'Terra Adentro', de Luiz Sérgio Metz, Tau Golin e Pedro Luiz
da S. Osório
por
Moreno Osório e Bibiana Osório
Blog
11/05/2007
Sair da cidade onde o hábito nos traz conforto - e também tédio - é sempre um bom exercício para conhecer a si próprio e, claro, entender mais sobre o mundo e sobre as pessoas que nele vivem. No quente mês de março de 1980, os jornalistas gaúchos Luiz Sérgio Metz, Tau Golin e Pedro Luiz da Silveira Osório, ansiosos por conhecer sua própria terra e conscientes de que "a ideologia não poderia descuidar da cultura, do conhecimento", montaram em seus cavalos e, durante treze dias, percorreram seiscentos quilômetros pelo pampa. Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul, foi o ponto de partida, Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, o de chegada.
Apenas com um cavalo reserva e um de carga, os três rumaram aos campos da campanha. Pedindo pouso em estâncias (ou dormindo ao relento), enfrentando o clima adverso (além do calor, os cavaleiros se depararam com uma enchente), alimentando-se com bolachas e "vitelada" em pequenos bolichos, os cavaleiros foram descobrindo um pouco mais sobre a própria terra. E, principalmente, sobre a gente que habita a região inóspita do pampa, lugar quase sempre associado a uma idéia pouco questionada sobre a visão que o povo gaúcho tinha (e tem) de si mesmo. A cavalgada épica deu origem, além de muitos causos, a uma reportagem publicada no Correio do Povo - o principal jornal do Rio Grande do Sul na época - do dia 20 de setembro (dia da Revolução Farroupilha) daquele começo de década.
Vinte e seis anos depois, Tau Golin e Pedro Osório (Sérgio Metz faleceu em 1996), já mais experimentados, resolveram reunir o relato jornalístico, juntamente com alguns dos causos e observações antropológicas sobre a viagem, no livro Terra Adentro, que está sendo lançado pela Arquipélago Editorial. A obra resgata a épica jornada, marco da passagem de uma época em que o questionamento feito ao mito do gaúcho criado por tradicionalistas começava a tomar forma. A partir da experiência vivida pelos três, parte da intelectualidade e de historiadores do Estado intensificou o trabalho de resgatar do passado uma visão do homem sul-riograndense mais próxima da realidade, sem superlativos ou idealizações inventadas.
Os cavalos aproximaram os três jovens da realidade pela qual atravessavam, e a escolha por tal meio de transporte foi justificada pelo tipo de observação que proporciona. "A paisagem vista do lombo de um cavalo é morosa e singular, substantiva e típica. Muito mais do que vista a 80 quilômetros horários, do interior de um automóvel". As vinte patas que os acompanharam receberam cuidados especiais e testemunharam a boa receptividade dos homens do campo, a hipnose televisiva até nos pagos mais distantes, e as conseqüências de um processo de abandono do meio rural.
Três homens, suas densas barbas, apetrechos campeiros, olhar concentrado, percorrendo uma distância que ninguém mais percorria a cavalo. Certamente causaram espanto. Eram jovens em busca de uma identidade genuína e livre de estereótipos. Eram três amigos selando o companheirismo e a lealdade que surgira na cidade e se propagou na terra onde cavalgaram. Adentro. Da terra e daquelas três almas.
TRECHO
"Um sol forte, mas então forte, seu!... Tudo nos encobriu
de muita 'canícula senegalesca' e atritos outros pelos pequenos
ataques de nervos que a cada segundo era um de nós fartamente
acometido. Notem como o desenrolar das cenas comprova isso:
um de nós, ao apertar desavisadamente o látego da sobrecincha,
com as costas viradas para a cabeçaa da égua baia lunanca, recebeu
uma mordida na nádega esquerda. A dor foi horrível para ele
que se atirou no chão, urrando e logo em seguida, convulsivamente,
deu de mão numa pedra que iria desferir no animal alienado.
Acudimos a água e a pedra voltou ao chão."
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