Mônica e Eduardo
Por Adolar Gangorra 18/05/01
Esse
texto é uma análise comportamental crítica
sobre Eduardo e Mônica (aquela música que
todo mundo tem obrigação de tocar em churrascos,
ao lado de Wish You Were Here, Stairway to Heaven, etc
....) A música Eduardo e Monica da banda Legião
Urbana esconderia uma implicância com o sexo masculino?
É o que garante Adolar Gangorra. Leia e confira.
O
falecido Renato Russo era, sem dúvida, um ótimo
músico e um excelente letrista. Escreveu verdadeiras
obras de arte cheias de originalidade e sentimento. Como artista
engajado que era, defendia veementemente seus pontos de vista
nas letras que criava. E por isso mesmo, talvez algumas
delas excedam a lógica e o bom senso.
Como no caso da música Eduardo e Monica, do álbum
Dois da Legião Urbana, de 1986, onde a figura
masculina (Eduardo) é tratada sempre como alienada e
inconsciente enquanto a feminina (Monica) é a portadora
de uma sabedoria e um estilo de vida evoluidíssimos.
Analisemos o que diz a letra. Logo na segunda estrofe, o autor
insinua que Eduardo seja preguiçoso e indolente ("Eduardo
abriu os olhos mas não quis se levantar; Ficou deitado
e viu que horas eram") ao mesmo tempo que tentar dar uma
imagem forte e charmosa à Monica ("enquanto Monica
tomava um conhaque noutro canto da cidade como eles disseram").
Ora, se esta cena tiver se passado de manhã, como é
provável, Eduardo só estaria fazendo sua obrigação:
acordar. Já Mônica revelaria-se uma cachaceira
profissional, pois virar um conhaque antes do almoço
é só para quem conhece muito bem o ofício.
Mais à frente, vemos Russo desenhar injustamente a personalidade
de Eduardo de maneira frágil e imatura ("Festa estranha,
com gente esquisita..."). Bom, "Festa Estranha" significa
uma reunião de porra-loucas atrás de qualquer
bagulho para poder fugir da realidade com a desculpa esfarrapada
de que são contra o sistema. "Gente esquisita" é,
basicamente, um bando de sujeitos que têm o hábito
gozado de dar a bunda após cinco minutos de conversa.
Também são as garotas mais horrorosas da Via-Láctea.
Enfim, esta era a tal "festa legal" em que Eduardo estava. O
que mais ele podia fazer? Teve que encher a cara pra agüentar
aquele pesadelo, como veremos a seguir.
Assim temos ("- Eu não estou legal. Não agüento
mais birita"). Percebe-se que o jovem Eduardo não
está familiarizado com a rotina traiçoeira do
álcool. É um garoto puro e inocente, com a mente
e o corpo sadios. Bem ao contrário de Monica, uma notória
bêbada sem-vergonha do underground. Adiante, ficamos conhecendo
o momento em que os dois protagonistas se encontraram ("E
a Monica riu e quis saber um pouco mais Sobre o boyzinho que
tentava impressionar"). Vamos por partes: em "E a Monica
riu" nota-se uma atitude de pseudo-superioridade desumana
de Monica para com Eduardo. Ela, bêbada inveterada, ri
de um bêbado inexperiente!
Mais à frente, é bom esclarecer o que o autor
preferiu maquiar. Onde lê-se "quis saber um pouco mais"
leia-se "quis dar para"! É muita hipocrisia tentar
passar uma imagem sofisticada da tal Monica. A verdade é
que ela se sentiu bastante atraída pelo "boyzinho que
tentava impressionar"! É o máximo do preconceito
leviano se referir ao singelo Eduardo como "boyzinho"... Não
é verdade. Caso fosse realmente um playboy, ele não
teria ido se encontrar com Monica de bicicleta, como consta
na quarta estrofe ("Se encontraram então no parque
da cidade A Monica de moto e o Eduardo de camelo"). A não
ser que o Eduardo fosse um beduíno, e estivesse realmente
de camelo, mas ainda nesse caso não seria um "boyzinho".
Se alguém aí age como boy, esta seria Monica,
que vai ao encontro pilotando uma ameaçadora motocicleta.
Como é sabido, aos 16 ("Ela era de Leão e
ele tinha dezesseis") todo boyzinho já costuma roubar
o carro do pai, principalmente para impressionar uma maria-gasolina
como Monica.
