É
correto ser amigo de uma banda e fazer uma crítica sobre
ela em um grande veículo de imprensa?
por
Juliano Costa
2001
Quando uma amizade pode interferir
num trabalho
No filme Quase
Famosos, de Cameron Crowe, um garoto, William Miller,
aspirante a jornalista, se vê numa espécie de "trabalho
de seus sonhos": acompanhar a turnê de sua banda
predileta, ao lado dos músicos, e escrever uma matéria
(de capa, inclusive) sobre essa banda para uma grande revista
de rock – e ainda ser pago pra isso!
No começo,
é tudo alegria para o garoto. Mas o convívio com
seus ídolos, até então inatingíveis,
fascina-o de uma tal maneira que seu trabalho, o motivo original
da viagem, acaba passando a um segundo plano, ofuscado pela
crescente amizade gerada por essa convivência.
E eis que,
tanto o editor de Miller, já suspeitando da intimidade
do jornalista-mirim com a banda, e os próprios músicos,
céticos em relação à maneira como
serão retratados na revista, perdem a credibilidade pelo
trabalho do garoto.
Isso acaba
levantando uma questão: quando se é amigo dos
integrantes de uma banda, é possível que um jornalista
faça uma crítica ou uma resenha imparcial e honesta
sobre essa banda, sem que a amizade exerça algum tipo
de interferência no texto?
O diretor
Cameron Crowe, com seu filme praticamente autobiográfico
(William Miller, o garoto, seria ele próprio, que também
começou sua carreira como crítico musical) deixa
claro que dificilmente se pode fazer uma crítica 'honesta
e impiedosa", como aconselhava seu guru, o lendário
Lester Bangs. Miller, maravilhado
com o mundo-roque, é apenas honesto em seu texto, mas
nada impiedoso. Pelo contrário: a amizade com os integrantes
da banda "amolece seu coração", e o
impede de julgar o trabalho da banda com uma cabeça de
crítico.
Sobre esse
assunto, falamos com alguns dos principais jornalistas que escrevem
sobre música no Brasil. Leia suas opiniões:
Lúcio
Ribeiro, repórter de música e cinema do caderno
Ilustrada da Folha de São Paulo e da seção
Pensata, do site Folha On Line acredita que o jornalista profissional
precisa ter discernimento sobre o assunto: "Não
há problemas em escrever sobre uma banda de amigos desde
que o jornalista acredite mesmo que o tal grupo mereça
esse espaço". Lúcio diz que nunca se deparou
com o problema, pois suas críticas são, na maioria,
sobre bandas estrangeiras.
Colega de
Lúcio na Ilustrada, Marcelo Valletta pensa de forma diferente.
"Acho incorreto fazer matérias com amigos. Se você
for designado para a tarefa, convém explicar a situação
ao seu superior e pedir que ele indique outra pessoa",
declara o jornalista. "Mas caso você seja mesmo obrigado
a escrever a tal resenha, deve utilizar o rigor crítico
de costume", completa Valletta. "Se a amizade vai
interferir no texto, isso vai depender da pessoa. É preciso
frieza e profissionalismo nessa hora", conclui o jornalista,
que confessa nunca ter passado por uma situação
parecida com essa.
Opinião
semelhante tem José Flávio Júnior, editor-adjunto
da revista Bizz. "Não é correto para um crítico
musical ser amigo de banda, mas é inevitável ser
colega e ter conhecidos, que acabam virando até fontes",
diz José Flávio, que acredita que usar os colegas
músicos como fonte é um outro problema ético
do jornalista. "Eu não queria dizer essa obviedade,
mas tudo depende. Se o cara consegue discernir seu contato com
o músico da resenha que vai fazer, ótimo",
atesta José Flávio, que conclui: "A resenha
é do disco, não da amizade".
André
Barcinski, um dos apresentadores do programa Garagem, da rádio
Brasil 2000, de São Paulo, e editor do site El Foco.com,
é ainda mais radical: "É
óbvio que não (é possível fazer
um texto imparcial), pois jornalista que se preza não
fica amigo de artista. Essa é a regra número um
do jornalismo cultural", declarou o jornalista, que lamenta
que, "no Brasil, infelizmente é normal ver nome
de jornalista na lista de agradecimentos de discos".
Barcinski
acredita que o dever de entrevistar e ter contato mais direto
com os artistas cabe ao jornalista, e não ao crítico.
"Nos EUA, pelo menos nos órgãos mais sérios,
os críticos trabalham na redação. Eles
não entrevistam artistas, estão lá apenas
para resenhar obras, disse o jornalista. Já no Brasil,
não há uma divisão clara entre jornalistas
e críticos de música", concluiu Barcinski,
que confessa ser amigo dos integrantes da banda Sepultura, mas
que já os conhecia antes de começar a escrever
sobre música.
Correspondente
da Tv Globo e do jornal Folha de S. Paulo em San Francisco,
EUA, o jornalista Álvaro Pereira Júnior também
entende que seja errado escrever crítica sobre amigos.
"A não ser que você tenha uma liberdade tamanha
de texto que lhe permita escrever algo do tipo ‘sou suspeito
para falar desses caras, porque eles são meus amigos’”,
contrapôs o jornalista, que assina uma coluna sobre música
no suplemento FolhaTeen, da Folha de S. Paulo.
Álvaro
alerta também para o fato de haver muitos jornalistas
que prestam serviços a gravadoras. "Tem muito crítico
de música, principalmente no Rio (de Janeiro), que escreve
release usando pseudônimo para gravadoras”, afirma o jornalista.
“E depois ainda vai criticar discos dessa mesma gravadora!",
exclamou Álvaro, que preferiu, por motivos éticos,
não revelar o nome desses jornalistas.
Em uma coluna
antiga no caderno Folhateen, Ondas Curtas, o jornalista André
Forastieri alertava:
"Não
é tão complicado assim trabalhar na imprensa musical.
O que você ganha com isso? Não muito. Você
entra em show sem pagar e ganha montes de CDs. Viaja a trabalho
para entrevistar uns e outros. É convidado para festas
de lançamentos de discos.
E, claro,
conhece um monte de artistas. Às vezes, até fica
amigo de um monte de artistas. Se isso acontecer, está
na hora de pedir demissão e mudar de carreira. Ninguém
tem coragem de falar mal dos amigos. Ou, invertendo, não
tem carreira que valha a perda de um amigo de verdade".
O que você
acha, caro leitor?
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