"Técnicas de Masturbação Entre Batman e Robin", de Efraim Medina Reyes
por Danilo Corci
Speculum
Fotos: Capas da edição Nacional e da edição Italiana
21/09/2005

Quem seria o homem latino-americano deste novo milênio? O homem cercado pela violência urbana, onde seus ícones nacionais já não valem porcaria nenhuma, o tal fantástico do continente virou pó, o fracasso é seu companheiro mais fiel, a lobotomia pop está enraizada nos seu subconsciente mais profundo. Emerge então, um novo homem (mulher também), totalmente reformado, libertário.
Sua alcunha agora é cínico latino-americano.

Um ser auto-irônico, ultra-arrogante, cerebral e de limites frouxos. Assim é o latino-americano do colombiano Efraim Medina Reyes em seu pungente livro Técnicas de Masturbação Entre Batman e Robin (Editora Planeta, 296 págs, R$ 37, em média). Há motivos de sobra para prestar atenção no que Reyes escreve e na maneira como escreve.

Sérgio Bocamole é o alter-ego do autor. Um aspirante a escritor que vive na Cidade Imóvel (Cartagena), uma anti-Macondo de García Márquez - aliás, um dos alvos da fúria do autor. A vida de Bocamole gira em torno de mulheres, muita violência, drogas, rock, cultura pop e muita filosofia - de Pavese a Cioran, o maior punheteiro deprimido segundo a óptica de Reyes. Da banda dos amigos (a 7 Torpes) ao seu livro que vendeu apenas seis exemplares, Bocamole está envolvido na Fracasso Ltda, uma empresa cultural que tem editora, gravadora, estúdio cinematográfico. Como bom representante de um país de periferia mundial, quase tudo é um fracasso.

Reyes é um negador por excelência. Renega tudo e todos, em especial o Realismo Fantástico, fato que já lhe rendeu o rótulo de Realista Urbano. Mas sua literatura vai além desta simplificação. É de um pessimismo exemplar e cruel. Técnicas de Masturbação entre Batman e Robin é apenas uma ponta de iceberg. Sua narrativa fragmentada - sem cronologia, com inclusões de roteiros de cinema, manuais de auto-ajuda - traçam um perfil deste cínico irônico e arrogante.

Como seus conterrâneos Mario Mendoza e Jorge Franco e o chileno Alberto Fuguet, Reyes retrata o sufoco urbano da América do Sul, de pessoas presas a um ritmo insano, mal pagas e fudidas. Sergio Bocamole, o protagonista, não sofre dos complexos com pai e mãe, típicos da literatura latino-americana. Há, sim, uma margem de relacionamento que beira o desprezo, mas não como resultado psicológico, mas sim de simples falta de vontade.

Reyes credita ao pop, às novelas trash, sua formação literária. Diz: "As canções de Prince e os livros de Truman Capote, filmes como Paris, Texas, de Wim Wenders, a música de Pixies e Nirvana, as propostas de John Galliano, a comida da minha mãe, as lutas de Cassius Clay e Sugar Ray Leonard. As mulheres que me despedaçaram o coração quando tudo parecia perfeito. Os medos da minha infância, que ainda me assolam certas noites. A poesia de Emily Dickinson e Cesare Pavese. As feridas de bala que tenho na perna direita e na barriga, a de faca que tenho no lábio e as milhares que não se vêem por estarem lá dentro".

Assim respondeu à pergunta sobre influências feita pelo caderno Mais!, da Folha de S.Paulo, numa entrevista realizada em maio de 2004. Reyes é um cínico deslavado, um escritor que sabe que ninguém está ao seu lado e isto não é certo. Assim, funde a alta literatura com a literatura popular para tentar descobrir de onde vem este desencanto. Flerta com a paródia, mas cria um estrangulamento intelectual benéfico.

Batman e Robin, heróis por excelência, são mulheres e tem uma relação lésbica. Seu ícone e amigo poeta, músico, faz, no máximo, um tributo à demolição de um banquinho no porto. Aponta para nosso cinismo e fracasso. Quase sem saída, aponta um rumo bizarro para seu personagem, num fecho épico para o romance. Pela primeira vez, brilha o texto de um escritor que aponta nossa falta de saída, nossa vocação derrotista através de ícones comuns.

Efraim Medina Reyes surge como uma das vozes mais interessantes da literatura da parte americana abaixo do equador. Seu livro já pode ser incluído no rol de clássicos da década 00. Afinal, é sem rodeios, sem fantasias, sem mística. Como diz, nestas bandas, na Colômbia, em especial, as pessoas não somem por esconjuro - como em Márquez - mas sim por uma bomba do narcotráfico. Somos reais, somos frutos de uma cultura liquidificada. Somos cínicos e chorões. Somos todos da Fracasso Ltda. Somos todos Bocamole.


Texto cedido pelo site Speculum