skart Imaginary Friend", saiu em 2000 pelo selo independente Airplãine of Noise, já com algumas músicas em português. Fizemos alguns shows em São Paulo e Santos e é isso, pouco a pouco vamos dando um jeito de continuar fazendo o que a gente mais gosta de fazer.

S&Y - Alguém que escuta vocês pela primeira vez pode pensar que suas maiores influências são Pixies e Smashing Pumpkins. Procede?

Com certeza nos influenciaram sim, mas também Sonic Youth, Beatles, Nirvana, Mutantes, Frank Black e Supergrass contribuiram bastante.

S&Y - Como você mesmo informou, "Skart Imaginary Friend" foi lançado em 2000. Como você vê hoje os resultados obtidos com esse disco?

Como primeiro disco, tendo sido feito e distribuído de forma independente, acho que o resultado foi muito bom. Muitas críticas positivas, pessoas ainda escrevem e telefonam elogiando ou pedindo o disco.

S&Y - Qual era o conceito desse disco, ou a idéia por trás dele?

Não tinha conceito nenhum. A única idéia era registrar as músicas que a gente compôs entre 1995 e 2000.

S&Y - Vocês tem participações em quais coletâneas?

Na ordem:
...Of noise!" - 1997
"Airpane of Noise! vol. II" - 2000
"Underground Sounds 1" - 2001
"Gramophone Multimídia vol.1" - 2001

S&Y - Suas primeiras composições eram em inglês, depois surgiram algumas em português. Hoje vocês usam apenas o idioma natal. Por que?

Começamos cantando em inglês porque era o que a gente estava acostumado a ouvir, queria soar como as bandas que a gente gostava. Para falar a verdade, eram poucas as bandas nacionais que eu gostava. Com o tempo fui sentindo que o idioma criava uma certa barreira e eu queria que todo mundo entendesse o que a gente estava cantando, então surgiu essa necessidade de cantar em português. No começo foi um pouco estranho, depois fui aprendendo a usar melhor as palavras, acabamos gostando e hoje nosso repertório é todo em português.

S&Y - Esse nome (Panacas) nunca deu margem para gozações ou problemas?

Não. Nem vou me esquentar se algum dia acontecer.

S&Y - A cena de São José dos Campos concentra muitas guitar bands. Quais seriam as razões disso? Vocês se consideram uma guitar band?

Sinceramente não sei dizer quais as razões. Antigamente o que predominava aqui era o heavy metal. Quando começamos, tocávamos punk rock. Eu tinha 14 anos, ouvia muito Ramones, Nirvana e Ira!, tinha pouco acesso ao que não tocava nas rádios. Depois conheci e me apaixonei por Pixies, a partir daí nosso som também mudou. Mas eu conhecia poucas bandas nesse estilo por aqui, as extintas Cotton Candy e Love Loud. Depois fui conhecer outras, entre elas a Backfire, que hoje é a Blemish. A gente se considera apenas uma banda de rock, mas se quiser chamar de guitar, tudo bem.

S&Y - Legal você mencionar essa descoberta do Pixies. Quem tem paixão pela música nunca contenta só em ouvir ao que está ao alcance mais fácil...

Pois é, no meu caso, o namorado de uma tia minha me emprestava fitas e vinis, isso despertou meu interesse em procurar sons diferentes. Depois conheci a Dáphine e ouvia muita coisa que os irmãos dela, Fabiane (ex-baterista do Mary Help e Vermelho 40, atualmente nos Reatores), Toninho e Cris (ambos do Vermelho 40), me emprestavam. Foi também graças às excursões que eles faziam que assisti muitos shows. Foi uma época muito legal.

S&Y - O ritmo de shows diminuiu um pouco esse ano, certo? O que houve? E, já que falamos de shows, vocês já tocaram em outros estados além de São Paulo?

A gente ficou parado nestes últimos meses, só ensaiando e compondo. A partir de agora, se tudo der certo, vamos voltar a fazer muitos shows. Mas respondendo a sua pergunta, a gente nunca tocou em outros estados, não.

S&Y - Como estão as composições mais recentes?

As composições novas são todas em português. A gente pretende gravar pelo menos uma demo este ano, já que falta grana para lançar outro álbum.

S&Y - Algum de vocês vive de música de alguma forma? Se não, seria esse um sonho a ser perseguido ou apenas uma possibilidade bacana?

Só a Dáphine, que dá aulas de bateria. Eu estou desempregado e a Selma trabalha na prefeitura de SJC. Mas com certeza a gente persegue este sonho, é por isso que a gente continua, na esperança de um dia viver fazendo só o que a gente mais gosta: compor, gravar e fazer shows.

S&Y - Para onde o Jerks vai agora?

Eu também queria saber... vamos aonde nos chamarem. Chamem a gente para tocar!! [contato: (0xx12) 3293-7525)].
E vamos continuar fazendo músicas e ensaiando, não tem jeito, viciei nisso e pretendo fazer até morrer, nem que seja sozinho. Vamos gravar as músicas novas e daí ver o que vai ser possível.

