"The L Word"
por Gabriela Froes
Foto: Site Oficial
gabrielafroes@gmail.com
02/08/2005

Nos Estados Unidos, é comum vermos alguém se referir a palavrões através da primeira letra. The F word, a palavra com "F". Crianças seguem as instruções claras de nunca dizer "a palavra com 'F'". Isto dito, vamos ao que interessa.

The L Word, série produzida pela Showtime, está em seu segundo episódio da primeira temporada no canal Warner, aos domingos às 23h. Aqui, segundo episódio, em um horário nada nobre. Lá, a série já vende a segunda temporada em DVDs. Por quê a demora, não sei dizer.

Bette (a bela Jennifer Beals de Flashdance) e Tina (Laurel Holloman) querem ter um filho. Tina vai ser a mãe biológica, mas é difícil encontrar um doador que 1- queira doar seu esperma sem ter relações sexuais, 2- aceite doar sob a condição de nunca ter vínculo nenhum com a criança e 3- tenha todos os pré-requisitos exigidos pelas moças: tem que ser bonito, inteligente, artístico, ter uma personalidade agradável. Bette e Tina estão juntas há sete anos, e acham que este será um passo definitivo em sua relação, uma renovação do amor que sentem uma pela outra.

Dana (Erin Daniels) é uma tenista famosa e mal-humorada, homofóbica de acordo com suas amigas (não suporta a idéia de que o mundo saiba de sua orientação sexual), e Alice (Leisha Hailey) é sua fiel amiga, que trabalha em uma revista e acha que todos ao seu redor já fizeram mais sexo do que ela própria. Dana e Alice se protegem de suas próprias solidões, enquanto Shane (Katherine Moennig) só volta pra casa pelas manhãs, voltando da casa de uma de suas garotas; em um dado momento, é dito que "cada vez que Shane entra em uma festa, alguém sai chorando". Completamente desprendida de relacionamentos, Shane gosta do contato físico, corpos, quantidade sobre qualidade. E tem muita confiança em si mesma.

E, last but not least, temos Jenny (Mia Kirshner), a versão heterossexual dos fatos, noiva do instrutor de natação Tim (Eric Mabius). Recém mudada para Los Angeles e vizinha de Bette e Tina, Jenny é uma escritora frustrada que não sabe o que quer. Ou quem quer. E é aí que entra Marina (Karina Lombard), sexy e sedutora. Jenny fica perdida entre aquele que até ontem achava ser o amor de sua vida e esta que é amante da literatura, que tem os mesmos gostos que ela, com quem ela encontra uma sintonia que acha que nunca terá com Tim. Marina é dona de um bar onde todas as meninas se encontram diariamente para conversar, irem juntas para a academia ou simplesmente tomar café.

A série faz sucesso nos EUA e segue a mesma premissa da adorável Queer as Folk, série lançada previamente pela Showtime, atualmente em sua quinta temporada. Queer as Folk conta a história de um grupo de amigos (gays, é claro) vivendo na agitada São Francisco, em meio a triângulos amorosos, estereótipos e noites quentes na boate Babylon, mostrando muito mais do que os beijinhos das novelas das oito brasileiras. QAF é uma versão "homo" de Friends, só que com menos piadas, mais questões sociais e o dobro da duração em cada episódio.

QAF começou a ser exibido no canal Cinemax um pouco atrasado em relação à exibição americana, mas logo se recuperou e hoje, no canal MaxPrime (é preciso pagar um pouco mais para assistir), as apresentações têm a diferença mínima que as séries de forma geral têm.

E em The L Word nada é muito diferente em termos de objetivos; a idéia é mostrar um pouco do que seria o "mundo" das meninas *L*. Elas discutem a maternidade, a questão de se assumir ou não, os amores, as diferenças. Bette, a protagonista, é de descendência afro-americana, e quer que o doador que ela e Tina usarão seja negro, para que a criança "se pareça mais com o que seria um filho das duas". Tina rebate com a insegurança: "será que já não basta ele ter duas mães? Você não acha que é muita *alteridade* em uma criança só?" (alteridade entra aqui traduzindo otherness, e ainda que a tradução esteja correta, no inglês o sentido é maior, é social, é psicológico).

Por outro lado, uma diferença clara (e importante) é que as meninas não discutem - ou pelo menos não até agora - a questão do esterótipo, dos "níveis", de expressar seu gênero de forma X ou Y (o que é feito a todo momento em Queer as Folk, dividindo os homens em ativos e passivos, "machos" e "queers"). Entre elas tudo é mais sutil, ainda que denso, profundo.

The L Word chega de forma avassaladora, deixa rastros. Cenas curtas e rápidas, edição afiada, mulheres lindíssimas que não estão nem aí pra eles. Mulheres lindíssimas que roubam suas mulheres. É uma afronta à masculinidade machista, é agressiva mesmo em suas cenas mais suaves - e quase todas o são -, doces, com mulheres que não se despenteiam ao acordar e que ficam bem até fazendo caretas.

A palavra com L, é claro, todos sabem qual é. O título é genial e parece antecipar os conflitos internos do espectador. A palavra que não deve ser dita. Nada mais puritano, nada mais americano, atual, do que controlar palavras. Ops. Não diga "controle", diga "precaução". Não diga "medo", ameace e ponto. Não diga "preconceito", diga "multiculturalismo" (e acene, e sorria). E evite a palavra com F. Mas nunca, nunca diga a palavra com L.

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Site Oficial da série