Ricardo Alexandre - Entrevista
por Ricardo Manini
quarentaecinco.blogspot.com
15/08/2003

Ricardo Alexandre é um cara bacana. Sempre sorridente e brincalhão, é daqueles que conhecem muito sobre a área que optou por trabalhar, no caso, o jornalismo musical. E, enquanto muita gente fica latindo enquanto a caravana passa, Ricardo se distingue porque, usando uma frase batida, "é gente que faz". Aos 29 anos, ele já bancou o sonho de todo jornalista ao lançar uma revista própria (no caso, a Frente) com outros dois amigos e, depois, se aventurar com um livro, o excelente "Dias de Luta", retrospectiva do rock nacional dos anos 1980. Jornalista com passagem por redações como a da Bizz, do Estado de S. Paulo, da Usina do Som, Ricardo Alexandre é o típico cara com muitas histórias para contar. O S&Y conversou com ele sobre o livro, jornalismo cultural, o fim da revista Frente e outras diversões. Confira.



No começo do livro, no prefácio, você diz que nem curte muito rock anos 80. É isso aí mesmo?

Eu curto. Algumas pessoas retratadas no livro disseram que o que eu escrevi lá foi um pouco indelicado. Talvez elas tenham sua dose de razão. A minha intenção foi mostrar, primeiro, que a pessoa não precisa gostar de rock dos anos 80 para curtir o livro. E segundo, que era dizer que eu não escrevi esse livro porque eu gosto de rock dos anos 80, que eu acho que é um motivo muito subjetivo. Pode ser que tenha ficado meio forte porque é a primeira frase do prefácio e só depois eu desenvolvo o raciocínio. 

O cara bate o olho e já lê de maneira meio errada, não?

É, mas aí é foda. Eu sei, por exemplo, que o Marcelo Tas foi lá atrás no livro, procurou o nome dele no índice onomástico, achou, foi até a página que era citado e estava escrito assim: "Os Titãs começaram a se apresentar no Fábrica do Som e no TV Tudo, de Marcelo Tas". É óbvio que o Marcelo Tas era apresentador do TV Tudo até porque uns parágrafos antes eu já havia dito que o Tadeu Jungle é que apresentava o Fábrica do Som. Entretanto se você faz isso o que ele fez, fica com a impressão que tanto um quanto o outro eram apresentados pelo Marcelo Tas. Nunca passou pela minha cabeça que alguém pudesse fazer esse tipo de coisa. Mas é algo que tem acontecido. Eu entendo que na segunda edição eu até posso mudar a ordem de como a frase está escrita, para "...no TV Tudo, de Marcelo Tas, e no Fábrica do Som".  Mas o que eu posso fazer em relação a isso? Paciência...

Se você comparar as bandas dos anos 90 com a dos anos 80, parece que ficou muito mais difícil atingir um grau de popularidade maior agora. É isso aí?

Com certeza. Inclusive uma menina me fez uma pergunta muito sintomática sobre isso. Ela me perguntou: "Você não acha que essas bandas que surgiram nos anos 90 não teriam nível pra tocar nos anos 80?".  Falei não, muito pelo contrário. Eu acho que se essas bandas dos anos 90 surgissem nos anos 80, elas fariam muito mais sucesso. Porque havia muito mais lugares para tocar, muito mais rádios para vincular a música. Aí eu citei uma banda média dos anos 90, que não era extraordinária, o Maskavo Roots. Não fez sucesso. Podia ter vendido um milhão, cara. Porque é muito, mas muito melhor que as bandas dos anos 80. 

E parece que nos anos 90 o rock brasileiro arrumou uma linguagem mais própria, e nos anos 80 isso é algo que vem de fora...

É, tanto que eu costumo dizer que o que aquelas bandas dos anos 80 faziam foi desembocar hoje no Max de Castro. Se você seguir essa linha evolutiva, isso não foi dar nas bandas de rock, no Charlie Brown. Isso foi dar no Max de Castro, no Patife. Se bobear até no Yamandú Costa, nos grupos de choro do Rio. É por isso que eu insisto – não é só música, isso é movimento social. A gente vai pegar uma geração que surgiu em uma época que não se vendia disco, não se ia à TV, os grandes artistas vendiam 100 mil... O Gil ia gravar em Los Angeles com o Toto pra vender 100 mil. Aí chega o Kid Abelha, grava no fundo do quintal e vende 200 mil. A Blitz grava e vende 700 mil. O RPM vende mais de 1 milhão. Então isso não tem a ver com música, tem a ver com público bom. E aí quando isso já tá claro, eles vão fazer outro tipo de música. Os Paralamas vão fazer lambada, "Perplexo" é lambada, o Ira! vai fazer hip-hop, começar a abrir espaços. É como o Herbert Vianna diz: "não dava mais pra defender a new wave". O rock brasileiro dos anos 80 na verdade era a new wave. Durou quatro, três anos e aí teve um momento que isso começou a retomar para o Brasil. Eu acho que foi um momento que as pessoas precisaram se expressar daquele jeito.

