O anti-herói da Geração-X 
por Vladimir Cunha 
vlad@disinfo.net

Buddy Bradley já está beirando os 30 anos, trabalha num sebo, adora discos de vinil, tem uma fixação em gravar fitas cassete, vive rodeado de mulheres problemáticas e seus únicos amigos são um nerd esquisitão e um picareta metido a 
astro do underground. Descrito assim parece até aquele livro. Como é mesmo o nome? Você aí, que levantou a mão... Ah tá, é isso mesmo: Alta Fidelidade. Obrigado. 

Pois é. As comparações fazem sentido, só que Ódio, o gibi de Peter Bagge que traz as aventuras do tal Buddy Bradley, veio bem antes (1990) e é um pouco mais, uh, "visceral" que a obra do escritor britânico. Na verdade, Buddy até poderia 
ter sido criado por Hornby. Isso se ele fosse norte-americano e, ao invés de ficar ouvindo o insosso rock inglês, preferisse descarregar sua agressividade quebrando tudo ao som de Dead Kennedys, Black Flag, Stooges e Ramones. 

E Ódio é assim: furioso e direto como um bom punk rock. Em seu cotidiano miserável de balconista de livraria, Buddy não perde tempo com reflexões sofisticadas a respeito da vida. Para ele, as mulheres são "vadias", os homossexuais "bichas sebosas" e o resto da humanidade não passa de "um bando de babacas". Prefere revistas em quadrinhos a livros e acredita que qualquer problema pode ser resolvido com uma boa dose de álcool. Tem aversão à arte - "perfomance é coisa de viado", afirma ele - e é incapaz de qualquer delicadeza. A não ser, é claro, que você considere um elogio alguém dizer que "ela tem uma bunda incrível. Dá vontade de arrancar esse cu e colar em alguém mais legal". Resumindo: é um perdedor nato, o último homem pelo qual uma mulher inteligente se apaixonaria. 

Nas mãos de alguém menos talentoso, toda essa carga de sentimentos negativos seria sinônimo de chatice. Mas não é, pois Peter Bagge é dono de um humor acima de qualquer suspeita. Com ele, as situações mais banais - como uma ida ao 
cabelereiro ou um jantar à luz de velas, por exemplo - se transformam em comédia rasgada, daquelas de deixar o leitor sem ar de tanto rir. Além disso, Bagge teve a manha de fazer um Buddy Bradley tão ridículo quanto os alvos de suas tiradas ferinas. Ao mesmo tempo em que sacaneia o amigo virgem, morre de medo da namorada, ao ponto de ter vergonha de admitir a ela que gosta de Alice Cooper porque a acha "refinada demais". Ou então, diz que odeia The Who e Ramones (mesmo tendo todos os discos das duas bandas) só para impressionar um casal de punks. Não bastasse, é meio covarde e tem pavor do irmão mais novo, um adolescente grandalhão fã de luta livre que alimenta o sonho de entrar para o Exército na expectativa de um dia poder matar alguem. 

É impossível não se identificar com Buddy Bradley. Quando rimos de suas aventuras, de certa forma estamos rindo de nós mesmos. Todo homem, pelo menos uma vez na vida, já fingiu ser o que não é para se dar bem com o sexo oposto, 
amarelou na hora de brigar com alguém mais forte ou sustentou as opiniões mais ridículas para não ficar por baixo em uma discussão. É esse despojamento de caráter que torna Buddy Bradley um cara simpático. Ele pode ser o nosso melhor 
amigo, um colega de trabalho ou o morador do apartamento ao lado. Ou o próprio leitor. Afinal, uma das coisas que faz a obra de Peter Bagge ser tão bacana é que ele não poupa ninguém. Ao ser acusado de racismo pela namorada - porque pega no pé de seu colega de quarto, que é negro - Buddy é bem claro em suas opiniões a respeito da raça humana: "Eu encho o saco do George porque ele é patético. O fato dele ser negro não tem nada a ver com isso. Trato mal todos os meus amigos independente de sexo, cor ou credo". 

Bem-vindos ao mundo de Buddy Bradley. Esse é o cara. 
 
Serviço: 
Ódio (Hate), de Peter Bagge, foi lançado no Brasil pela editora Via Lettera. 
Maiores informações em www.vialettera.com.br ou no site oficial da editora do autor, www.fanta-graphics.com
 

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