E tem mais: se Eduardo fosse mesmo um playboy, teria penetrado
com sua galera na tal festa, quebraria tudo e ia encher de porrada
o esquisitão mais fraquinho de todos na frente de todo
mundo, valeu? Na ocasião do seu primeiro encontro, vemos
Monica impor suas preferências, uma constante durante
toda a letra, em oposição a uma humilde proposta
do afável Eduardo ("O Eduardo sugeriu uma lanchonete,
mas a Monica queria ver um filme do Godard"). Atitude esta
nada democrática para quem se julga uma liberal. Na verdade,
Monica é o que se convencionou chamar de P.I.M.B.A (Pseudo
Intelectual Metido à Besta e Associados, ou seja, intelectuerdas,
alternativos, cabeças e viadinhos vestidos de preto,
em geral), que acham que todo filme americano é ruim
e o que é bom mesmo é filme europeu, de preferência
francês, preto e branco, arrastado pra caralho e com muitas
cenas de baitolagem.
Em seguida Russo utiliza o eufemismo "menina" para se referir
suavemente à Monica ("O Eduardo achou estranho e
melhor não comentar, mas a menina tinha tinta no cabelo").
Menina? Pudim de cachaça seria mais adequado. À
pouco vimos Monica virar um Dreher na goela logo no café
da manhã e ele ainda a chama de menina? Note que Russo
informa a idade de Eduardo, mas propositadamente omite a de
Monica. Além disto, se Monica pinta o cabelo é
porque é uma balzaca querendo fisgar um garotão
viril ou porque é uma baranga escrota mesmo.
O autor insiste em retratar Monica como uma gênia sem
par. ("Ela fazia Medicina e falava alemão")
e Eduardo como um idiota retardado ("E ele ainda nas aulinhas
de inglês"). Note a comparação de intelecto
entre o casal: ela domina o idioma germânico, sabidamente
de difícil aprendizado, já tendo superado o vestibular
altamente concorrido para medicina. Ele, miseravelmente, tem
que tomar aulas para poder balbuciar "iéis", "nou" e
"mai neime is Eduardo"! Incomoda como são usadas as palavras
"ainda" e "aulinhas", para refletir idéias de atraso
intelectual e coisa sem valor, respectivamente. Coitado do Eduardo,
é um jumento mesmo...
Na seqüência, ficamos a par das opções
culturais dos dois ("Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus,
Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud"). Temos
nesta lista um desfile de ícones dos P.I.M.B.As, muito
usados por quem acha que pertence a uma falsa elite cultural.
Por exemplo, é tamanha uma pretensa intimidade com o
poeta Manuel de Souza Carneiro Bandeira Filho, que usou-se a
expressão "do Bandeira". Francamente, "Bandeira" é
aquele juiz que fica apitando impedimento na lateral do campo.
O sujeito mais normal dessa moçada aí, cortou
a orelha por causa de uma sirigaita qualquer. Já viu
o nível, né? Só porra-louca de primeira.
Tem um outro peroba aí que tem coragem de rimar "Êta"
com "Tiêta" e neguinho ainda diz que ele é gênio!
Mais uma vez insinua-se que Eduardo seja um imbecil acéfalo
("E o Eduardo gostava de novela") e crianção
("E jogava futebol de botão com seu avô").
A bem da verdade, Eduardo é um exemplo. Que adolescente
de hoje costuma dar atenção a um idoso? Ele poderia
estar jogando videogame com garotos de sua idade ou tentando
espiar a empregada tomar banho pelo buraco da fechadura, mas
não. Preferia a companhia do avô em um prosaico
jogo de botões! É de tocar o coração.
E como esse gesto magnânimo foi usado na letra? Foi só
para passar a imagem de Eduardo como um paspalho energúmeno.
É óbvio, para o autor, o homem não sabe
de nada. Mulher sim, é maturidade pura.
Continuando, temos ("Ela falava coisas sobre o Planalto
Central, também magia e meditação").
Falava merda, isso sim! Nesses assuntos esotéricos é
onde se escondem os maiores picaretas do mundo. Qualquer chimpanzé
lobotomizado pode grunhir qualquer absurdo que ninguém
vai contestar. Por que? Porque não se pode provar absolutamente
nada ... Vale tudo! É o samba do crioulo doido. E quem
foi cair nessa conversa mole jogada por Monica? Eduardo é
claro, o bem intencionado de plantão. E ainda temos mais
um achincalhe ao garoto ("E o Eduardo ainda estava no esquema
"escola - cinema - clube - televisão"). O que o Sr. Russo
queria? Que o esquema fosse "bar da esquina - terreiro de macumba
- sauna gay - delegacia"?? E qual é o problema de se
ir a escola, caramba?!?
Em seguida, já se nota que Eduardo está dominado
pela cultura imposta por Monica ("Eduardo e Monica fizeram
natação, fotografia, teatro, artesanato e foram
viajar"). Por ordem: 1) Teatro e artesanato não
costumam pagar muito imposto. 2) Teatro e artesanato não
são lá as coisas mais úteis do mundo. 3)
Quer saber? Teatro e artesanato é coisa de viado!!!