Mas você vê importância das bandas dos anos 80 para as dos anos 90? 

Se não fosse eles acho que a gente iria estar tocando em teatrinho até hoje. 

Mas não tá voltando? 

Aos teatrinhos? Tá, mas pelo menos a gente teve o Skank, o Rappa...Eu acho que isso aí já é uma outra contingência, é o fim do mundo se aproximando, tem a ver com fatores industriais, não artísticos. Eu acho que nos anos 70 rolava um problema que era meramente artístico. Você tinha um povo querendo música e os caras lá: "deixa eu dançar, Odara". (risos). Ah, que é isso. Faz música pra eu ouvir! Vai pentear macaco!

E em termos de estética, das bandas dos anos 80 pras dos anos 90?

Ah, as dos anos 90 são muito melhores. 

Certo, mas tem influência?

Tem influência. Mas talvez não seja bem influência, é mais uma linha. Eu acho que não existiria Racionais MCs se não fosse essa geração. É por isso que eu botei o capítulo do rap, porque as pessoas não costumam associar. Não existiria rap se não fosse o Ira!, ou melhor, talvez até existisse, mas o Nasi me falou algo muito certo. "Se não fosse eu, provavelmente iria existir aí um Furacão 2000 e, ao invés dos Racionais, a gente iria ter o MC Serginho no rap". Eu acho que provavelmente isso iria acontecer, porque periferia representa grana, é um mercado consumidor enorme. E hoje os Racionais MCs são donos de seu trabalho, em termos de conteúdo e estética. Esse tipo de postura tem lá a semente da Legião Urbana, de grupos que tiveram anteriormente o mesmo tipo de postura. Eu vejo isso claramente. Fora àquelas coisas que você consegue ligar facilmente, Raimundos com Ultraje a Rigor, o Skank com os Paralamas. Aliás, eu acho que de todas essas bandas que surgiram nos anos 90, o Skank foi à banda mais próxima do que era aquilo, da filosofia anos 80. Tanto que foi a que mais vendeu e faz o que eu chamo de "pop com dignidade social". Tipo, "vamos fazer música pra vender pra caramba? Vamos. Mas vamos fazer música pra vender pra caramba, pra ser ouvida daqui a 10 anos e pra ter respaldo de crítica". Aí é outra história. Eu acho que nos anos 90 se perdeu muito essa junção. Começou-se a fazer música ou pro grande público ou pra crítica. Aí é uma burrada. Aí é uma encruzilhada da qual você não sai nunca.

Mas você acha que não há exceções?

Acho que há. Quem você acha?

Eu acho que o Skank mesmo tem coisas muito boas. 

Com certeza. Tem até uma frase engraçada do Renato Russo sobre eles, eu achei outro dia olhando revistas velhas. "É, eles são queridos pela crítica, né? Vamos ver se serão queridos pelo público". E a impressão que hoje a gente tem do Skank é o inverso, né? E você olha no prêmio da MTV uns anos atrás, revelação da crítica era o Skank, mas não era a do público! (risos)

E o Pato Fu?

Sim, o Pato Fu... Se a gente for pensar em evolução do público, era para o Pato Fu estar vendendo muito, né? Porque hoje o mercado é bem maior. Se vende muito mais discos do que se vendia no auge do Plano Cruzado. O que impede que as gravadoras lucrem é muito mais a estrutura bichada do que a pirataria.

Será que não está em falta também o surgimento de bandas que tenham tanto sucesso de público quanto de crítica?

