Festival Eletronika Telemig Celular
por Rodrigo James
fotos Lincoln Continentino 

É sempre complicado o tal do festival. Ainda mais estes que se dividem em vários palcos, com atrações simultâneas. Nunca se consegue ver tudo, a não ser que a tecnologia da clonagem estivesse desenvolvida e pudéssemos nos dividir em mais seres humanos. Como tecnicamente isso ainda não é possível, temos que nos contentar em enfrentar uma verdadeira maratona para conseguirmos ver alguma coisa. 

Este foi o caso do Festival Eletronika Telemig Celular, que aconteceu nos dias 26, 27 e 28 de abril. Com o subtítulo “festival de novas tendências musicais”, prometia muito no início, trazendo a BH alguns dos maiores nomes do gênero no mundo, além de – aparentemente - estranhos no ninho, como Jon Spencer Blues Explosion. Abaixo está um diário do que vi nos 3 dias do festival.

DIA 26 – BLUUUUUUES EXPLOSION

A grande expectativa da noite não poderia deixar de ser Jon Spencer e sua trupe. Os estranhos no ninho, como ele mesmo deixou escapar em entrevistas durante a semana ( “Não entendo o que nós estamos fazendo num festival de música eletrônica”, disse ele aos jornais mineiros ). O público esperado era na faixa nas 1500 pessoas, mas superou as expectativas, mostrando que o mineiro prestigia os bons espetáculos quando eles pipocam pela cidade. Mas antes de chegarmos aos estranhos, vamos ver o que aconteceu antes.

As duas primeiras noites foram divididas em dois palcos/salas/pistas de dança : o Eletronika Club, onde se apresentariam as atrações principais e o Eletronika BH, onde os djs locais se revezariam. O festival começou com o AD no Club mostrando seu som eletrônico com vigor. Bem pesado mesmo. Empolgou, mas a pista ainda estava vazia. Corri para ver o que estava acontecendo no outro palco. O DJ Tee abriu a pista BH despejando toneladas de techno e trance na cabeça. Confesso que não resisti e dancei um pouco. Voltei então ao palco Club para ver O Discurso. O repente eletrônico aliado a projeções duvidosas no telão criou um clima meio esquisito no começo mas melhorou do meio para o final. No final das contas, o saldo do O Discurso foi positivo. Aliás, nesse momento já havia chegado a uma conclusão que confirmaria no dia seguinte : até a mais ensandecida música eletrônica ganha mais adeptos e fica mais simpática quando acrescenta alguns instrumentos em seus sets. Isso é papo pra amanhã.

Uma rápida passadinha pela insandecida pista BH, onde Tee ainda fazia a multidão dançar, mas só enquanto esperava o palco ser trocado para a atração principal da noite....

Qualquer festival, festa ou afins que tenha Jon Spencer Blues Explosion como uma das atrações, tem o resto ofuscado. Por mais adjetivos que eu coloque aqui, não vou conseguir passar o que foi o clima proporcionado pelo trio novaiorquino em seu show. Jon cantou, gritou, estribuchou no chão, despejou vigor, peso, fez todo mundo dançar, ensaiou uma batida eletrônica em uma das músicas ( tentando se misturar com o “resto” do festival ? ) e entoou seu mantra inúmeras de vezes ( “bluuuuuuues explosion” ). O resto da banda também estava inspirado. O  guitarrista Judah Bauer, com seu look britpop chegou a ensaiar um stage diving. O baterista Russell Simins destruía seu kit lá atrás com um vigor poucas vezes visto. Deixaram o palco algumas dezenas de músicas depois ( só o encore teve 7 músicas ) trazendo um gostinho de sujeira para as bocas e ouvidos de todos o que ali estavam. Era fácil encontrar pessoas - até no dia seguinte, gritando “bluuuuuues explooosion”. Ponto alto da noite e do festival até então.

Depois do Jon Spencer, confesso que perdi um pouco o gás. Tudo o que visse ali não seria melhor. Mas respirei fundo e fui para a sala BH conferir o dj Raul Aguilera, de Curitiba, convidado dos meninos de BH, além de voltar ao palco Club para ver um pedaço de Anderson Soares. Já eram 3 e meia da matina e eu tinha toneladas de trabalho no dia seguinte. Resolvi ir embora para agüentar a maratona sem prestigiar um dos heróis locais : DJ Robson, que encerrou a noite. 

