"Travessuras da Menina Má", de Mario Vargas Llosa
por Carlos Willian Leite
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04/01/2007


Leitor de Flaubert, dramaturgo e jornalista, o escritor peruano Mario Vargas Llosa é um dos mais importantes defensores do liberalismo econômico no pensamento latino-americano e um dos maiores escritores vivos. Se, por um lado, 2006, ano em que o autor completou 70 anos de vida, terminou com uma leve frustração – já que o Nobel parecia eminente e não veio –, por outro, seu novo romance fechou o ano figurando nas principais listas de livros mais vendidos no mundo. Travessuras da Menina Má (Alfaguara, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht, 302 páginas) foi lançado na Europa há cerca de oito meses e no Brasil há três.

O romance narra uma mirabolante história de amor, paixão e mentiras. E traça um grande painel cronológico sobre as transformações sociais e políticas ocorridas na Europa e na América Latina entre os anos de 1950 e 1980.

A paixão trágica e angustiante do protagonista Ricardo pela Menina Má vaga no tempo. O romance dá vida a uma história de encontros e desencontros que começou na adolescência e durou 40 anos. Em cada cidade, o sempre submisso Ricardo Somocurcio reencontra sua fria e inescrupulosa amada, com uma nova identidade, um novo marido e uma nova trapaça.

Os personagens vivem estereótipos dos amores de novelas: o menino bom que se apaixona pela menina má. Primeiro ela é Lily, uma adolescente de Miraflores, bairro aristocrático de Lima, capital do Peru, no início dos anos 50. Depois Arlete, a guerrilheira do Sendero Luminoso, no início dos anos 60. Posteriormente ela se torna Mma Arnoux, mulher de um diplomata francês, na Paris revolucionária de Daniel Cohn-Bendit. Sua próxima identidade é Lady Richardson, esposa amorosa de um bilionário inglês, na Londres das drogas, da cultura hippie e do amor livre. A seguir surge a gueixa Kurico, esposa de um mafioso de Tókio, um voyeur que assiste aos encontros com Ricardo. E por último Otila, a inominável.

Ricardo vive uma paixão avassaladora por essa anti-heroína, uma mulher sedutora, olhos de mel, capaz de qualquer coisa para ingressar no seleto mundo dos ricos, com muito charme e nenhum escrúpulo.

Além do amor entre os protagonistas, Vargas Llosa é meticuloso com os personagens secundários, entres eles Salomón, intérprete genial e melancólico; Paul, o que embarcou na epopéia suicida da revolução peruana; o casal de vizinhos e o tio peruano, que lhe dá constantes notícias do descalabro do país.

A partir da saga desse amor doentio, o autor descreve uma série de acontecimentos em vários lugares e épocas. A Europa e sua relação com a América do Sul. A grande migração latino-americana. O Peru sempre abalado por ditaduras e golpes. A Paris dos anos 60, Londres dos 70 e a Espanha dos 80. Embora não haja sinais evidentes, em muitos momentos o livro assume um tom claramente autobiográfico. Llosa parece fazer uma espécie de balanço dos dias vividos.

O próprio autor admite que o romance dá muitas outras pistas sobre sua vida: os tempos duros em que morou na França, seu trabalho como tradutor em Londres, sua simpatia pela revolução de Fidel Castro e sua ligação visceral com seu país de origem.

O romancista imprime um ritmo frenético aos ciclos históricos. Uma narrativa rápida, seca, sem o grau de elaboração dos livros anteriores. Alguns críticos sugeriram que Travessuras da Menina Má foi escrito às pressas, com objetivo de influenciar no resultado do Nobel – que, aliás, é o único prêmio que Vargas Llosa ainda não ganhou. Com ou sem pressa, o fato é que o livro é tão intenso que redime o autor de qualquer possibilidade de equívoco. Poucos autores conseguem fazer com que suas personagens saltem às páginas. Mario Vargas Llosa definitivamente é um desses autores.

Travessuras da Menina Má é um livro escrito para leitores comuns. E deixa claro que o crítico não matou o romancista. O livro da menina malvada não é o melhor que Mario Vargas Llosa escreveu. Mas a doçura e a sordidez que permeiam a história resgatam um tipo de literatura rara. Sem o panfletismo ideológico presente em quase toda a literatura latina. Um tipo de livro que deixa o leitor comovido pelo resto do mês. Além de deixar uma grande lição: um livro não é ruim só porque aparece nos catálogos dos mais vendidos.

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