É, porque você monta sua banda com 21. Ou então, no caso do Dado Villa-Lobos, com 18. Daí você vai tocar, não tem onde tocar. Então você deixa de sair com a namorada, rouba uma grana do teu pai e grava uma demo. Nenhuma gravadora se interessa. Então você assalta alguém e faz um disco independente. Aí o cara da rádio pede 50 mil pra tocar o teu disco. E você continua tocando por uma única razão: amor. Ou então porque seus amigos são legais. Mas vai chegar uma hora que o cara casa, tem filho, vai querer fazer algo de útil (risos). Quando o Paul McCartney fez o "Sgt. Peppers" ele tinha 25 anos. O Brian Wilson fez o "Pet Sounds" com 24. Quando o Roberto Carlos fez o disco da praia, que foi a grande guinada dele, ele tinha 27. Sabe? Não se faz nada depois disso. Depois disso é ladeira (risos). Então se você não tem estímulo – que é bem diferente de dar uma força – se você não tem estímulo fica impossível ir em frente. Aquela frase do Nando Reis é muito boa. "A gente tocava para um público que curtia o nosso som. Então a gente precisa aprender a se comunicar com ele". Quer dizer, era um estímulo que eles recebiam do público que fazia eles irem em frente e ser mais pop. Se eles ficassem tocando para um público que era só os amigos deles, ao invés de ir tocar em danceteria, ficariam presos no próprio rabo. "Ah, põe mais distorção aí meu!". Ia virar um Júpiter Macã, que poderia ter se transformado em um cara de sucesso, mas acabou, por estar preso no underground, mais underground ainda. 

Uma outra saída seria como o Butcher´s tá fazendo né? Sair do país.

É. É que lá fora, se você é uma banda ridícula, irrisória, tosca, patética, você põe o equipamento dentro do seu furgão e vai indo de cidade em cidade que todo dia você tem show. No final você juntou ali os seus dois mil reais e pronto. Por que quando o Man or Astro-Man vem pro Brasil os caras enlouquecem? Porque eles tocam pra um público de 3 mil pessoas. E lá eles tocam pra 400. Mas lá é toda noite. 

Você falou do Nando Reis, eu lembrei da história do Titãs, que tá no livro. Tem gente que fala que os Titãs se venderam agora, tal, mas se você olha pra trajetória deles, parece que foi sempre assim, não?

É, eles já nasceram vendidos. Só na época do "Cabeça Dinossauro" é que eles resolveram parar e não tocar em programas como o do Chacrinha, mas de resto, sempre foram assim. É que o público de rock faz muito barulho, cara. É um público minúsculo que faz muito barulho e aí você acaba tendo essa impressão. O certo é você se desvencilhar desse público. O Samuel Rosa falou uma frase muito boa: “A gente nunca vai ter o apoio do público alternativo porque esse público tá mais preocupado com quanto a gente vende do que com a nossa música”. Então eles já venderam milhões, já não tem mais apoio dos alternativos. E é por aí – não é a menininha do shopping que está preocupada com quanto você vende, esse é o público mais sincero, é aquele que a música bateu no ouvido e a pessoa curtiu. Não importa se é rock, se é rap – o importante é ter um refrão bacana e levar pra algum lugar. 

Como que você vê o movimento punk brasileiro dos anos 80? Lendo o livro fiquei com a impressão que o João Gordo não teve aquela importância toda.

Pois é. Fui no programa do Gordo e falei pra ele: Gordo, você está ciente que se o Ratos do Porão não existisse no Brasil, o movimento punk seria igualzinho ele foi, não? Por outro lado, se o Ratos não existisse, o heavy metal seria completamente diferente. E ele concordou comigo. Eu achei legal também uma frase que o Callegari falou sobre o punk: "Se não fosse o punk, nós teríamos achado um outro jeito de se expressar". É por isso que eu faço uma ponte entre o punk de São Paulo e o rap. Serviram pra mesma coisa. Quando você pensa que os caras do rap não entendiam as letras inglês dos rappers americanos e começaram a ser políticos porque os punks iam na estação São Bento do metrô distribuir panfletos, então você se toca que a ponte entre o rap e o punk é muito forte. O punk hoje é como o cara que gostava de rockabilly nos anos 80. Gostava das coisas mais antigas, ia atrás delas. Hoje, os caras que fizeram o punk, estariam no rap. 

Mudando de assunto. Por que a Frente não deu certo nas bancas?

Um amigo meu veio da Inglaterra, Thomas Pappon, e me disse duas coisas. "Cara, fiquei impressionado com a quantidade de revista que tem na banca. E segundo, porque pela primeira vez na minha vida, eu entrei em uma banca e saí sem comprar nada". Daí você pode deduzir duas coisas. Ou que a sua faxineira está excluída do mercado, o que é uma pena, mas há fortes razões, ou que você está excluído do mercado. Antes você entrava na banca e podia comprar uma Bizz, uma Animal... Hoje você entra lá, o que tem na banca?  Por outro lado, a editora Scala tem 80 títulos no mercado. Todo mês o diretor pega o relatório dele e vê quais são as 10 que menos venderam. Aí coloca outras 10 neste lugar. Mesmo se uma dessas revistas tiver uma tiragem ridícula, algo como 1000 exemplares, no fim do mês esta editora vendeu 80 mil exemplares. E precisa pagar só uma equipe de jornalistas, porque é essa equipe, que não é muito grande, que produz as 80 revistas. É só você olhar pra essas revistas – fotos enormes chupadas da internet, textos mal feitos, algo que não dá muito trabalho. E o pior: não é só a Scala que faz isso. Há várias editoras nesse esquema. O público se desacostumou a ter um 'controle artístico' sobre as revistas, portanto hoje ele não tem muito padrão pra discernir. Por isso eu acho que vender em banca é muito difícil.

