Demolition Doll Rods
por Marco Bezzi
fotos Erico Padrão

O público de São Paulo espera com ansiedade depois de escutar relatos do último show realizado duas semanas atrás. O galpão 16 – local da apresentação - recebe mais da metade de sua lotação. “Os caras são malucos”, grita um menino vestindo uma camiseta do Ramones e com pinta de não passar dos 15. As luzes se apagam e de repente, no palco a meia luz, surgem três figuras que mais parecem ter saídas do imaginário do cineasta norte-americano Jon Waters: um cara com trejeitos de menina vestindo só uma sunga, guitarra e dois adesivos nos mamilos; uma loiraça (com pinta de atriz pornô) que para deleite dos marmanjos que se acotovelavam na frente do palco, também seguia o figurino de seu parceiro de banda – muitas vezes sem os adesivos - e sua irmã, a mais “tímida” dos três, usando um maiô com estampa de oncinha e arrebentando tudo em apenas duas peças de bateria, um surdo e uma caixa. 

Danny, Margareth e Christine, respectivamente, integram a banda de Detroit, Demolition Doll Rods e assim como Jon Waters são frutos da cultura white trash americana. E diferentes do estado psíquico, mas com as quase  mesmas poucas roupas do palco, as três figuraças me receberam para uma conversa na casa de Marco Rocha (Butchers Orchestra), um dos viabilizadores da turnê brasileira. No quarto, os três deitados na cama assistiam na TV um antigo episódio do Saturday Night Live no canal Sony -  o som desligado. Isso para registrar nos ouvidos discos antigos do Pin-Ups (no qual Marco era o batera) e para gravar em fita cassete o novo projeto do atual Butchers Wedding Swingers. “É uma das minhas atuais bandas preferidas” diz a loira Margareth, suscitando um sorriso de Marco. 

E quanto A TV? “Não dispomos de muito tempo para ficarmos na frente da TV” diz Danny, vestindo uma mini-camiseta com a barriga à mostra. “Eu gosto de That’s 70 Show, South Park e Simpsons, meu preferido”, completa Christine, a mais simpática dos três. A banda que aportou em São Paulo no final do ano passado tem como característica a música crua, barulhenta, nervosa e purista, muito dos predicados que são usados para definir o termo garage. “Não nos consideramos apenas uma banda de garagem, fazemos é rock mesmo”, diz Danny, de 35, que também fez parte do sensacional Gories. “Eu nem tenho uma garagem em casa”, completa Margareth, de 32. O gosto da banda comprova isso: Stooges, Funkadelic (“ninguem chegou próximo do que eles faziam”, grita Danny), Velvet Underground, Tina Turner, Joan Jett, Hendrix e Prince são alguns favoritos. 

Com o fim do Gories em 1993, Margareth, assídua frequentadora dos shows da banda e dito pela própria como uma das razões para ela acabar convenceu Danny a formar o D.D.R com sua irmã caçula. “O Gories terminou sem briga nenhuma, só ficamos cansados e queríamos partir pra outra”, fala Danny. O grupo lançou seu primeiro álbum em 1997 e teve ninguém menos que Mick Collins (Gories) e Jon Spencer dividindo a produção de Tasty. “Apesar do que falam dele, Jon sempre foi um cara muito gentil com agente”. 

Mas desde o início a marca registrada da banda vinham de suas apresentações em cima do palco. Com vestimentas diminutas e performances insanas, é difícil acreditar que os caras são vegetarianos convictos e não tomam qualquer tipo de drogas. “As pessoas sempre acham que estamos drogados, bêbados, mas os grandes culpados disso tudo foram nossos pais, eles me deixaram maluca assim” ironiza Margareth. Mas que infância foi essa, pergunto a Margareth: “Eu tocava violão em uma igreja católica e quando mais velha comecei a dançar em boates de strip na minha cidade. Da igreja para as boates foi um pulinho”. Margareth suspira e prefere continuar falando de seus dias de beberrona: “Antigamente eu bebia pacas, era uma garrafa de Wild Turkey por dia, se não fosse por Danny eu estaria morta”. Danny que pra completar a grana do mês de vez em quando ainda faz um dublê de pintor interrompe: “Eu via Margareth sempre locona e falei que ela poderia ser assim sem ter que beber daquele jeito e deu no que deu”. Por falar em comida e bebida que tal uma pausa pro almoço? No cardápio: Macarrão com brócolis e muita mandioca frita. No copo, água. “De vez em quando em casa eu tomo um dedinho de Jack Daniels para esquentar um pouco, mas é só”, responde Danny para o repórter que parecia desconfiar do fita. 
 

