"Alternativo"
A QUÊ?
por
Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br
"Artista tem que ser Robin Hood/e
pôr riqueza na cabeça do moleque de pé sem chinelo
jogando bola de gude". "500", Pedro Luís e a Parede
Passeando pelo centro de Taubaté,
avistei na rua XV de Novembro a placa identificando o "Salão de
Beleza Alternativo". Não adentrei o recinto, mas examinei sua fachada
procurando algo que pudesse se caracterizar como "alternativo". Um salão
de beleza, aparentemente como qualquer outro.
Não tardou muito para que eu
deparasse com um cartaz anunciando uma "festa alternativa" num sítio
das redondezas. Caipirinha grátis e uma banda de forró eram
as atrações do tal evento. E não foi a primeira festa
que eu vi ser anunciada dessa forma.
Hoje em dia muitas coisas se apresentam
como "alternativas". Maior ainda é o número de pessoas que
puxam para si próprias esse rótulo. Mas o que será
isso afinal?
Vamos recorrer ao prestigioso Dicionário
Aurélio: "1. Que se diz ou faz com alternação 2. Diz-se
das coisas de que se pode escolher a que mais convenha 3. Que não
está ligado aos interesses ou às tendências políticas
dominantes". Definições interessantes. De acordo com a segunda
opção, podemos tomar qualquer coisa como "alternativa". Mas
examinemos a terceira. É certo que não é referente
só à política. Estão subentendidas nesse conceito
tendências culturais, sociais e outras. E é esse ponto que
origina toda a falácia em questão.
A explosão de artistas vindos
do underground no início dos anos 90 atingiu várias áreas
culturais, porém o impacto na música e no cinema foi muito
maior que em qualquer outra. Nirvana, Jane's Addiction, Helmet e Primus
(entre outros) saíram de bibocas fedorentas dos EUA para virarem
celebridades no mundo ocidental. Quentin Tarantino foi alçado à
categoria de gênio e abriu as portas para uma nova geração
de diretores, atores e atrizes chegarem ao grande público. O "alternativo"
passou a ser moda, e quem não acompanhava seus lançamentos
não era in.
Claro que a indústria cultural
(vide Adorno) não tardou a capitalizar isso. Aliás, foi justamente
tal capitalização que originou o fenômeno. E lesou
de tal forma o conceito de "alternativo" que os resultados menos significantes
podem ser vistos no começo deste texto. Contudo, isso é o
menor dos males.
"Alternativo", antes desse boom, era
sinônimo de contracultura, de opções à ordem
vigente, enfim, de algo que propusesse alternativas, fosse na cultura,
sociedade ou política. E acabou virando símbolo do establishment.
Afinal, nada mais bacana e auto-laudatório hoje em dia que se declarar
"alternativo".
Veja: o "underground" musical brasileiro
é formado majoritariamente por bandas que insistem em duas ou três
vertentes, não conseguindo muito mais que emular (palidamente) fórmulas
já exploradas à exaustão por seus ídolos. Do
"rock de vogal" (todos os refrões são "aaahhh" ou "ooohhh")
que chamam de hardcore melódico à mesmice das "guítar
bands", o que se vê são grandes egos em pequenos lugares,
mantendo um clubinho elitista e de preceitos ingênuos, posando quixotescamente
de "batalhadores" em uma cena auto-celebratória. Que não
é opção musical à coisa alguma.
Comportamentalmente, essas estranhas
criaturas se apresentam mais lesadas. Mantém posturas arrogantes
e se declaram à margem da sociedade, mas compram caros discos importados,
vestem-se com roupas de grife e comparecem a shows de alto preço.
O "inconformismo" com a sociedade traduz-se em fanzines ingênuos
e discursos queixosos. Mas dispensam atos concretos que possam mudar a
pasmaceira da qual reclamam. Ficam à beira da praia reclamando da
maré, mas não se levantam para enfrentar o mar porque têm
medo de água. E não seria de se espantar se esperassem “salva-vidas”
do PSDB.
Articular "idéias" que mais
parecem repetições de opiniões pré-fabricadas
não é alternativo a nada. O cara mais alternativo que conheço
não tem a mínima noção do que significa a palavra
"underground", é fã de Kid Abelha e não perde uma
comédia romântica de Hollywood. Mas passa duas manhãs
por semana alegrando crianças com câncer em hospitais de Taubaté,
além de gastar todo o tempo do seu domingo dando apoio a pacientes
da UTI do Hospital Santa Isabel. Nos tempos hedonistas que ora vivemos,
essa é uma das atitudes mais subversivas que alguém pode
tomar.
Encher o corpo de piercings, cobrir
a pele de tatuagens, afetar trejeitos intelectualóides ou fazer
letras de música em inglês sofrível não é
nem um pouco contestatório ou divergente. Olhar para o próprio
umbigo depois de contemplar passivamente a pústula repugnante que
nossa sociedade vem se tornando também é tão inócuo
quanto. E esse parece ser o comportamento "alternativo" da juventude atual.
Desafiar conceitos tacanhos, produzir
(e não repetir) cultura, educar pessoas, praticar a solidariedade,
não se conformar fatalisticamente com os acontecimentos, enfim,
criar opções para a sociedade violenta e alienante, isso
faz de algo ou alguém alternativo. Com certeza, nada que se encontre
em um salão de beleza.
Leonardo
Vinhas, 22, é professor de inglês.
Nunca militou no underground ou na intelligentzia e tampouco sentiu ou
sente vontade de
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