Qual você acha que é o caminho então?

Não sei. Mala direta, talvez. Assinatura. Se eu fosse fazer a Frente hoje em dia eu faria isso: soltaria as edições número –2, –1 e 0. Aí quem comprou, beleza. Pode mandar uma carta, com endereço, para virar assinante. Não sei se daria certo. Mas aí você sabe pelo menos, por exemplo, que só tem 2 mil pessoas que compram aquela revista. Então você só faz 2 mil revistas. 

E vender em loja de disco?

Pode ser uma boa idéia também, mas o problema aí é de logística. Precisa ter uma organização muito grande pra conseguir fazer isso de uma forma eficiente. A editora Símbolo não conseguiu fazer isso com a Bizz – todo o mês eles tinham o Procon atrás, geralmente por causa de assinatura. A gente tentou fazer isso com a Frente, ela ia pra 12 lojas, mas era muita dor de cabeça pra vender umas 50 revistas. 

Você acha que a Zero vai sobreviver?

Eu estou como na final do Campeonato Brasileiro do ano passado. Como meu time não foi pra final, eu fiquei torcendo pro Santos. Estou torcendo muito pra Zero, por um motivo muito simples – eles tentam fazer. Eu tenho muitas reservas editorias à revista, quem conhece o meu trabalho sabe exatamente sobre o que eu tô falando, dos pontos que eu discordo deles. No mínimo eles estão abrindo portas pra outros caras, eventualmente pagam frilas, pras pessoas mostrarem o trabalho. É horrível você pensar que meu primeiro texto saiu em 93 e que eu sou da última geração de jornalismo cultural. Lúcio Ribeiro é mais velho do que eu – quer dizer, agora está sendo bem lido, mas começou até antes de quando eu comecei. Até o Pedro Alexandre Sanches é dessa turma – caras que ainda foram lançados pela Bizz.



Dias de Luta: o Rock e o Brasil dos Anos 80
 (Editora DBA - 400 páginas)
por André Fiori
15/08/2003

“Dias de Luta" de Ricardo Alexandre vem em boa hora, nesses tempos de revisionismo, saudosismo e reaproveitamento dos anos 80. É bom para você que não estava lá para ver. Aliás, o autor também não estava lá.

Poderia se estranhar o fato de Ricardo ser muito jovem, era apenas uma criança nos anos 80. Ora, o escritor Eduardo Bueno não era nascido na época do descobrimento e colonização do Brasil, e mesmo assim ele publicou uma série muito boa sobre o tema...

É um consenso em todas as resenhas que li, que isso conspirou a favor do autor, pois lhe dá um distanciamento que funciona muito bem nesse caso. Ele não encheu a cara com o Cazuza, não foi pra balada com o Paulo Ricardo, não fugiu da 'treta' com o Clemente, não cheirou uma 'carreira' com os Titãs... Mas o mais importante, é que o texto é muito bom.

O livro é resultado de anos de pesquisa e centenas de entrevistas detalhadas, que dão ao autor o recheio necessário para as 400 páginas repletas de histórias, informação e análise sobre a década que o rock brasileiro realmente atingiu o grande público e construiu uma estrutura antes inexistente.

Ao contrário do que pode pretender Ricardo Alexandre, ele não esgota o assunto, o que é bom, já que essa foi uma época muito rica em acontecimentos, e que pode ter diferentes leituras, diferentes opiniões, outros sons, outras batidas, outras vibrações.

Esse período coincidiu com a redemocratização do país, a realização do primeiro Rock In Rio e outras circunstâncias favoráveis, como o plano econômico que permitiu grandes vendagens e shows lotados.

"Dias de Luta" vê na trajetória do RPM o retrato da década oitentista: o início no "underground", o sucesso vertiginoso, ascenção e queda. Todos os ingredientes estão lá, sexo, drogas, rock'n'roll e 'show business'.

É curioso ver que bandas dessa época, cada uma a seu modo, estão aí hoje, algumas com um sucesso ainda maior, todas com o seu Acústico MTV no currículo. É como diz aquela bossa-nova tropicalista :  "Eu, você, já temos uma história meu amor..."