Bandidos
Folclóricos Futebol Rock
Tudo o que
você sempre quis saber sobre os "jogadores-problemas"
por
Juliano Costa
Rob Fleming institucionalizou o ato
de fazer listas – todo mundo fazia, lia, relia, rabiscava e, dificilmente,
mostrava pra alguém, por “vergonha” do conteúdo dessas listas
ou simplesmente por não ter a quem mostrar. Fazer listas era algo
secreto, clandestino, que muitas vezes nem ia para o papel, ficando apenas
no “imaginário” de quem as elaborava.
Mas, graças a Fleming, não
há mais motivos para se agir como um pusilânime e não
divulgar suas listinhas por aí. Sim, agora que é moda – ou
foi, sei lá, sou meio tchongo pra esses assuntos de “o que está
pegando no momento” – fazer listas de melhores isso, maiores aquilo, também
quis publicar a minha.
Amante dos Beatles e dos Rolling Stones
(e do The Who, claro), assim como do Santos e da Portuguesa Santista (e
do Jabaquara, claro), tentei criar uma seleção apenas com
aquele tipo de futebolista tido como “problema”:
jogadores “estilosos”, folclóricos
e/ou bandidos – ou seja, atletas cujo caráter e as atitudes se assemelham
aos de um rockstar (caricato, obviamente), carismático e polêmico.
Jogadores como Heleno de Freitas
e Almir Pernambuquinho (ver comentário a seguir) podem até
soar como desconhecidos para a maioria dos leitores, mas foram idolatrados
por moleques, de 8 a 80 anos, em suas épocas e serviram de “inspiração”
aos Edmundos e Serginhos Chulapas da vida.
É inegável que esse
tipo de jogador, chato “cri-cri”, não desperte nenhum tipo de sentimento
em nós, amantes do futebol. Marcelinho Carioca, por exemplo.
Ou você o ama, ou você o odeia (meu caso é o segundo).
Trata-se de um mala, um sem-caráter, um cara que diz pregar a paz
no futebol, mas que, na prática, distribui soquinhos e chutinhos
nos adversários fora do lance da bola, ou seja, longe da visão
do árbitro. Mas como seriam (mais) chatos os jogos do Corinthians
se não houvesse ele ali, alfinetando (literalmente até) o
lateral-esquerdo do nosso time! – toda equipe que joga contra o Corinthians
é “nossa”, “do coração”.
Armada num esquema 4-3-3, com algumas
improvisações táticas de jogadores em posições
que não são exatamente as suas, essa equipe, se não
fosse uma grande papa-títulos, ao menos seria uma espécie
de lenda do futebol brasileiro, pois reuniria apenas jogadores que dificilmente
seriam tidos como “bons partidos” por mães severas e preocupadas
em relação ao futuro de suas filhas – se é que vocês
me entendem (entendem, claro que entendem).
E essa escalação, tal
qual uma lista feita à la Fleming, com certeza me causará
arrependimento no futuro: “puts, esqueci esse jogador!” e “puts, não
devia ter colocado aquele”. Mas, ao menos que me provem o contrário,
é uma delícia se arrepender com pequenas coisinhas que, pra
uns pode parecer bobagem, mas que, pra mim, significa bastante coisa (por
“bastante coisa” entenda-se hobby, passatempo, ou “amor” mesmo – quer dizer,
eu acho).
Bah! Já falei demais. Vamos
aos “eleitos”:
Defesa
No. 1- Ronaldo (goleiro, ex-Corinthians,
final da década de 80 até a metade da de 90): Roqueiro, largou
o futebol pra se dedicar à banda, a Ronaldo e os Impedidos. Com
costeletas à la Elvis e um cavanhaque à la sei lá
o quê (na verdade, a barbinha era pra camuflar o queixo à
la Jay Leno), Ronaldo era um show à parte, seja nas “pontes” cinematográficas,
seja nas brigas que arranjava dentro e fora de campo. Provocava a torcida
com gestos obscenos, fazia um ritual estranho em baixo das traves antes
de cada jogo e era mestre em fazer “cera”, tirando do sério os jogadores
adversários – rock até à alma.