Agora temos os versos mais cretinos de toda a letra ("A
Monica explicava pro Eduardo Coisas sobre o céu, a terra,
a água e o ar"). Mais uma vez, aquela lengalenga
esotérica que não leva a lugar algum. Vejamos:
Monica trabalha na previsão do tempo? Não. Monica
é geóloga? Não. Monica é professora
de química? Não. Mônica é alguma
aviadora? Também não. Então que diabos
uma motoqueira transviada pode ensinar sobre céu, terra,
água e ar que uma muriçoca não saiba? Novamente,
Eduardo é retratado como um debilóide pueril capaz
de comprar alegremente a Torre Eiffel após ser convencido
deste grande negócio pelo caô mais furado do mundo.
Santa inocência ...
Ainda em "Ele aprendeu a beber", não precisa
ser muito esperto pra sacar com quem... é claro, com
Monica, a campeã do alambique! Eduardo poderia ter aprendido
coisas mais úteis como o código morse ou as capitais
da Europa, mas não. Acharam melhor ensinar para o rapaz
como encher a cara de pinga. Muito bem, Monica! Grande contribuição!
Depois, temos "deixou o cabelo crescer". Pobre Eduardo.
Àquela altura, estava crente que deixar crescer o cabelo
o diferenciaria dos outros na sociedade. Isso sim é que
é ativismo pessoal. Já dá pra ver aí
o estrago causado por Monica na cabeça do iludido Eduardo.
Sempre à frente em tudo, Monica se forma quando Eduardo,
o eterno micróbio, consegue entrar na universidade ("E
ela se formou no mesmo mês em que ele passou no vestibular").
Por esse ritmo, quando Eduardo conseguir o diploma, Monica deverá
estar ganhando o seu prêmio Nobel. Outra prova da parcialidade
do autor está em ("porque o filhinho do Eduardo tá
de recuperação"). É interessante notar
que é o filho do Eduardo e não de Monica, que
ficou de segunda época. Em suma, puxou ao pai e é
burro que nem uma porta.
O que realmente impressiona nesta letra é a presença
constante de um sexismo estereotipado. O homem é retratado
como sendo um simplório alienado que só é
salvo de uma vida medíocre e previsível graças
a uma mulher naturalmente evoluída e oriunda de uma cultura
alternativa redentora. Nesta visão está incutida
a idéia absurda que o feminino é superior e o
masculino, inferior. Bem típico de algum recalque homossexual
do autor, talvez magoado com a natureza masculina. É
sabido que em todas culturas e povos existentes, o homem sempre
oprimiu amulher. Porém, isso não significa, em
hipótese alguma, que estas sejam melhores que os homens.
São apenas diferentes. Se desde o começo dos tempos
o sexo feminino fosse o dominador e o masculino o subjugado,
os mesmos erros teriam sido cometidos de uma maneira ou de outra.
Por quê? Ora, porque tanto homens, mulheres e colunistas
sociais fazem parte da famigerada raça humana. E é
aí que sempre morou o perigo. Não importa que
seja Eduardo, Mônica ou até... Renato!
Adolar Gangorra tem 71 anos,
é editor do periódico humorístico Os Reis da Gambiarra e não
perde um show sequer dos The Fevers.
Nota do Editor: Este texto caiu em minhas mãos em 1999. A
idéia seria publicá-lo na versão "on
paper" do S&Y, a sétima. Porém, era um
texto muito extenso para uma publicação em papel,
e ficou guardado. Na época, chegamos a tentar contatar
o autor, sem sucesso. O texto ficou guardado, até que
surgiu a oportunidade de publicá-lo aqui, na versão
online. Novamente foi tentado um contato com o autor, sem sucesso.
Mesmo assim, decidimos publicar o texto em maio de 2001, tal
qual recebemos, dando crédito ao autor, e mantendo sua
assinatura no fim. Cerca de dois anos depois, Adolar nos procurou,
agradeceu a publicação, o crédito, e disse
que iria mandar mais material, mas acabou não mandando.
Um tempo atrás, o amigo Alexandre Inagaki - que tocava
o Spam Zine, e agora distribui pérolas de sabedoria em
seu blog, o "Pensar Enlouquece, Pense Nisto" - comentou
sobre "Monica e Eduardo", o que rendeu novas leituras.
Assim, aproveitando a fase de textos antológicos publicados
nos cinco anos do S&Y em sua versão online, nada
melhor do que destacar esse pequeno tratado comportamental sobre
um dos grandes sucessos da Legião Urbana. Mais uma vez:
obrigado Adolar. E valeu Inagaki. Abraços. Marcelo Costa
- 29/03/05
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