John Coltrane é que é rock and roll

Por Marcelo Orozco
07/06/01

Belo dia desses, me enchi o saco de tentar saber qual a grande coisa indie que saía no Reino Unido ou qual a próxima onda e qual a próxima não sei o quê. Finalmente fui dominado por uma sensação que vinha crescendo de que a gente do rock/pop sai disparando nomes apenas para parecer que sabe o que está acontecendo, mas é apenas algo pêgo de rabo de olho em leitura dinâmica num semanário inglês, numa revista americana ou num site. E aí saímos repetindo. Papagaio!

A partir desse tal belo dia desses, pedi pro motorista parar que eu ia descer fora do ponto mesmo. Não queria ir atrás de indies resistentes ou de DJs eletrônicos que usam seus computadores para reciclar todas as gravações antigas TOCADAS POR PESSOAS e misturar um beat e vender como moderno e alternativo. Alternative to what?

O que eu posso dizer e o que posso recomendar não é um quilo e 300 gramas de nomes de bandas novas das quais você nunca ouviu falar e, daqui a 6 meses, pode ser que nunca mais ouça falar. O que posso dizer é pra procurar seu próprio som. Indicações valem, mas não imposições. Pense e busque o que você gosta. Hoje, era do CD, internet e mp3, está muito mais fácil. Não importa a época em que a música foi feita. Importa se ela é boa.

No meu caso, meu saco cheio me levou a John Coltrane e jazz. Xii, cadê a guitarra, cadê o rock?
Pois é, cadê?

Está lá, amigos, o som está lá, a atitude ao pegar um instrumento para executar está lá, muito mais que em 90% das novidades que o New Musical Express nos jura que é a próxima onda.

Peguemos Coltrane. Para quem está no mundo rock, a imagem do jazz passa mesmo uma coisa de esnobismo, de chatice. Elimine isso. Nem precisa ser com jazz ou com Coltrane. Se você gosta de um tipo de música, este é seu Coltrane. O meu Coltrane é o próprio Coltrane, por isso vou usá-lo como exemplo.

São inúmeras as bandas atuais e de tempos recentes (80's & 90's) que advogam e idolatram e citam pelo menos duas bandas dos anos 60, Velvet Underground (do Lou Reed) e  Byrds.

Hoje, sem perceber, a gente se fecha a coisas que não estão no nosso terreninho de compreensão apesar do acesso à informação ser MUITO maior e mais imediato que em qualquer outra época. Mas, nos 60's, Velvet e Byrds estavam com ouvidos atentos e abertos pra tudo, apesar de baterem pé que faziam rock. E faziam mesmo.

Nosso amigo Coltrane tinha uma abordagem catártica, espiritual, um desabafo via saxofone. Ouvindo com a devida atenção e interesse, ele era um guitarrista com outro instrumento. Tudo que sempre quisemos em guitarras (ataque, ruído, lirismo, emoção) Coltrane fazia. No sax.

O velvetiano Lou Reed, um roqueiro de 3 acordes da melhor estirpe minimalista, já soltou que buscou a distorção para sua guitarra para fazê-la soar contínua como um sax, mais especificamente o de Coltrane.

O byrdiano Roger McGuinn confessa desde sempre que seu trabalho de guitarra, trincado, expressivo e perfeito, em Eight Miles High era totalmente calcado no que Coltrane buscava com seu sax.

Perda de tempo citar nomes de quem está aí hoje porque foi inspirado por Velvet e Byrds. E, por tabela, são inspirados por John Coltrane. Um homem de jazz, essa palavrinha tabu.

Tudo uma questão de abrir ouvidos. Em vez de ruminar pessimismos (eu sei, às vezes é legal e dá status bancar o descontente e dizer que nada de novo aparece e que o rock morreu - é legal promover o caos pra parecer profeta), vamos caçar o que vale a pena. Mesmo que tenha sido feito antes de você ou seus pais terem nascido. Ou mesmo que seja feito exatamente agora. Mas ser moderno não basta se você não sabe que trem passou antes do seu. E se você não sabe que carvão botar na locomotiva, mesmo que seja piloto de trem-bala.

Conheça. Não faz mal e não tem efeitos colaterais. Apenas saiba o que você vai buscar.