On The Road / Pé
na Estrada - Jack Keroauc
por
Leonardo Barbosa Rossato
http://coquette.blog.uol.com.br
25/10/2004
Poucos livros
tiveram o impacto e a importância que On The Road, de
Jack Kerouac, publicado em 1957, teve ao retratar a geração
que surgia nos pós-guerra americano: os beatniks. No auge do
"american way of life", que estava sendo importado para o mundo
todo, uns garotos americanos - leitores de Céline, Kafka, William
Carlos Williams e, principalmente, Walt Whitman - saíram, em
busca de sua individualidade e de uma América que estava se
perdendo na história.
É impressionante que esta busca da individualidade perdida -
e tudo que isso implica: sexo livre, drogas e muito jazz - no
fundo tenha tido como por objetivo a busca de um País que estava
se perdendo. No fundo, creio que os famosos libertários beatniks
nostálgicos da época em que Whitman saía pelas ruas escrevendo
sobre as pessoas que vira, conhecera e sobre si mesmo. Na época
que a América era mais ingênua e genuína.
Porém, a ingenuidade havia partido e os EUA estavam entrando
no ápice de um frenético consumismo que, por fim, tomaria conta
do País. Os baby-boomers nasciam com a TV na frente da cara,
o mundo estava encaretando e tudo começava a ficar chato. Neste
cenário cômodo os beatniks eram os deslocados. Hipsters. Gente
como Kerouac, Ginsberg, Ferlinghetti, Burroughs, Soloman, Corso,
o mito Neal Cassady e tantos outros como os poetas marginais
paulistas: Roberto Piva, Cláudio Willer e Jorge Mautner. Homo
e bissexuais, drogados, amantes de um estilo de vida que o "american
way of life" não conseguiria comportar. Talvez seja neste ponto
que alguns caras (como Kerouac) tenham encontrado a "saída"
no zen-budismo enquanto outros (como Ginsberg) chegaram no LSD,
em busca de experiências humanas e estéticas autênticas e profundas.
"Desejaria que Dean e Carlo estivessem ali - aí percebi que
estariam deslocados e infelizes. Eles eram exatamente como o
homem melancólico que geme na masmorra, erguendo-se dos subterrâneos,
os sórdidos hipsters da América, uma inovadora geração beat,
com a qual eu estava me ligando lentamente".
On The Road não é um romance que revoluciona a linguagem,
e nem é esse seu intuito. A grande sacada é o modo como ele
é escrito, datilografado. Como criticou Truman Capote. É tudo
isso e mais um pouco o que o faz ter vida. Parece que Kerouac
sentou a frente de sua máquina ouvindo Miles Davis e começou
a escrever da mesma forma que Miles tocava. Frases longas, improvisadas,
sem pontuação. Ele não podia cortar as frases, se as cortasse,
jorraria sangue.
O livro retrata quatro grandes viagens que Kerouac fez procurando
a verdadeira América. Logo no começo somos apresentados a Dean
Moriarty, guru da geração beat. Rebelde louco anarquista amante
da vida preso várias vezes porra louca mor. Encantou a todos.
O livro conta as aventuras destes dois amigos e de tantas pessoas
que eles encontraram no caminho pelas estradas da América. Estradas
que até o tradutor brasileiro, Eduardo Bueno (o Peninha) percorreu
ouvindo Bob Dylan. Não há como não se apaixonar por Dean Moriarty,
como não querer conhecer pessoas como ele, simplesmente para
escrever sobre.
O mais impressionante é a vitalidade da literatura aliada à
vontade de viver e de estar na estrada, em movimento. Por mais
que, para os desavisados, a literatura de Kerouac seja descuidada,
cada pequena palavra que se desenha em cada frase retrata um
pouco da geração na qual ele, mesmo não querendo, tornou-se
seu guru. É um modo de viver e de escrever que se baseava no
movimento, no não estagnar-se, no buscar algo novo sempre, mesmo
não sabendo exatamente o que se está procurando. Simplesmente
indo.
Estávamos maravilhados, deixávamos a confusão e o absurdo
para trás, e executávamos a única função nobre de nossa época:
manter-se em movimento. E nos movíamos. Jack Kerouac lançou
muitos outros livros, como O Subterrâneo, The Dharma Bums
e The Town and The City, que não foram tão bem aceitos
pela crítica. Diziam que sua prosa jazzística estava se tornando
uma fórmula. Amargurado, o escritor morreu alcoólatra e com
raiva de todos.
Tempos atrás, o teatrólogo Mário Bortolloto montou um monólogo
que refazia os últimos dias da vida de Kerouac, quando este
recebia um bilhete, apenas explicado no final, que contava da
morte de Neal Cassady, o Dean Moriarty de On The Road.
A peça é interpretada com o coração e com o corpo de Bortolloto,
que se esforça ao máximo para nos mostrar todas as contradições
do escritor, para então, encontrar o homem por trás do mito.
O homem que fez uma geração se revoltar, mas na verdade era
um cristão patriota e um individualista amargurado. As contradições
que fizeram de Kerouac - e fazem todos nós - humanos, demasiado
humanos.
