Carta aberta a Roberto Carlos
de Fábio Sooner
fabio.henrique@petrobras.com.br

Caro Rei, 

Sabe, as notícias sobre a gravação de um Acústico seu para a MTV, de início, foram um choque. Lembro bem de como tomei contato inicial com seu trabalho: pelos tradicionais especiais de fim de ano na Globo. Dê um desconto, são apenas 27 anos de vida - metade vividos em uma casa onde não havia nem mesmo um toca-discos que funcionasse, quanto mais álbuns seus, antigos ou não. Como todo jovem buscando afirmação, meu negócio era rock n' roll, e música romântica existia pra ser execrada. Por sorte a gente cresce e descobre que nem tudo é o que parece, ou o que tentam empulhar para a gente. Um pouco mais de interesse genuíno e pimba, estou eu na faculdade fascinado com Roberto Carlos Canta Para a Juventude e Em Ritmo de Aventura. Fechando o ciclo, foi com muito prazer que constatei o resgate de boa parte das suas velhas canções entre o repertório do citado Acústico. 

Não sei bem porquê, essa história toda me fez refletir. Nos últimos dez anos, não faltaram reverências a seu trabalho - e em boa parte delas, feitas por gente que, como eu, não tem idade para ter curtido os seus tempos de jovem guarda in loco, apenas por osmose. Imagino que deva ter ouvido as versões do álbum-tributo Rei, e que não deva ter chegado a seu conhecimento todos os outros artistas ainda desconhecidos que o regravaram ou citaram, da banda paulistana instrumental Sala Especial ao escracho rock da paraibana Flávio Cavalcanti. Todas, sem exceção, usaram como fonte o período do seu trabalho entre a jovem guarda e a primeira metade dos anos 70. Curioso. 

Depois dessa fase, foram quase vinte anos em que sua carreira se consolidou junto ao povão e sua voz inigualável manteve o título que lhe cabe, o de Rei. Sucessos em seguida, uma vida calma após todas as turbulências... Imagino que em um estado de graça como esse, pouco importava que críticos saudosistas exigissem mais ousadia de sua parte. Até o ano passado. 

Acompanhei com muita tristeza a perda que lhe acometeu. Tive namoradas e vivo muito feliz ao lado de alguém que amo, e pouco me importa se isso soa brega. Não tenho o direito de imaginar o que representou Maria Rita em sua vida, mas uma coisa posso, do alto da minha pouca experiência, compartilhar com você (se me permite a intimidade e a pretensão): a falta de rumo que se segue à perda de um grande amor é mesmo difícil de superar. E sempre acreditei que a única forma de passar por cima é com muito, muito trabalho. 

Por isso, fiquei muito feliz com a sua decisão de ir buscar um novo rumo em um trabalho para uma emissora voltada aos mesmos jovens que tanto lhe reverenciaram recentemente - e que de resto também adora resgatar o mesmo período do seu trabalho, seja em vinhetas, seja em seus próprios programas. Tenho acompanhado com muito interesse tudo que sai sobre as negociações entre MTV e Globo a respeito do lançamento e teledifusão do especial que gravou, tenho certeza, com muito carinho e apuro. 

Roberto Carlos é um artista que não precisa provar mais nada, e por isso mesmo muito me surpreende que sua carreira esteja ainda atrelada a uma emissora poderosa que se dá ao direito de o tolhir, e tolhir os fãs, de ouvir e assistir à vontade o mais recente trabalho de seu ídolo. Por isso, venho aqui atestar o que mais gostaria, como fã, de ver acontecer nesse caso: Roberto Carlos fazer o que quiser, da forma que quiser, como bem entender. E, depois de tanta coisa conquistada, conseguir o maior dos prêmios, um fecho de ouro: surpreender todo mundo de novo. 

Se me permite, já se perguntou porque o que fascina tantos jovens atuais é justamente seu trabalho mais antigo? Será que não estaria na hora de Roberto Carlos retomar os fios soltos daquela época e mostrar aos que beberam naquela fonte quem é que realmente sabe como conquistar a admiração de jovens de todas as classes sociais com tanta animação, simplicidade e ousadia? Será que, agora que Roberto Carlos teve tudo o que poderia ter e até mesmo foi ungido com a dor da perda, não é a hora de mostrar o quanto está de bem com seu passado e resgatá-lo? 

Desculpe a pretensão palpiteira de fã. Ela aparece em quem se importa, e acredita que o rei Roberto ainda está em tempo de fazer discos que, além da aceitação popular, poderão ser aclamados por todos que sempre o admiraram, não importa a fase nem a profissão - sejam os fãs novos e antigos, críticos birrentos ou executivos de emissoras de tevê. 

Está na hora do rei assumir o trono de novo. 

Um abraço e muita luz, 

Fábio Sooner, 27, é editor do site Pastilhas Coloridas.