S&Y - Existe algo de que você ou a banda se arrependam durante sua trajetória?

Não. Tudo o que a gente fez teve valor. Até os erros. Até os shows no parque de diversões, com os tiozinhos bêbados tentando segurar a perna da Selma, no boteco com o público gritando "toca Slayer!", até dirigir horas para tocar pr'umas dez pessoas, sem ganhar nem uma garrafa de água. Tudo valeu. Hoje a gente tem alguma experiência, sabe o que não fazer. Sabe também que a gente tem que se valorizar.

S&Y - Vocês e o Vermelho 40 têm uma relação próxima com o Autoramas, quase de admiração - ou pelo menos assim o parece. Como começou esse contato e como estão as coisas hoje?

Somos fãs dos Autoramas mesmo. Começou quando fomos abrir um show deles em Caçapava, na Posso Skate Bar. Até então eu nunca tinha ouvido o som deles e a gente se identificou pra caramba, tinha muito a ver com a gente. Parece que eles curtiram nosso show também, mantivemos contato pela internet e sempre que vinham para SP. São pessoas excelentes. Fizemos outro show com eles no Sesc de São José. Agora já faz um tempo que não tenho notícias.

S&Y - De quem vocês gostam ainda na ativa no Brasil, indie ou não?

Ira!, Frank Jorge, Pato Fu, Butchers Orchestra, Pistoleiros, Grenade, Autoramas, Pipodélica, Astromato, Los Hermanos, Bidê ou Balde, Wonkavision, Leela, Vermelho 40, Wander Wildner, Nut's Honey, Video Hits (ainda vale?), Elegia, Reatores, Seiva... com certeza tem outras que não estou lembrando agora.

Mais informação sobre os Jerks: www.jerksrock.cjb.net.
E-mail: jerks_sjc@hotmail.com

PS: sim, André, a Video Hits acabou, mas é claro que ainda vale ser citada.



Skart Imaginary Friend
Um disco adolescente de e para adultos. Ou não.
por Leonardo Vinhas

A audição apressada e superficial acusa: esses caras amam Pixies! Essa alternância entre um vocal feminino melódico e outro masculino histérico, esse baixo em primeiro plano... Mas, espera aí, e essas melodias vocais que remetem ao rock inglês? Ué, mas o cara está cantando em português? E esse arranjo de guitarra?! Esqueçam as comparações, o menino e as duas meninas têm personalidade.

É mais ou menos essa a primeira reação de quem escuta pela primeira vez o (até agora) único álbum do Jerks, "Skart Imaginary Friend" ("um disco sem conceito", conforme o próprio vocalista), ao menos para quem conhece as referências acima. Não dá para negar a influência de algumas bandas estrangeiras em algumas das 15 composições do disco, e o lendário quarteto de Boston é a primeira que salta aos ouvidos. Mas essa devoção algo adolescente (definição em que também cabem a maioria das letras) é suficientemente compensada com uma pegada pesada e um senso pop entre o doce e o neurótico.

André, Selma e Dáphine processam com vontade e talento as impressões musicais e pessoais consumidas ao longo de suas jovens vidas e deixam no acetato a clareza de sua eficácia. O petardo "Shine" leva o ouvinte a esgoelar-se e socar o ar com a mesma facilidade que a discreta e empolgante trama de guitarras de "Setembro" o faz sonhar acordado com o umbigo mirando o teto. O instrumental "Intermissão" recebe o reforço de guitarras extras e teclados enquanto "Hey You" é uma paulada quase minimalista, mais narrada que cantada (por Selma), e ambas funcionam tão bem quanto o entrelace de guitarra e violino na popíssima "Just Fire". Pop, aliás, é o elemento chave no rock "Fora de Mim", que só não é hit porque nesse planeta a lógica só funciona para cálculos matemáticos.

Entende? Qualidades não faltam. O que pega, então, nesse mais que agradável disco? O excesso de reverência por alguns de seus ídolos, uma produção que poderia ter limado uma ou duas músicas. E só.  A maior parte da bolachinha é ocupada com os ganchos pop rock do Jerks, passíveis de fisgar desde fãs do bom e velho rock'n'roll até menininhas que mantém seus cadernos de recortes. E a julgar pela recente "Todo Dia", canção com espinha roqueira para roupagem melódica incluída na coletânea Gramophone Multimídia vol.1 (do selo Gramophone, de Caçapava - SP,  www.geocities.com/gramophone_br), o futuro promete. Por enquanto, curta o passado com esse "Skart Imaginary Friend". Afinal, não importa a nossa idade, um dia ou outro sempre recorremos a um amigo imaginário..

Leonardo Vinhas, 23, ainda tem três ou quatro amigos imaginários, fora as conversas fantasiadas com pessoas reais.