Belle
& Sebastian O tempo não passa
por
Marcelo Costa 1999
Quanto
tempo duram quatro anos? A pergunta, simples, pode ter resposta
dúbia. Quatro anos para mim,para você e para o
cara que está esperando ônibus na esquina são...
quatro anos. Já no mundo pop quatro anos são uma
eternidade. Só para deixar você imaginando enquanto
o nosso tempo passa, o Nirvana fez tudoque fez em... bingo:
quatro anos. E para entrarmos um pouco mais no espírito
deste texto, os The Smiths são tudo que são por
apenas três anos. O relógio pop corre ferozmente
e, por isso, aqueles quinze minutos ditados por Andy Warholl
são cruciais.
A metáfora acima é perfeita para descrever 99,9%
dos grupos que procuram um lugar ao sol no olimpo pop. O Belle
and Sebastian, septeto escocês que têm, de uma só
vez, seus quatro álbuns despejados em nossas prateleiras,
num ato heróico da gravadora Trama, via acordo com a
Matador americana, é um dos poucos grupos que não
se encaixa no primeiro parágrafo e podem até chover
sapos (como andou acontecendo em um grande filme do ano passado)
que eles irão continuar fazendo de tudo para não
serem a salvação do mundinho pop.
Por isso, e melhor, os quatro anos do Belle and Sebastian são
resumidos em música.
Era uma vez ...
Tudo começou quando um par de Stuarts (Murdoch e David)
se encontrou em uma oficina de músicos, a Stow College
Music Bussiness Course, isso em janeiro de 1996. Da amizade
foram nascendo canções, a maioria de Murdoch,
e uma primeira banda, a Rhode Island.
A oficina produzia, todo ano, um compacto de alguns dos alunos,
pela Electric Honey Records, e o duo de Stuarts foi escolhido,
mas eles tinham repertório para um álbum completo.
Gravação autorizada e Murdoch e David saíram
à caça de amigos e conhecidos que quisessem fazer
parte de uma nova banda, o Belle and Sebastian, nome tirado
de um romance/seriado francês que contava as aventuras
de um garoto, Sebastian, e sua cadela, Belle.
Oito integrantes, um nome, um estúdio e três dias.
Assim nasceu Tigermilk, o primeiro álbum com bela
capa cinzenta em que uma garota amamenta um tigre de pelúcia.
Remetendo diretamente aos anos 80 de Felt, Pale Fountais e The
Smiths, em primeiro plano, e em Nick Drake, Byrds e Donovan,
depois, Tigermilk fisga o ouvinte de primeira. A isca?
Lirismo, angústia, melancolia, amor, simplicidade, confissão,
arrependimento, silêncios. As faixas são concisas,
mas é possível destacar a batida contagiante do
violão em She's Losing It e o flerte com a eletrônica
oitentista em Eletronic Renaissance. As letras são
pequenos contos e historinhas urbanas. Os títulos entregam
quase todos os temas, como em I Don't Love Anyone, My Wandering
Days are Over e I Could Be Dreaming. Um dos melhores
momentos é Expectations que trata de uma garota
entediada com a vida e o trabalho,cujo passatempo era fazer
bonequinhos de argila dos integrantes do Velvet Underground.
Foram prensadas mil cópias em vinil de Tigermilk
que evaporaram como neve no verão carioca. Você
quer uma? É fácil, nada que 400 libras não
resolva (aproximadamente R$ 1.200,00), mas, acalme-se, pois
a Matador relançou Tigermilk em 1999, em todas
as versões. O fato serve para demonstrar que a aura de
cult band já pairava sobre a banda.
O
Belle and Sebastian conseguiu isso usando o folk incrementado
com violino, guitarras, flautas, piano, e a delicadeza da voz
de Stuart Murdoch. Pura magia que fazia do grupo um segredo
guardado a sete chaves pelos fãs. E por eles mesmos.
Conta à lenda que a banda acaba assim que se tornar à
coisa mais importante da vida de seus integrantes. Eles querem
pintar, escrever, ter outras bandas, viver, sem que o Belle
and Sebastian os atrapalhe. É claro que a corrente aumentou,
o boca-a-boca também, e a indústria percebeu que
algo estava acontecendo. Várias gravadoras foram atrás
da banda e a resposta era sempre a mesma: não. Com a
negativa, uma silenciosa carta de intenções escrita
em atos que, muitas vezes, os emparelhava com a turma de Morrissey.
