"Viagens no Scriptorium", de Paul Auster
por
Caco Rodrigues Email
13/08/2007
Em "Viagens no Scriptorium", Paul Auster volta a explorar a sua noção de metaliteratura. Produtor de uma escrita ágil, envolvente e elegante, Auster, a cada obra, procura encontrar e desenvolver um diferente nuance do modelo "livro dentro do livro", ou seja, aquele tipo de história em que o narrador se coloca fora do contexto diegético para então passar a descrever o ofício do escritor, no caso, um narrador-personagem que nitidamente constitui o seu alter-ego.
Por mais inovador que isso possa parecer, outros autores pós-modernos já partiram desse princípio, só que de maneira menos ostensiva como, por exemplo, Graham Greene, em "Fim de Caso". Auster, porém, vêm repetindo a fórmula desde 1986, quando começou a chamar a atenção do público e da crítica com o revolucionário "A Trilogia de Nova York". Nas três novelas em que se divide são explorados diferentes casos policiais, nos quais o mundano se confunde com o surreal, aludindo quanto ao processo da escrita ficcional. Ele próprio, acompanhado do filho Daniel, chega a entrar em uma das histórias.
Em "Leviatã" (de 1992), a trajetória de Ben Sachs, um escritor que se envolve em uma série de conspirações políticas, é contada pelo personagem Peter Aaron, seu melhor amigo e também escritor, enquanto este redige os fatos em um barracão na floresta. Já o ápice da máxima em que um "livro que escreve a si próprio" surgiu em 2004, com "A Noite do Oráculo". Como nos demais, a trama é narrada na primeira pessoa pelo herói, Sidney Orr, um escritor que está se recuperando de uma grave debilitação física enquanto trabalha em um novo projeto ficcional. Paralelamente aos acontecimentos dessa segunda narrativa, Orr atravessa um período conturbado no casamento, tal qual o personagem que originou. Então ele percebe que esta relação entre a sua vida pessoal e aquilo que escreveu não é mera coincidência.
Agora, em "Viagens no Scriptorium", a auto-referência austeriana chega a beirar o absurdo. Com a diferença de que agora o narrador não aparece na diegese, o protagonista, referido apenas como Blank (espaço vazio), acorda em um quarto desconhecido, onde logo se vê trancado, não sabendo se está em um hospital, um hospício ou uma dependência correcional. Outro fator inédito até então aparece na tessitura literária, quando é contextualizada a situação narrativa: Auster se torna redundante, supérfluo e extremamente monótono.
Sobre a escrivaninha do quarto, Blank encontra fotografias de indivíduos dos quais não se recorda, mas cujas ligações com o protagonista vão se revelando no transcorrer da história. Ele também encontra um manuscrito inacabado que decide completar por sugestão do seu terapeuta, que passa a visitá-lo regularmente. Logo se percebe que os demais personagens receberam nomes já utilizados em obras do autor, mas até então, nenhuma relação direta entre eles pode ser constatada.
Por fim, quando os fragmentos da história se integram e a trama passa a fazer algum sentido, surge a grande decepção da obra: Blank é apenas mais um alter-ego de Paul Auster; o quarto se torna a representação material de uma mente criativa; as páginas em branco sugerem um vazio existencial; e todos os personagens, que se dizem vítimas de Blank, foram de fato "emprestados" da bibliografia do autor, e ao empregarem finalidades diferentes das suas funções originais, denunciam o maniqueísmo arbitrário do seu criador.
Ou seja, Paul Auster proporciona uma celebração auto-indulgente do seu próprio trabalho, que procura elevar à condição de referência imprescindível, mistificando ainda mais a figura do escritor. E assim restringe o entendimento apenas para aqueles que estão familiarizados com sua obra, que por sua vez conseguem identificar o charlatanismo literário disfarçado de vanguardismo em que ele se apóia.
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