Gente que não sabe ouvir, gente que não sabe ler
por
Marco Antonio Bart
mab@cliquemusic.com.br
20/07/2003
"(...) Me perguntam quase sempre
por que, na minha opinião, publicações de música
'não dão certo' no Brasil. (...) Consumir música e
consumir publicações que falem sobre música são
duas coisas inteiramente diferentes. (...) Esta é uma geração
(...) que não tem o hábito de leitura musical das gerações
anteriores – e aí me refiro tanto a ler a música em si, como
um 'trabalho' assinado/criado por alguém com uma história
pessoal e referências coletivas – quanto a ler sobre a música."
- Ana Maria Bahiana, no site Comunique-se.
"(...) Acho que estamos entrando
em uma era (de, talvez, 10 ou 15 anos) em que a música será
muito pouco importante para as pessoas. Isso é numérico.
As pessoas que compram discos hoje são as mesmas que compravam discos
em 1989: há uma lacuna geracional enorme acontecendo, o público
da MTV, da internet e da “Capricho”, que tem música o tempo todo
e para quem música não significa lhufas. (...) (Sobre o fim
da revista “Frente”): A culpa foi da gente, que foi incapaz de criar um
produto que centralizasse as aspirações de um número
de pessoas suficientemente grande para manter o título vivo e nosso
padrão de vida minimamente decente." - Ricardo Alexandre, em
entrevista ao site Observatorio
da Imprensa.
Você certamente ouviu falar,
há um tempo atrás, que a "Rolling Stone" iria ganhar uma
edição nacional. Ou, talvez, que a editora Abril ressuscitasse
a velha "Bizz". Deve ter ouvido que revistas como a "Play", a "Zero" ou
a "Frente" iriam inaugurar uma nova de jornalismo pop brazuca no terceiro
milênio.
Isso tudo foi pro saco.
Por que, hein? O futuro não
era tão promissor para nossas revistas de música? Onde elas
estão? Por que elas não saem da fase de planejamento (às
vezes, nem sequer da cabeça dos seus idealizadores)? Por que, quando
viram realidade, tem tanta dificuldade em se manter? E por que elas fecham
tão rapidamente?
Ao ler, na mesma semana, os textos
cujos excertos abrem estas linhas, andei elaborando algumas considerações
sobre o assunto.
Juntando as duas leituras – assinadas
por autores com competência insuspeita e experiência pessoal
no assunto – cheguei à conclusão de que NÃO VAI HAVER
renascença no mercado de revistas de música no Brasil. Ponto
final.
Simplesmente porque, citando outro
trecho da entrevista do Ricardo, "o público da Frente (que era uma
revista de bandas novas, de molecada mesmo) tinha a maioria de seus leitores
com mais de 25, 30, às vezes de até 40 anos. (...) Superestimamos
o número de pessoas como nós no Brasil – uma ilusão
que a internet cria, como num jogo de espelhos: no fim, tínhamos
a certeza de que muito mais pessoas reclamavam de uma coisa ou outra do
que realmente comprava a revista."
Na minha cabeça, o negócio
é o seguinte: existe sim um número respeitável de
pessoas que compraria fielmente uma boa revista de rock, mas esse número
não interessa a uma editora grande. E uma editora pequena (ou uma
revista independente) não tem como se bancar para chegar, com qualidade,
a esse número respeitável de pessoas.
As deliberações sobre
downloads, MTV, MP3, etc. como novos componentes na cabeça do público
são, a meu ver, secundários. A verdade é que as revistas
não emplacam porque quem ouve música no Brasil – ou seja,
o público alvo fundamental de uma publicação desse
tipo - não lê. Acho mesmo que 99% dessa galera sequer gosta,
REALMENTE, de música.
Porque uma revista de música,
pra sobreviver, precisa de gente como eu (ou como os leitores deste site).
Gente que não se contenta em comprar os CDs ou baixar os MP3. É
um tipo de pessoa que precisa conhecer mais detalhes sobre os artistas,
saber o que há de novidade, ter dicas sobre grupos e discos históricos,
ter uma idéia do que está rolando no mercado indie (local
e gringo), notícias quentes, entrevistas alentadas, pautas caprichadas,
resenhas relevantes e honestas. Isso, para mim, é gostar de música.