Não posar para fotos, não dar entrevistas, não
fazer clipes. Preocupar-se apenas com a música era o
tema.
O
segundo filho
Cinco meses depois de Tigermilk, recusando contratos
de várias majors, o grupo assina com a pequena Jeepster
e lança, três meses depois, o sublime If You're
Felling Sinister. O que era cinza no ínicio agora
ficou vermelho. A garota que amamentava um tigre agora posa
pensando na vida, com um livro ao lado. A produção,
novamente, é simples. Mas é impossível
não notar o avanço das composições.
A carta de intenções agora tem trilha sonora,
Get Me Away From Here I'm Dying, que explica em suas
linhas finais que palavras são mais poderosas que espadas.
If You're Felling Sinister é um álbum beirando
a perfeição. Muito mais que em Tigermilk,
as canções formam um conjunto único em
que destacar uma é desmerecer outra. Mesmo assim, a faixa
título com som de crianças brincando ao fundo,
a arrepiante The Fox in The Snow, a velvetiana Me
and Major e a faixa final, Judy and the Dream of Horses,
podem ser destacadas.
O reconhecimento foi imediato. Várias listas de melhores
do ano incluíam o álbum dos escoceses e o pequeno
culto começava a crescer. E enquanto o barulho em torno
da banda aumentava, eles tratavam de escrever mais músicas.
If You're Felling Sinister foi seguido de três
singles, Dog On Wheels, Lazy Line Painter Jane e 3,
6, 9 Seconds of Light (depois reunidos na caixa Lazy
Line Painter Jane). O primeiro trazia The State That
I Am In, faixa que abria Tigermilk, em versão
demo, e três inéditas, dentre elas, uma linda e
infantil Belle and Sebastian, que faz Murdoch rir nos
shows. O segundo single, Lazy Line Painter Jane, traz,
assim como todos os posteriors, apenas inéditas. A faixa
título é um dueto de Murdoch com uma garota chamada
Monica Queen, e que periga ser uma das melhores coisas escritas
nos anos 90. Baixo e teclado comandando, as guitarras em arpejos,
o fio de voz de Murdoch cantando "You will have a boy tonight
/On the first bus out of town" quando irrompe a voz de
Monica como um furacão pop. O break no meio da canção
é uma das coisas ais lindas dos anos noventa, acreditem.
3, 6, 9, Seconds of Light foi o single seguinte, os três
lançados num espaço de seis meses, e conseguiu
entrar no top 40 inglês (Lazy Line esbarrou na
41° posição) alcançando o 32° e
sendo indicado como single da semana pela Melody Maker
e pela NME. Alguns shows depois, inclusive uma mini tour
americana, e já era hora de entrar em estúdio
para preparar o sucessor de If You're Felling Sinister.
Coisas
simples
O terceiro álbum, The Boy With The Arab Strap saiu
quase um ano depois, o tempo necessário para o culto
aumentar e surgir os primeiros que desconfiavam que a banda
não conseguiria superar o álbum anterior. Conseguiu.
A formula, claro, não mudou nem um pouco. O que mudou,
na verdade, foi à auto confiança do grupo. O instrumental
soa mais homogêneo. Murdoch agora tem a compania de Steve
Jackson, guitarra, e Isobel, a violoncelista, nas composições.
Isobel, que havia dado as caras num dueto com Murdoch no disco
anterior, canta uma canção sozinha, Is It Wicked
Not To Care, que, inclusive, ganhou clipe inspirado na arte
do cd, agora em tons verdes, com um jovem atravessado por uma
lança na capa. O grupo mostra novamente a unidade do
repertório e os shows aumentam o mito, que, contam, a
banda toca tão baixo que se você desconcentrar
do som, poderá ouvir os carros passando em frente ao
teatro.
As historinhas melhoraram muito também, como em Dirty
Dream Number Two em que de inicio o protagonista se acha
com sorte em poder abrir a porta e sair por ai, mas depois se
acha azarado por não ter nenhum lugar para ir, ou em
Simple Things em que a carta de intenções
Belle and Sebastian ganha mais um item, exemplificado na primeira
estrofe que diz "se você me quiser, eu estarei lá,
um garoto para cuidar de seus problemas. Mas parte do trato
é que você sinta alguma coisa".