DIA 27 – DANÇAR FAZ BEM À ALMA

Ainda com o peso da noite anterior na cabeça ( em todos os sentidos. A ressaca foi bem poderosa. ), cheguei ao segundo dia do festival bem cedo. A vantagem foi conseguir pegar um trecho da passagem de som da primeira atração da noite, Anvil FX e sentir o que estava pr vir. Anvil, ou Paulo Beto é um one-man-project-dj de Juiz de Fora que sempre traz surpresas em suas apresentações por onde passa. No Eletronika de 1999, ele convidou a cantora local Alda Rezende para vocalizar as melodias criadas por ele. Neste ano, ele resolveu convidar duas lendárias figuras do cenário pop brasileiro : Miguel Barella, ex-Voluntários da Pátria e Gang 90, além de João Parahyba, do Trio Mocotó. A mistura dos três, acrescida de projeções inspiradas no telão criadas por Luis Duva conseguiu arrancar aplausos calorosos de todos. A mistura de percussão forrozeana com o processamento do som feito por Barella na guitarra deixou gravada em nossos tímpanos aquela que seria uma das melhores apresentações de todo o festival. Ponto para PB.

O palco BH começou com o DJ Fog. Desde o dia anterior, fiquei com a impressão que, no cômputo geral, os artistas locais estavam empolgando mais que as atrações especiais ou nacionais ( com exceção de JSBX, é claro ). No dia de hoje, isso estava começando a se confirmar. A turma de BH, conhecida sob a alcunha de Agência Filtro, tem conseguido um público cativo na cidade, que os acompanha onde quer que eles estejam, Foram responsáveis, inclusive por um das raves mais famosas da cidade, num local inusitado : a pista do Aeroporto de Confins. Enfim, o público que vai dançar ao ritmo dos meninos não se importa muito com novas tendências musicais. Quer mesmo é ver o bicho pegar, como aqui.

Abandonei a animada pista BH para conferir XRS Land no Club. Um amigo que veio do interior do estado para o festival ouviu o som de Xerxes de Oliveira e me confidenciou : “É o tipo de som eletrônico que gosto. Bem melódico”. E é isso mesmo. Xerxes faz um drum n’ bass bem melódico que agrada até quem gosta só um pouquinho de música eletrônica. 45 minutos depois, a pista já estava lotada e Xerxes fazia os esqueletos balançarem. Ponto também para ele.

Depois de uma outra rápida passadinha pelo palco BH, onde Fog continuava com sua house-music, a primeira atração internacional do dia tomou o palco Club. O projeto Flanger é um dos inúmeras encarnações de Burnt Friedman, dj alemão que nos deu, entre outras coisas, Senor Coconut e su Conjunto – que mistura Kraftwerk com ritmos latinos. Nesse projeto, o tom é a eletrônica na acepção da palavra. Por vezes lembrando o próprio Kraftwerk, Flanger mostrou um som cheio de bits e bytes, como se estivéssemos ouvindo um compuatdor fazendo música. Juro que ouvi alguns barulhinhos tirados do Windows. No cômputo geral, Flanger mostrou um som inteligente, feito para ouvir com parcimônia.

Na pista BH, Filipe Forratini assumia as pick ups, enquanto o palco Club era preparado para a segunda atração internacional da noite, os djs Nicola Conte e Gianluca Petrella. Os italianos se deram bem. Seu show foi o mais lotado da noite, até então, apesar da reclamação de alguns que o som estava muto grave e era quase impossível ouvir algo perto do palco. Mas isso não importou muito. Foi o momento “suor nas camisas” da noite. 

Dois dias antes do festival perguntei a um amigo como tinha sido o show de Amon Tobin em S.P. Ele me respondeu o seguinte : “Olha, show tem que ter banda, não é ? Pois o Amon Tobin foi um bom show de dj”. E não é que ele tinha razão ? Tobin fez um set decente, apesar de algumas escorregadelas no pique, mas foi só isso. O que comprova a teoria descrita no dia de ontem : música eletrônica só funciona em sua plenitude quando misturada com performances ao vivo de músicos para que tornar o som mais acessível e menos “de computador”. As melhores apresentações do festival foram assim : O Discurso, Anvil FX. Fiquei me lembrando do show do Prodigy que vi em S.P.. Achei tudo muito esquisito quando o dj Marky abriu a noitada. Estávamos em um estádio, um palco armado e não havia nada para se ver, nenhum instrumento, só um cara lá na frente tocando discos. Isso funciona muito bem em ambientes fechados, boates, mas não num palco. Foi o que aconteceu com Tobin. Estivéssemos na outra sala, talvez tudo fosse diferente.

Mas como toda regra tem exceção, o DJ Patife fez a melhor apresentação da noite às 5 da matina, com sua mistura de MPB e batidas eletrônicas. Pena que o cansaço batia e não consegui ficar até o final. Mesmo porque tinha uma leve impressão que o dia seguinte iria ser barra pesada.