Durante o almoço o nome da nossa “Peiticeira” é jogado na roda. “Você poderia ser a próxima Feiticeira” digo à Margareth que vestia um top que suscitava pensamentos mais apimentados e um minúsculo shortinho. “Se der grana, porquê não?” (E pra continuar o assunto rango, na semana do primeiro show em São Paulo os três participaram do programa de rádio Garagem e depois foram apresentados a uma de nossas “melhores” restaurantes/lanchonete, o Habibs. Lá, devoraram cada um um prato de pasta de grão de bico, muito pão sírio e suco de laranja. Marco Rocha resume tudo: “Os caras comem pra caralho e isso é todo dia”). 

Depois de mais de uma hora com assuntos que passaram de regime a sexo os três se preparam para a passagem de som no Galpão 16, local do segundo show em São Paulo. Depois, mais três concertos, finalizando no Rio de Janeiro onde teriam um diazinho de folga. “Estamos acostumados com um concerto atrás do outro, correria mesmo. Essa turnê no Brasil agente encara como férias. E quando perguntados qual a melhor banda que excurssionaram até hoje a resposta é rápida: “CRAMPS, em 96”. Eles são estranhos e isso é o dia inteiro. Eles não fingem aquela imagem, além disso, são as pessoas mais carinhosas e amigas que já conhecemos - nós amamos eles”. Lolapalooza, Guitar Wolf, Jon Spencer e Iggy Pop também fizeram parte da curta carreira da banda. “O Lolapalloza foi um saco, era sol o dia inteiro, mas podemos assistir bons shows como o do Tool”, diz Christine. “Com Jon foi demais, pela sua fama agente achava que ia ser sempre espancado todo dia por ele”(risos). 

Já com o Iggy “iguana” Pop, a baterista teve uma relação um pouco mais que profissional. “Ele não parava de me beijar, era encontrar ele que ele já ia enfiando aquela linguona na minha boca. Uma hora tive que ser mais dura e pedir para ele parar. Ele beija bem, apesar de cheirar muito mal”, suspira a simpática batera. Sobre o novo álbum – o sucessor do divertido TLA -  a banda diz já estar trabalhando e que não lançará o próximo CD pelo selo Matador. “Os caras da Matador nos jogavam no palco com bandas que não tinham nada a ver com o nosso som. Nada contra essas bandas mas...” Margareth completa: “eles queriam nos vestir roupas a lá glitter rock, com muitas plumas e paetês, nos transformar em pessoas que não somos. Mais ou menos o que aconteceu com os Makers”. 

O tempo passa. São Paulo às cinco da tarde. Com um trânsito infernal – novidade – a banda se atrasa pra passagem de som e não acredita no que vê: jornalistas de rádio, zines, Internet e a MTV que veio para uma exclusiva. “Nunca aparecemos na MTV, vai ser nosso debut” diz Margareth que depois de passar no hotel para os últimos retoques, já vestia um longuíssimo sobretudo de couro. Sem muito tempo pra conversa o D.D.R. aceita um pedido e toca “I’ll Be Your Mirror” do Velvet. A passagem é rápida e logo após sobe para seu aquecimento no palco a banda carioca Autoramas, que ficou com a tarefa de esquentar a galera antes dos americanos. 

O show tem início com a performance insana de Danny e Margareth em cima do palco e talvez performances mais insanas ainda de quem olhava petrificado debaixo dele. No meio dele os adesivos que costumam cobrir os peitões de Mag não suportam o calor que fazia na casa e caem para deleite da marmanjada que babava. Deleite maior seria descobrir que ela só vestia uma meia calça transparente e sua guitarra cobrindo quase nada. “A mina tá pelada”, grita um desconhecido. E talvez esteja aí um dos pontos principais da banda: a pouca roupa que se apresentam no palco. Margareth, tem a sua teoria: “Eu sou tão pequenininha e tenho os peitões tão grandes que nunca achava uma roupa adequada pra mim. Mesmo quando não estava no D. D.R. eu já andava quase pelada. 

Pergunto se ela nunca passou por nenhuma situação mais delicada: “Quando estávamos abrindo pro Jon Spencer um garoto puxou meus adesivos dos peitos e eu fui que nem uma louca atrás dele. A galera pensou que eu ia ficar puta e espancar o moleque, mas eu só dei umas palmadinhas nele, sem problema. Quando voltei a subir no palco a galera começou a pular e gritar muito, na hora pensei que Jon tinha subido no palco, mas era pra mim mesmo todos os apupos. Quando se está no palco suando pra cassete, muita roupa, maquiagem e plumas não tem nada a ver”. A galera agradece.