No. 2 – Josimar (lateral-direito,
ex-Botafogo e Seleção Brasileira, década de 80): O
que dizer de um jogador que fez parte da Seleção da Fifa
na Copa de 86 e anos mais tarde foi preso na Amazônia por tráfico
de drogas? Feio como o Tião Macalé, chegado numa loira e
avesso a treinamentos, Josimar é o autor de dois dos mais lindos
gols da Copa do México, em 86: um tirambaço de fora da área
contra a Polônia e outro contra a Irlanda do Norte, no qual driblou
três adversários, entrou na área pela linha de fundo
e bateu cruzado, no ângulo. Inesquecível! Gastou tudo o que
ganhou no futebol com mulheres e bebidas (e outras coisas) e foi parar
no Amazonas, onde, depois de trabalhar “com vendas”, se reabilitou dos
problemas do vício (ou não) e montou uma escolinha de futebol
(novidade!).
No. 3 – Junior Baiano (já
jogou no Flamengo, no São Paulo, no Palmeiras, na Alemanha e agora
está no Vasco): Final da Copa João Havelange entre Vasco
e São Caetano. Jogando bem melhor que o time do ABC paulista, a
equipe de Eurico Miranda leva a melhor e vence por 3 a 1. Tudo certo, tudo
normal? Não. No exame anti-doping realizado após o jogo,
o desengonçado zagueiro Junior Baiano é pego por uso de cocaína.
E o que ele alega? “Alguém colocou isso na minha comida”, diz ele
com uma cara-de-pau semelhante a de um marido adúltero que chega
em casa com o colarinho da camisa manchado de batom e fedendo a perfume
feminino barato. Mas isso aí foi apenas o “ápice” de uma
carreira que inclui uma série de agressões físicas
a adversários, brigas com treinadores e um fiasco em uma Copa do
Mundo (de 98), além da famigerada acusação de embriaguez
que fez sobre o árbitro Oscar “unha-de-cavalo” Godói durante
um jogo do São Paulo. Afinal, polêmica pouca é bobagem.
No. 4 – Brito (zagueiro do
Botafogo e da Seleção Brasileira, décadas de 60 e
70): Num time cheio de Johns, Pauls e Georges, este era o nosso Ringo.
Brito, zagueiro do estilo “cada enxadada uma minhoca”, é um sortudo:
fez parte, como titular, da Seleção do Tri, aquela que tinha
Pelé, Tostão, Rivelino e Jairzinho, entre outros. Forte como
um touro e rápido como uma vaca prenhe, Brito “Pancada” era uma
espécie de beque-de-fazenda, desses que são capazes de derrubar
um atacante adversário apenas com uma baforada (se bem que ele preferia
derrubá-los do modo convencional, ou seja, “passando o rodo” mesmo).
Se fosse colocado ao lado de um Márcio Rossini, de um Argel, de
um Claudiomiro, o responsável pelo time, com certeza, seria preso
por formação de quadrilha.
No. 6 – Válber (zagueiro/líbero/lateral-esquerdo
do São Paulo na conquista do Bi-Mundial, em 92 e 93): Esse era sacana!
Improvisado aqui em nossa seleção como lateral-esquerdo,
posição na qual atuou em começo de carreira, Válber
fazia o estilo carioca-malandro-que-chega-montando-banca-de-fudidão-pra-cima-dos-paulistas.
E, durante os anos de glória do São Paulo, até conseguiu
certo sucesso, chegando, inclusive, à Seleção Brasileira
(a do Falcão, é verdade...). Em pleno inverno paulistano,
em dia de treino, pegava as coisas e sumia – só era visto dias mais
tarde em alguma praia da zona sul carioca, jogando futevôlei e enchendo
o rabo de cerveja. Em campo, aliou certa técnica a muita pancadaria
e confusão, sendo uma espécie de “rei” dos cartões
amarelos (era impressionante o fato de que sempre que havia um jogo do
São Paulo em algum lugar afastado, como Araraquara ou Bolívia,
ele recebia o terceiro cartão amarelo no jogo anterior e era suspenso,
impedido de jogar essas partidas).
