Nirvana Nunca Mais (Mark Lindquist)
(Editora Globo)
 por Alexandre Petillo


Sempre fui um leitor compulsivo. Comprava cerca de 20 títulos diferentes de revistas em quadrinhos quando era adolescente. Consumia vários livros, mas durante um tempo, parei um pouco de lê-los. Acreditava que precisaria de uma cultura mais instantânea para rechear dias repletos de álcool, futebol e garotinhas exóticas. 

Por isso, não acho que seja um bom "crítico literário". Costumo elencar entre os meus livros favoritos, alguns que podem não ser um primor em escrita, nem ter um ritmos fluído ou alguma sacada genial. Prefiro aqueles que de alguma forma me tocam, que fazem com que eu escute um estralo lá dentro, seguido de um frio na barriga em algumas passagens. 

Pode parecer exagero para alguns, mas "Nirvana Nunca Mais" (Editora Globo), do escritor Mark Lindquist, é um desses livros. Assim como eu, o próprio autor e o personagem principal, a música dita os rumos de nossas vidas em muitos momentos. 

Em linhas gerais, "Nirvana Nunca Mais" conta a história de Peter Tyler, um ex-vocalista de uma banda grunge, que largou tudo para virar promotor público. Atormentado por uma crise de meia idade, que o impede de crescer totalmente, Tyler não consegue largar o "rock’n’roll way of life" e ainda continua bebendo até cair, freqüentando prostíbulos e saindo com strippers. Para complicar ainda mais a sua vida, um caso de estupro cai em suas mãos. O único problema é que o acusado é um dos roqueiros mais conhecidos de Seattle, e o escândalo envolve toda a cena musical da cidade. Em uma realidade paralela, o acusado poderia ser o próprio Tyler. 

Apesar do que o título sugere, o livro não conta a história do grunge, mas usa Seattle como cenário e todos os elementos do grunge como pano de fundo. Estão lá algumas bandas, algumas conhecidas (Pearl Jam, Alice In Chains, Soundgarden) outras obscuras (PacNorWest, Girl Trouble, Murder City Devils), a Sub Pop, clubes lendários como o Crocodile, o Pink Door... 

Deliciosamente, Lindquist nomeias seus capítulos com títulos de músicas, discos ou versos de canções que fizeram a alegria de quem ouviu o bom rock no fim dos anos 80, começo dos 90. 

A escrita de Lindquist é rápida, cheia de informações e referências, com um aguçado senso de ironia, sutil,  combinada com a sua grande habilidade em criar diálogos irresistíveis e hilários. Peter Buck, do R.E.M. e Bret Easton Ellis, de "Psicopata Americano", são fãs declarados. 

O livro também pode servir para que as mulheres tenham certeza do quanto os homens são loucos, estranhos e indecisos. Tyler acredita que para dar estabilidade a sua vida, deve se casar. Mas ele não sabe com quem. Enquanto decide, mantém um relacionamento com uma stripper e uma secretária da Sub Pop, e ainda sofre com o fantasma do primeiro amor. Ocasionalmente, renova as energias com outras garotas, strippers ou não. 

A identificação pode ser ainda maior do que a que ocorreu com o livro "Alta Fidelidade", do inglês Nick Hornby. Em "Nirvana Nunca Mais", o personagem principal prefere encher a cara e procurar strippers, ao invés de chorar as mágoas arrumando a coleção de discos. Bem mais real. 

"Nirvana Nunca Mais" é o terceiro livro de Mark Lindquist, e o primeiro em 10 anos. O escritor também lançou “
"Sad Movies" e "Carnival Desires", inéditos no Brasil. Durante os anos 80, Lindquist foi um dos novos nomes mais celebrados na literatura americana. Junto com o supra-citado Brett Easton Ellis, Lindquist fundou o Brat Pack, uma alusão ao Rat Pack de Frank Sinatra, onde pesos-pesados se juntam para farrear. 

