Quem
é Rubem Fonseca?
por
Marcelo Damaso 13/01/2002
Ler
Rubem Fonseca é como fumar um cigarro com meio corpo
fora d’água na praia, nunca se sabe até quando
vai durar o prazer, e se for o caso do mar apagar, acredite,
era pra ser dessa forma, não poderia ser diferente. Ele
sabe como fazer, pois, é Deus nessas horas. Num deleito
de uma conversa entre amigos, num jantar em família,
num jogo de futebol, numa investigação pacífica
pode vir a acontecer um assassinato, um suicídio, uma
briga ou uma revelação, a trama seguirá
outro rumo. E nesse momento o leitor se torna escravo da imaginação
e perspicácia deste ex-policial.
Passando
pelo universo urbano, irônico, de possibilidades absurdas
e inquietações humanas (ao mesmo tempo atrozes),
Rubem Fonseca, considerado o maior contista brasileiro, introduz
o leitor a uma viagem repleta de sentimentos que, por vezes,
remetem a frieza e desequilíbrio de seus personagens.
Dentro de todo essa natureza mundana, que ele criou como marca
registrada, há uma sagacidade proeminente em sua voz
de narrador. Sendo do leão de chácara ao empresário
assassino, os acontecimentos se tornam inacabáveis na
medida em que se aproximam de nossa realidade urbana. Quase
sempre ambientando suas histórias no Rio de janeiro,
onde vive há muitos anos.
Em tempos distintos e, geralmente,
em primeira pessoa, ele percorre a trajetória de personagens
que oscilam entre boêmios, empresários, milionários,
assassinos, jornalistas, médicos, escritores, jogadores
de futebol, ex-detentos, etc. Sempre utilizando um narrador
onisciente que observa e atua entre o universo urbano e de tramas
extremamente bem elaboradas que conduzem o leitor da primeira
linha até a última sem dispersar atenção.
O estilo de Rubem é o diferencial, sem firula e com uma
objetividade marcante ele mantém um texto coeso, sutil
e de fácil assimilação.
Feito
um bom observador e contemplador da violência e de casos
esdrúxulos, no papel de m ex-policial que de fato foi,
Rubem Fonseca apresenta um dos textos mais maduros e versáteis
da literatura atual colocando-o (arriscando dizer) como um mito
vivo. Recluso à mídia e ao publico em geral, assim
como Dalton Trevisan, outro mestre no gênero, as pessoas
e amigos mais próximos sempre falam de seu bom-humor
e simpatia.
Em
obras adaptadas para o cinema como A Grande Arte, de
Walter Salles, e o recente Bufo & Spalanzani, a natureza
mórbida e inquieta de Rubem Fonseca é colocada
ao receptor de outra forma, e com características diferentes
das que se encontram em seu texto, pois em seus roteiros de
cinema perde o privilégio de ter dentro das palavras
de um livro uma surpresa na frase seguinte. Deve-se ter um cuidado
muito grande ao adaptar obras literárias para a película,
principalmente em gêneros como o de Fonseca, pois o suspense
que se coloca no cinema difere da arte que se encontra nos livros.
Entre uma linha e outra há sempre a presença de
alguma frase de efeito, ou mesmo de fonemas sutilmente poéticos
que inspiram a apreciação do leitor rumo ao desfecho,
ou a frase seguinte.
Numa
atmosfera de suspense, subversões, revelações
e adultérios, é preciso que a atenção
esteja completamente voltada para cada frase que, de estratégia
inverossímil, desloca a atenção do leitor
pra dentro das situações que se seguem e clamam
por um final. Final este que nem sempre está dentro de
"leis divinas" e éticas pregadas por valores humanos.
Rubem Fonseca sabe dar um desfecho que foge ao clichê
e ao piegas. Há contos em que as conclusões devem
ser tiradas pelo receptor e que, dessa forma, parecem ser histórias
interrompidas. Um tiro que nunca sai pela culatra. Ficções
que entram como heroína na veia de uma junkie.
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