Tive a oportunidade de assistir a esta peça. Após sair do teatro,
fui reler o livro ouvindo Billie Holliday e cada palavra que
lia era como se o próprio Jack estivesse na minha frente contando
todas as suas histórias. Com um sorriso no rosto que só quem
não separa literatura da vida pode ter.
Se você é jovem e ainda não leu este livro, está perdendo seu
tempo, mas ainda há como recuperar, a não ser que você prefira
ficar estudando para o vestibular, ou tentando passar naquela
matéria idiota da faculdade ou simplesmente esteja vivendo cada
dia a espera do próximo, um morto-vivo flutuando entre pares.
On The Road é uma experiência literária e humana. Quando
terminei de lê-lo, deitado na rede de casa, simplesmente fechei-o
e saí por aí andando pela cidade. Não dá pra ficar parado. Talvez
o livro não tenha inventado uma geração, mas, com certeza, reinventa
cada um que o lê.
No fim das contas, ali estávamos nós, transando com o inferno
e com a amargura de nossa própria e exausta vida beat, naquelas
horrorosas ruas dos homens, e foi isso o que ele disse e cantou:
- "Close your" -, e lançou seu uivo em direção ao teto, para
além dele, rumo às estrelas e ainda mais longe: " E-y-y-y-y-y-y-es"
- e cambaleou para fora do palco, remoendo sua filosofia atormentada.
Sentou-se num canto junto com uma turma de garotos suados e
meninas com o cabelo desgrenhado e, simplesmente não deu a menor
bola para eles. Olhou para o chão e chorou. Era o maior.
On The
Road está sendo relançado pela L&PM
Lançado nos Estados Unidos em 1957, em meio ao conservadorismo
norte-americano da década de 1950 e da Guerra Fria, On The Road
transformou-se instantaneamente em um sucesso e em um marco
da literatura moderna. Dava voz à geração crescida durante a
Segunda Guerra mundial, para quem os resultados desta e o mundo
surgido após o conflito não bastavam. Além de passar para a
história como o romance mais famoso de Kerouac, On The Road
tornou-se a Bíblia de geração beat. Para os jovens que vieram
depois, mantém-se como um libelo de discordância e da busca
da libertação das amarras do complicado mundo moderno.
Esta edição em formato de livro de bolso traz a tradução revista,
com nova introdução e posfácio de Eduardo Bueno, que traduziu
para o português o texto de Kerouac (lançado no Brasil pela
Brasiliense em 1984). A reedição de On The Road faz
parte de um projeto da L&PM Editores de reeditar os títulos
de Kerouac no Brasil, além do lançamento de títulos inéditos
no País. Até o final de 2004, a L&PM publicará The Dharma Bums
(inédito) e O Viajante Solitário.
Jack Kerouac nasceu em Lowell, Massachusetts, em 1922; era o
mais novo de três filhos de uma família franco-americana. Estudou
em escolas católicas e públicas locais e, como jogava futebol
americano muito bem, ganhou uma bolsa para a Universidade de
Columbia, na cidade de Nova York, onde conheceu Neal Cassady,
Allen Ginsberg e William S. Burroughs. Largou a faculdade no
segundo ano e juntou-se à Marinha Mercante. Seu primeiro romance,
The Town and the City, saiu em 1950, mas foi On the
Road (Pé na Estrada), publicado em 1957, rememorando suas
aventuras ao lado de Neal Cassady, que exemplificou para o mundo
aquilo que ficou conhecido como "a geração Beat" e fez com que
Kerouac se transformasse em um dos mais controversos e famosos
escritores de seu tempo. Ele morreu em St. Petersburg, Flórida,
em 1969, aos 47 anos.
Eduardo Bueno, tradutor, fala sobre o livro
P - Em que consistiram as alterações feitas na tradução de On
The Road, da versão de 1984 para o texto que chega agora às
livrarias em formato pocket?
R - Embora mantenha a mesma paixão, a tradução tem menos exageros
e mais precisão. O estilo de Kerouac é reconhecidamente verborrágico.
O meu também — ainda mais aos 22 anos. A revisão da tradução
tornou-a mais enxuta, mais direta, mais focada. Sem perder o
fervor.
P - On The Road foi lançado originalmente nos Estados
Unidos da Guerra Fria, em 1957. De lá para cá, o que mudou na
maneira com que o livro é recebido? Qual o significado de On
the road para no mundo de hoje?
R - O livro continua arrebatando corações e mentes. Quando
ele foi lançado originalmente, os EUA, a maior democracia do
mundo, viviam um período de trevas, com o macartismo em pleno
vigor. Hoje, os EUA estão outra vez envoltos em sombras virtualmente
ditatoriais, com um presidente que NÃO foi eleito no poder.
Isso só aumenta a atualidade do livro e o mantém como fonte
de inspiração para todos aqueles que acham que a vida real se
desenrola muito mais no acostamento no que na via expressa.
Site Oficial da Edityora L&PM
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