O álbum, elogiadissimo, foi seguido de um single tão
sublime quanto, This Is Just a Modern Rock Song, em que
a faixa titulo explorava camadas e camadas de arranjos sobrepostos
para contar, em sua primeira parte, sobre um triangulo amoroso
em que um cara é apaixonado por duas garotas que se gostam,
e, na segunda parte, tenta explicar a própria banda.
O single ainda traz Slow Graffiti , que fez parte da
trilha sonora do filme Acid House, adaptação
da obra de Irvine Welch. A música foi descrita com acerto
por um jornalista como sendo a canção que deveria
tocar nos corredores da National Gallery, em Londres. Perfeito.
Outras
ondas
Uma pequena parada e alguns integrantes arriscam-se em projetos
paralelos. O baixista Stuart David lança no inicio de
1999 Up a Tree, de seu projeto Looper. O álbum
pode ser descrito como um Belle and Sebastian eletrônico
e alegre, e funciona como uma linda declaração
de amor do baixista a sua esposa. O encarte, inclusive, conta
como os dois se conheceram.
Isobel também resolveu montar sua banda, a Gentle Waves.
O essencialmente folk The Green Fields of Foreverland
traz vários integrantes do Belle participando, mas o
que brilha é a doçura da voz da violinista.
O
falatório geral sobre a banda chegou aos ouvidos dos
empresários que montam os principais festivais de verão
na Europa. Inevitavelmente surge o convite, que a banda recusa,
pois decidi fazer seu próprio festival.
A
história atual
Com 1999 dedicado aos projetos paralelos, a boataria começa
e, no inicio de 2000 ocorre a primeira baixa na banda. Stuart
David, um dos fundadores do grupo, decidi deixar o Belle and
Sebastian, alegando que a banda está ocupando muito tempo
em sua vida. Mesmo assim o baixista ficou até o fim das
gravações de Fold Your Hands Child, You Walk
Like A Peasant, álbum lançado em julho desse
ano.
Fold Your Hands Child, You Walk Like A Peasant, título
inspirado em um graffiti que Murdoch viu no chão de um
banheiro, é mais do mesmo Belle and Sebastian de sempre,
o que transtornou alguns fãs pela falta de novidades.
O álbum traz um som mais bem acabado e a todas as influências
supracitadas, podemos incluir Beach Boys, Zombies e Curtis Mayfield.
Dessa vez, além dos Stuarts, de Jackson e de Isobel,
é Sarah, a violinista, que se arrisca nos vocais.
Um
dos álbuns mais aguardados do ano (num ano que teria
novos de U2 e Radiohead) soa recluso, mais enigmático
que o normal. Os arranjos privilegiam os teclados. As letras
falam de experiências em guerras, modelos, estupro. Para
o lançamento, a Jeepster colocou grandes cartazes em
Londres, e a boataria dava conta que a gravadora iria falir
caso o álbum não ultrapassasse as 100 mil cópias.
Sem problema. O disco alcançou o Top Ten inglês.
Junto com o álbum saiu um single de inéditas.
A faixa titulo, Legal Man, explorava ambientes além
álbum e demonstrava a paixão da banda pelos sixties,
uma delicia pop. Só foi lançar álbum e
single que o grupo simplesmente desapareceu, num misto de aversão
a mídia e vontade de fazer outras coisas.
Isso permitiu o aparecimento de bootlegs raríssimos,
como um que reunia as apresentações da banda na
BBC e trazia, entre algumas inéditas, uma versão
sublime de Seeing Other People, com Isobel dividindo
os vocais com Murdoch. O principal bootleg é o Black
Sessions que registra uma apresentação da
banda numa noite parisiense. Das 15 faixas, o destaque maior
é a cover de Poupée de Cire, Poupée
de Son, de Serge Gainsbourg. Mas esses itens são
algo além. O público brasileiro primeiro precisa
conhecer os quatro álbuns que acabam de chegar às
lojas. O resto, o próprio tempo se encarregará.
Marcelo,
29, é editor do zine Scream & Yell.
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