A última
banda que realmente importava
por
Marcelo Silva Costa
Houve
um tempo em que o próprio rock deu um basta nas megalomanias dos
popstars. Nesse tempo havia mais raiva que medo, havia mais atitude que
dinheiro, havia mais verdade que fantasia, e qualquer garoto podia montar
sua própria banda, mesmo que não soubesse tocar nada. A trilha
musical eram canções que não passavam de três
minutos, não tinham mais que três acordes e gritavam contra
o sistema ou falavam da dureza e do barato de ser jovem.
Nesse cenário niilista, suicida,
eles eram “a porta voz da esquerda radical do rock”, “a única banda
que realmente importava”, transformando simples canções em
manifestos políticos, em sonhos buscando realização.
Cada centavo gasto em um show por um fã era retribuído, por
estes guerrilheiros que empunhavam instrumentos ao invés de armas,
com doses cavalares de energia, entrega, como se aquele fosse o último
show, para o público e para eles mesmos. Uma olhada no backstage
pós apresentação parecia com o fim do mundo, mas todo
mundo sorria.
Quase vinte anos depois o cenário
é outro. O capitalismo venceu e prosperou e depois daquela que era
“a única banda que realmente importava” apareceram mais umas duas
ou três esbanjando carisma e sinceridade na cara do establishment
vigente. Mas nenhuma delas conseguiu exprimir com tanta atitude e consciência,
e força, o que o The Clash conseguiu.
Seguindo uma linha político/musical evolutiva, que já cheirava
a pós punk, Jones, Strummer, Simonon e Headon foram a banda certa,
na hora certa, no lugar certo.
“From here to eternity” é o
registro desse período. Ao vivo, recém lançado, é
histórico, magistral e, principalmente, retrato de uma época
que não volta mais. Cobrindo um período de shows de 1978
a 1982 (as fitas foram “achadas” quando da mudança de casa de Joe
Strummer, o vocalista) “From here to eternity” é uma aula de rock
and roll. A qualidade é excelente. Guitarras se cruzam, assim como
vocais e backing vocals, e tudo na maior zoeira, seguindo a cartilha do
que melhor o rock produziu até hoje, nos fazendo imaginar num pub
enfumaçado e dançando/pogando muito.
O repertório é clássico.
Complete control, com suas variações no andamento, London’s
Burning, zoeira total, Clash City Rockers, minha preferida, e Carrer Opportunities,
Capitol Radio, I fought the law, a apocalíptica London Calling e
versões apaixonadas para Train in Vain, (White Man) In Hammersmith
Palais e, claro, Should I stay or should I go. Além, aquela raiz
jamaicana que se agarra no ritmo de Guns of Brixton, Armagideon Time e
na chapante The Magnificent Seven. No final, Strainght to Hell, hipnotizante.
A magia que o Clash transmitia surgia
do princípio básico de serem caras como a gente, no limite
da incerteza, lutando contra o mundo. Essa luta rendeu uma excelente discografia
cujo ponto alto é o duplo London Calling, um dos discos mais incendiários
de todos os tempos. Esse ao vivo, se não serve para colocar as coisas
no lugar – a molecada ainda vai continuar achando que Green Day é
a banda mais original do mundo – serve pelo menos para nos fazer voltar
no tempo e alimentarmos esperanças para o futuro, afinal, como muita
gente não esperava ver um filme tão animal quanto Matrix,
vá lá que de repente alguns moleques se juntem munidos de
sinceridade, canções inspiradas e força para incomodar
o sistema. Da última vez que isso aconteceu, uma bala na cabeça
sepultou os planos no parto. Quem serão os próximos ? Existirão
próximos ?
From here to eternity é nota
dez, quatro estrelas, e também é nostalgia pura. O mundo
nunca mais será como em 77. E o mundo, possivelmente, nunca mais
terá uma banda como o The Clash, a maior banda de todos os tempos.
A última banda que realmente
importava.
Marcelo,
29, é editor do zine Scream & Yell e acha que está ficando
velho, mas anda viciado em Mogwai. |