Meio-Campo
No.
5 – Gérson (Meia, ex-Botafogo e São Paulo nas décadas
de 60 e 70, respectivamente): Dono de uma perna esquerda que é “brincadeira”,
capaz de fazer lançamentos precisos de mais de 50 metros, Gérson
foi um dos cérebros da já citada seleção de
70. Fora de campo, foi um fumante inveterado, garoto-propaganda dos cigarros
estoura-peito Continental (não sei se da versão com ou sem
filtro) e ‘criador’ da chamada Lei de Gérson, aquela que reza que
“todo brasileiro quer levar vantagem em tudo” e “o importante é
se dar bem”. Outro carioca malandro, da gema, o Canhotinha de Ouro foi,
sem dúvida, o jogador que mais soube usar e abusar da malícia
e da esperteza nos gramados brasileiros em todos os tempos. Folclórico,
fazia o estilo que não levava desaforo pra casa, “tá ceeerrto?”.
No. 8 – Almir Pernambuquinho
(Meia, ex-Santos e Flamengo na década de 60): Esse merece um livro!
Reserva de Pelé no Santos, Almir entrou no lugar do Rei, que estava
machucado, nos jogos finais do Mundial Interclubes contra o Milan, em 63,
sendo responsável direto pelo título santista. Enfezadinho,
este cabra da peste foi responsável por uma das cenas mais comentadas
e menos vistas do futebol brasileiro: na final do Carioca de 66, entre
Flamengo e Bangu, este vencia o rubro-negro por 3 a 0 e caminhava tranqüilamente
para o título, quando, aos 35 do segundo tempo, Almir não
suportou os passes laterais e o coro de olé da (pequeníssima)
torcida do Bangu e explodiu em ira. Agrediu todos os jogadores adversários
que “alcançou”, já que estes se puseram a correr pelo gramado
numa espécie de “volta olímpica antecipada e involuntária”.
Morreu assassinado poucos anos depois de pendurar as chuteiras, numa briga
de bar, no Rio. Sinistro, não?
No.
10 – Edmundo (Ex-Vasco, Flamengo, Palmeiras, Corinthians, Santos,
Fiorentina e, atualmente, no Napoli, da Itália): Improvisado em
nosso meio-campo, é, com certeza, o jogador contemporâneo
mais polêmico. O bad boy Edmundo causa confusão por onde passa.
Ainda juvenil, foi expulso do Botafogo por desfilar pelado pelo alojamento
de atletas. No Vasco, clube que o revelou, já distribuía
sopapos. Foi para o Palmeiras e alcançou a fama: detonou uma batalha
campal em um jogo contra o São Paulo, agrediu um juiz na Bahia,
derrubou um câmeraman e destruiu seu equipamento no Equador, brigou
com colegas de time (o “sem-caráter” Antônio Carlos), etc.
Do Verdão, foi pro Flamengo, onde formou o suposto “ataque dos sonhos”,
com Sávio e Romário. Só que aí discutiu feio
com este último, brigou com o técnico e se envolveu num acidente
de carro, que resultou na morte de uma pessoa. Daí veio pro Corinthians,
onde foi um verdadeiro fiasco. Voltou pro Vasco, ganhou um título
brasileiro praticamente sozinho e saiu vendido pra Itália. Lá,
conseguiu um certo destaque na Fiorentina, mas teve seu contrato rescindido
após deixar a equipe para pular um carnaval (de 15 dias) no Rio
de Janeiro. Veio pra onde? Pro Vasco. Aí brigou com o mafioso Eumilionário
Miranda e foi parar no Santos, onde ganhava um salário de marajá
e trabalhava como tal. Agora, está de volta na Itália, onde,
até o que se sabe, ainda não arranjou problema, mas também
não ajudou sua equipe, o Napoli, a sair da zona de rebaixamento.
Esse é Edmundo Bad Boy!
Ataque
No. 7 – Garrincha (ponta-direita,
ex-Botafogo e alguns times pequenos, como Olaria e Corinthians, já
no final da carreira): Esse já teve seu livro (Estrela Solitária,
Ruy Castro). Aliás, com o perdão da palavra, um puta livro!
