André Czarnobai é o Cardoso, sim o próprio. Ele edita e envia para mais de 2000 mil assinantes, o Cardosonline, um e-zine de Porto Alegre, RS, que vale a pena conhecer.
Aqui, retirado diretamente do editoral do COL (Cardoso On Line) número 205, André analisa a passagem de seu staff por São Paulo, com extrema inteligência.


Editorial 205
por André Czarnobai

São Paulo ainda deixou seqüelas nesse corpo branquelo crivado de pelinhos ruivos. As pernas doem como nunca, os braços desenvolveram hematomas de dentro para fora, as costas estão duras, os olhos injetados e a boca seca.

Tudo bem, faz parte e valeu a pena. Perdoem este editor embriagado por esta tosca e precária edição, por conseguinte. Não me perdi, bebi feito um louco, andei de madrugada em lugares não recomendados e fumei pouquíssimo, seguindo ainda as recomendações da minha nutricionista de plantão.

Mentira. Não fumei porque não tinha muito fumo por lá. Na verdade quem me botou beck em Sampa foram os gaúchos que eventualmente topei por lá e o Neto da Malditos Ácaros do Microcosmos, de resto os paulistas andaram devagar nas neblinas. Fato é, que não existe gente mais afudê que o Marcelo Silva Costa e o Alexandre Petillo, do Scream & Yell. Os caras não só hospedaram a Clarah, o Träsel, o Caon, eu e o Galera, como também deixaram o Hermano ficar lá, praticamente superlotando o apê. Levaram a gente pra comer, beber, deram carona socando oito pessoas num Uno e não cobraram nada por isso.

Bom, de minha parte digo que eles ganharam um irmão aqui no sul. A hora que quiserem vir pra cá é aquilo: mi casa, su casa. É curioso notar certas particularidades na terra da garoa. A comida, por exemplo, é muito cara e em geral, meia boca. Tu pede um xis qualquer coisa, ele custa no mínimo três pilas e vem no máximo com pão-carne-complemento, sem temperos, sem nada. Aqui tu pede um xis em qualquer lugar e ele custa no máximo quatro pilas e muitas vezes tu tem que pedir para que eles tirem coisas como ervilhas ou milho. Salvo desse meio a pizza do Mister Sheik e dum buteco lá na Vila Madalena que não lembro o nome. Cinco pilas num, seis e noventa noutro, valores aceitáveis mesmo aqui.

Já a cerveja tu encontra a bons dois pilas na rua e em preços convidativos no supermercado, coisa que não acontece dentro de bares, onde a latinha chega a absurdos três reais. Falando em cerveja, muito legal as emediações daquela ruazinha que tem o Matrix e a Torre do Doutor Zero - parece a Cidade Baixa. Milhares de butecos com mesa na rua apinhados de apreciadores do pão líquido. Posso dizer que me senti em casa caminhando naquela na parte da cidade.Tomamos bons tragos em Sampa. Até absinto eles tão vendendo lá agora. Ok, é o absinto português, tem só 53% de graduação alcoólica e custa oito pila o martelinho, o que torna tudo uma grande jogada de marketing. Absinto mesmo é o tcheco: azulado, 70% de graduação alcoólica e uma porrada na mente. Mas enfim, não tem tu vai tu mesmo.

Os bares que a gente foi lembram os daqui. A Borracharia é um Garagem melhorado, o Orbital parece uma lanchonete mal-iluminada mas é ok também. Gostei do ambiente dos dois, me senti muito em casa. Na Borracharia tinha show da Walverdes, com quem fumei meu primeiro beck em terras paulistanas. 
Vem o Mini:
"E aí, Cardoso, quer fumar um beck?"
"Claro"

No Orbital foi o Bailão mais clássico da história: show dos Malditos Ácaros do Microcosmos e da Blemish. Os ácaros fizeram um puta show. Entraram mascarados e começaram a gritar e se descabelar enquanto subiam em mesas, escovavam os dentes e faziam covers de Brujeria com saxofone de fundo. Na terceira música o dono do bar arrancou o microfone da mão do vocalista e parou o show. From Hell, curti horrores o som da banda. Foi uma merda eles terem cortado o show dos caras, coisa mais idiota. Enfim, depois tocou a Blemish, fazendo um brit pop bem usual, bem competente, bem direitinho. Curti muito, tou inclusive ouvindo agora "Silver Box Song" no split da London Burning com eles e a 28/8/2.

Conversei com o pessoal da Slag! e da Ordinary records, que tinham um stand montado lá no bar mesmo. Achei ducaralho aquele lance. Fiquei com muita vontade de abrir um selo aqui em Porto: porra, a gente tem tanta coisa legal aqui, eles mesmo dizem que a gente tem tanta coisa legal aqui e a gente não se mexe pra isso! 
Aliás, muito ducaralho isso dos caras adorarem o sul. Conhecem as bandas daqui, sabem o que tá rolando, sabem que é ducaralho. Só que a gente sabe que falta alguma coisa. E é exatamente essa coisa que nos falta aqui, que depois vai acabar por frustar a maioria dos projetos extra-uruguai. Mas isso vai mudar. Ah, se vai!!

A Mostra de Cultura Independente serviu pra nos colocar em contato com muita gente legal, o pessoal das bandas e dos selos, o pessoal dos zines e da imprensa dita "mainstream". Os shows foram sensacionais: Fishlips me fez balançar as melenas ouvindo melodias a lá Sonic Youth. Grenade me espantou - como é que uma coisa tão low-fi pode ser tão boa? O Galera encomendou os três discos deles. Tou pensando em fazer o mesmo. Perdi a Dominatrix, um HC de meninas, perdi Butchers Orchestra, que é um Jon Spencer tupiniquim, perdi também a Sala Especial que faz lounge music instrumental e perdi até Hang the Superstars, que se não faz um som ducaralho, ao menos tem o melhor nome de banda surgido nos últimos tempos.

O único defeito das bandas paulistas: todas cantam em inglês. Nada contra, acho ducaralho igual. Mas fico imaginando que impressionante seria se toda essa cena tivesse o suporte de bons letristas compondo em português. As músicas são lindas, a produção é bem feita, a arte das capas é excelente - só faltava falar a minha língua. Seria a grande virada do rock nacional - seria bom demais pra ser verdade.

Mas enfim, acho que já falei demais prum editorial. O resto eu deixo pra minha coluna de segunda que vem, já que essa segunda ela é preenchida por um texto que não tem nada a ver com São Paulo.

Shout-outs: Zé Flávio & Fabi [bizz]; Lúcio Ribeiro [folha]; Maurício [ssp-go]; Valéria [destilado]; Luciano Vianna [london burning]; Guilherme, Lúcio, Neto e Rodrigo [malditos ácaros do microcosmos]; Debbie [ordinary recs]; Daniel [blemish]; Laerte [piratas do tietê e etc.], pessoal da Monstro Discos, da Slag! Records, alemão parceria da ieieie.com cujo nome me escapa agora, todo mundo que apareceu e nos conheceu e os que já nos conheciam.

Special shout-outs: Alexandre Petillo & Marcelo Silva Costa [scream & yell] – membros honorários do COL para sempre. Por mais que eu escreva não vou conseguir agradecer tudo que esses caras fizeram por nós aí em São Paulo. 
Estão mais que convidados a repetir a dose aqui no sul.

Cardoso
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