DIA 28 – SUPER LOTAÇÃO

A noite já começou tensa. Cheguei ao local às 7 e meia da noite e senti um cheiro de stress no ar. Os produtores estavam tensos com alguma coisa que não havia identificado até então. Conversa vai, conversa vem, acabei encontrando com o Luciano Vianna e juntando os fatos. Sintam o drama : parece que o diretor de palco do Asian Dub Foundation subiu à Plataforma Eletronika – um terceiro palco, ao ar livre, montado justamente para Nação Zumbi, DJ Dolores e ADF – e não gostou do que viu. Mais especificamente, não gostou do que sentiu. Deu uns pulinhos lá em cima e virou para a coordenação do evento dizendo que sua banda não iria tocar ali, pois o palco estaca ameaçado de cair !!! Deu pra sentir a tensão ? Até o horário do almoço, mais ou menos, não havia uma solução e a banda não iria tocar. Depois de muita conversa, conseguiram convencer o ADF a tocar no palco Club, onde Jon Spencer e outros já haviam se apresentado. Mas havia mais um probleminha : como colocar 3000 pessoas ( sim, 3000. os ingressos haviam se esgotado na manhã daquele dia ) num espaço que cabiam pouco mais de 800 ?? A solução de última hora foi instalar um telão do lado de fora e jogar o som do palco Club para o P.A externo.

Daí o stress foi conseguir ajustar tudo a tempo. Às 10 e meia, o palco ainda estava sendo preparado e DJ Dolores já ocupava a Plataforma Eletronika, abrindo a noite com sua mistura de ritmos nordestinos e batidas trance. Foi fácil constatar que aquele seria o dia mais cheio do festival,  já que nesse horário o Centro Cultural Casa do Conde se encontrava completamente lotado. Logo depois de DJ Dolores,  DJ LP começou a fazer funcionar o palco BH, mas todo mundo só tinha olhos para as outras duas atrações que viriam nos outros dois palcos.

A Nação Zumbi entrou na plataforma Eletronika pouco mais de 11 da noite e provou que o diretor de palco do ADF estava errado. Fez seu costumeiro set demolidor, tocando todos os hits, destruindo o gramado do local e fazendo subir o poeirão ( alguém disse Rock In Rio ? ). Confesso que abdiquei do show da Nação na metade porque resolvi enfrentar a multidão que se aglomerava na entrada do outro palco, esperando a atração principal da noite. Meia hora depois a entrada foi liberada e a aglomeração em frente ao palco foi enorme. Empurra-empurra, gritos de “cadê o ventilador” e muita gente reclamando.

Só que tudo isso pareceu bobagem quando o Asian Dub Foundation finalmente entrou no palco para seu show histórico. Alguém disse que um show do ADF é melhor aproveitado se fecharmos os olhos e imaginarmos que estamos em Calcutá ou algum lugar parecido. Resolvi experimentar e confesso que o som chapante e poderoso dos anglo-indianos tomou conta de mim. Lá pela quarta música ( “Real Great Britain” ), a aglomeração já tinha se transformado numa grande comunhão à boa música. Há muito tempo não via a cena que vi naquela noite : absolutamente todo mundo no galpão estava dançando. É impossível ficar parado com o Asian Dub Foundation.

Depois desta experiência, tudo que viesse na seqüência seria lucro. Saí completamente acabado e destruído do galpão, mas com um fôlego incrível, ao mesmo tempo. Respirei fundo e me mandei para a sala Bh, onde Angel Molina causava um estrago absurdo com seu techno compassado. Vinte minutos depois, saí para tomar um ar, mas por pouco tempo, pois o herói local Anderson Noise – o grande nome da música eletrônica em Minas Gerais – acabava de entrar no palco Club. Fui prestigiar o Noise – de longe, o artista que mais levou gente àquela noite, ainda que muitos achem que a culpa foi da Nação e do ADF. Noise fez os fãs mais afoitos berrarem como se fosse um dos Backstreet Boys em cima do palco. O som dele é um techno na acepção da palavra. Se você nunca ouviu techno em toda sua vida, ouça o disco do cara ( “Outubro” ) para conhecer.

Roger Moore e Daniel Maia ainda tocariam no palco Bh. Mas para mim era o fim da linha. Estava acabado. O festival deixou um saldo positivo nas mentes e ouvidos de todos que ali estiveram. Com certeza, escreveu seu nome no calendário musical brasileiro como um dos mais importantes eventos do gênero e voltará ano que vem maior, melhor e repetindo a primorosa organização que teve neste ano, apesar dos contratempos de última hora.