Ou, pelo menos, faz parte do interesse que se tem – quando se tem - pela
música.
Mas a enorme maioria das pessoas que
"gosta de música" se preocupa apenas em ter uma trilha sonora adequada
para um churrasco. Ou para o CD-player do carro, indo para a "balada".
Ou para curar uma dor de cotovelo. É gente que se contenta em ver
a cara do artista ocasionalmente no Faustão, ou ler na capa da "Contigo"
quem está namorando com quem. Gente para quem a música é
acessório. Pessoas assim nunca vão se interessar em comprar
uma revista "hardcore" de música, feita por e para REAIS fãs
de música. Note bem que não falo da sua empregada pagodeira
ou do porteiro paraíba que gosta de forró: você, que
ontem era fã de Guns’n’Roses e hoje ouve Creed e Linkin Park, também
NÃO GOSTA de música. Você, assim como sua empregada
ou seu porteiro, pode se contentar muito bem com revistas fininhas, com
letras grandes e escassas, e muitas, muitas fotos.
E, queiram ou não os nossos
protótipos de Jann Wenner, são ESSAS as pessoas que poderiam
comprar suas revistas. Mas, é claro, não compram. "Já
é tão complicado decorar o nome do 'artista da hora', ainda
querem que eu leia uma revista cheia de letras?" Perder esse público
é fatal para praticamente qualquer publicação. Mas
o que fazer se, pra começar, o leitor nunca esteve "ganho", para
ser "perdido"?
O "resto" (crise econômica,
depressão do poder de compra, mutretas próprias do mercado
editorial, etc.) acaba sendo fator menor. Tudo se reduz ao fato de que
o brasileiro lê pouco e mal. E para completar, não tem dinheiro.
Ou talvez o primeiro fator seja conseqüência do segundo. Mas
acho que isso nem é problema específico nosso; o povão,
a massa, tende a ser assim mesmo em qualquer lugar do mundo.
Na outra ponta, existe o, sei lá,
1% de público – ainda assim, é bastante gente – que poderia,
muito bem, sustentar não apenas uma, mas um bom punhado de publicações
modestas, com orçamentos realistas, mas ainda assim bem-feitas.
Aqui, sim, entra o "resto" do parágrafo de cima. Os bons samaritanos
que insistem em nadar contra a corrente, para fazer com que sua publicação
chegue afinal nesse 1%, um dia cansam de dar murro em ponta de faca. E
não dá para contar com filantropia de editora grande. Para
essas, "formar público" e "preocupação com qualidade"
são palavrões, dos mais cabeludos. Adendo biográfico:
um colega meu, que foi um dos penúltimos editores da "Showbizz",
fala para quem quiser ouvir que, quando a revista foi dispensada pela Abril,
tinha uma venda de 50 mil exemplares. E que "só isso" não
interessava à editora.
Não gosto de terminar texto
algum em tom pessimista, mas também não vejo solução
simples – ou sequer factível a médio/longo prazo – para esse
beco sem saída. É uma pena, pois o "meio" revista é
riquíssimo, cheio de possibilidades e de formas para produção
de conteúdo realmente válido. E seria terrível ver
uma porta como essa fechada para sempre em nosso mercado editorial/musical.
Dá pra sacar, entretanto, que
as ambições (e expectativas de retorno financeiro) devem
ser mantidas no nível mais realista (i.e., baixo) possivel. E também
que ficar fechado em nichos muito específicos (underground demais,
indie demais, punk demais) pode ser prejudicial à saúde da
publicação. Outra: saber para quem está se escrevendo,
ter o máximo de feedback possível do leitor. E, por último
– e esta é uma lição tirada da dura sobrevivência
da "Rock Press", revista da qual sou colaborador há mais de sete
anos – perseverar sempre, até a corda roer de vez. (Para a "RP",
ainda não roeu.) Um dia, com sorte, a ponta da faca desgasta um
pouquinho e os murros doerão menos.
Marco
Antonio Bart é editor do site Clique
Music, colunista e colaborador da revista Rock Press.
Leia aqui
a integra da entrevista de Ricardo Alexandre, ex-editor da Frente,
para Rodney Brocanelli, do Observatório
da Imprensa
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