(ah, o Ruy...ele, sempre ele). Nascido na cidade fluminense de Pau Grande
(o nome é esse mesmo), Garrincha, tal qual o pássaro que
deu origem a seu apelido, era de uma velocidade e uma astúcia impressionantes.
Num primeiro momento, o defeito físico das pernas absurdamente tortas
provocava gargalhadas nos adversários (que, para ele, eram todos
do Bonsucesso, um pequeno time do subúrbio carioca e saco de pancadas
dos clubes grandes). Mas bastava a bola rolar para os risos mudarem de
donos – com dribles secos e rápidos, o Mané foi a alegria
do povo. Humilde até à medula, Garrincha é protagonista
de uma série de anedotas. Uma delas, acontecida durante a Copa da
Suécia, em 58, reza que o Mané, ao comprar um moderno rádio
sueco por um valor x, foi aconselhado por um colega de time a vender o
aparelho, já que este “não falava português”. Desapontado,
Garrincha vendeu o rádio ao condolente amigo, que pagou uma quantia
simbólica pelo aparelho que havia custado uma fortuna e que, claro,
funcionaria perfeitamente no Brasil. Casou-se com a cantora Elza Soares,
famosíssima na época, e teve uma meia dúzia de filhos
(não todos com ela, claro). Alcoólatra inveterado, Garrincha
morreu de cirrose, por volta dos 45 anos de idade, paupérrimo, graças
aos maus contratos que assinou e ao vício da bebida.
No.
9 – Serginho Chulapa (centroavante nas décadas de 70 e 80,
ex-São Paulo, Santos e Corinthians, além de alguns clubes
menores em fim de carreira): Tão irreverente quanto desengonçado
e goleador, Serginho é o que convencionamos chamar de “figuraça”
– um cara alegre, fanfarrão, patusco, mas, ao mesmo tempo, polêmico,
encrenqueiro e brigão. Ao passo de ser o maior artilheiro de todos
os tempos do São Paulo e responsável pela última grande
glória do Santos, o título paulista de 84, Chulapa foi o
pivô de várias confusões. Na mais famosa delas, agrediu
um bandeirinha durante um jogo do São Paulo, sendo suspenso e ficando
de fora da Copa de 78, na Argentina, quando, fatalmente, brilharia (estava
no auge da carreira). Jogou apenas a Copa da Espanha, em 82, atuando como
“matador” numa equipe repleta de craques, como Zico, Sócrates, Falcão
e Cerezo. Ah, não podemos esquecer também do clássico
chute na cabeça do tingido goleiro Leão, na final do Campeonato
Brasileiro de 81, quando este jogava pelo Grêmio, que acabou sendo
o campeão em cima do São Paulo. (nota do editor: ainda é
dele o recorde de suspensão no futebol brasileiro – 14 meses, pelo
tal chute no banderinha).
No. 11 – Heleno de Freitas
(atacante, ex-Botafogo na década de 40): esse, ao contrário
dos que merecem um livro, seria um bom personagem num filme-documentário-biográfico.
Heleno de Freitas foi o predecessor de todos os jogadores problemas, sendo,
no que poderíamos comparar com os jogadores de hoje em dia, um misto
de Edmundo e Romário: bonito, metido a galã, comeu as mais
bonitas cantoras e atrizes do rádio da época (estamos falando
dos anos 40). Com os cabelos engomados e envoltos por uma redinha, que
evitava que seu penteado fosse desmanchado pelo vento, além de um
bigodinho bem ralo, quase que imperceptível, despertava paixões
nas mulheres e inveja nos homens, que, impotentes perante o “talento” de
Heleno, caluniavam sobre sua verdadeira preferência sexual. Mas Heleno
era do tipo esquentadinho. Tão esquentado, mas tão esquentado,
que acabou ficando louco. Sim, louco! Maluco! Doido! Demente! Teve a carreira
interrompida quando estava no auge, sendo internado num manicômio,
onde morreu sozinho aos 39 anos de idade. Não me pergunte por quê,
mas isso é muito Rock n’Roll.
Juliano Costa,
20, é torcedor do Santos
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