Lindquist acabou deixando Seattle e mudou-se para Los Angeles, trabalhando como roteirista para vários estúdios de cinema. Em 92, voltou para Seattle e deixou a vida desregrada de lado, entrou na faculdade de Direito. Para não enferrujar, tornou-se colaborar de revistas como a Details e do New York Times Book Review. De volta ao mundo do rock e da literatura, Lindquist não se arrepende da escolha que fez, ainda mais porque foi premiado com um dos 10 mais interessantes promotores dos Estados Unidos, pela revista People. 

O Scream & Yell conversou com Lindquist, em entrevista exclusiva. A propósito, eu me formei em Direito e acabei deixando o mundo dos advogados de lado para escrever. Será que eu fiz certo? "Claro, muito certo. Como Joseph Campbell costuma dizer, 'siga seus instintos'", me disse Lindquist. Então tá. 


Scream & Yell – O que você acha dos escritores pop? Considera sua literatura como sendo pop?  

Mark Lindquist – Sim, claro que é pop. Adoro escritores pop, especialmente Jack Kerouac, Jacqueline Susann, Kurt Vonnegut, Bret Easton Ellis e F. Scott Fitzgerald. 

Você mora em Seattle?  

Eu morava. Agora eu vivo em um loft bem ao lado de Seattle. É bem mais barato. 

Quando você teve a idéia de escrever "Nirvana Nunca Mais"? 

Eu nasci e cresci em Seattle, mas me mudei para Los Angeles quando tinha 19 anos. Morei lá até 92, aí voltei para Seattle. Quando eu cheguei na cidade, pensei em algumas idéias para o livro, baseado em algumas observações. Então comecei a fazer anotações, alguns tópicos. Só comecei a trabalhar realmente no livro depois de 97. Quando eu voltei a morar em Seattle e voltei a andar com os meus amigos que tinham bandas, fui para faculdade de Direito, me tornei promotor, fui observando as coisas, fazendo anotações. Eu sabia que eventualmente eu ia escrever esse livro, não importando quando fosse. 

Tanto Peter Tyler, o personagem principal de "Nirvana Nunca Mais", como você, largaram o rock pelo Direito. Assim como o personagem, você também não se casou e não tem uma vida muito estável. O livro autobiográfico? 

Não, tem algumas coisas que aconteceram comigo também, mas são coincidências. As únicas semelhanças entre Lindquist e Tyler é que ambos amamos música, garotas e beber até encher a cara. Mas isso muitos outros caras gostam também. 
Mas dizem que as pessoas que tem 20, 30 e poucos anos costumam ter mais de uma carreira na vida, as vezes até três. A idéia de transição me interessa muito. E a idéia de alguém fazendo uma grande transição, como, por exemplo, de roqueiro para promotor de Justiça, me fascina mais ainda.  Acho que não sou tão imaginativo. Mas eu tenho que viver e conhecer as coisas que escrevo sobre. Mas o livro não é sobre a minha vida ou sobre as pessoas próximas que costumam se embriagar comigo e contar suas histórias. 

Como você analisa a importância de "Nevermind", o disco, dez anos depois?  

Ocasionalmente o underground quebra tudo e invade o mainstream, explodindo tudo e não deixando pedra sobre pedra. O Nirvana foi uma dessas explosões. Não sei se vai deixar algum lastro na história da música norte-americana. Mas definitivamente mudou Seattle, pelo menos. Quando eu era adolescente, Seattle era um lugar onde os aventureiros iam embora. Hoje é um lugar para onde os aventureiros vêm. Foi muito bom para a cidade. Antigamente, as pessoas que eu conhecia quando era criança, queriam ser escritores, músicos, cineastas, queriam mudar para Los Angeles ou Nova York. Agora é um lugar onde as pessoas criativas vem morar, não é mais um lugar para ser abandonado. 

Você é muito apaixonado por rock? Coleciona discos e tal?  

Cara, rock é a minha vida. Eu já teria me matado se não fosse pela música, pelo rock’n’roll. Eu adoro Beatles, R.E.M., U2, Replacements, Nirvana, Smiths, Bruce Springsteen, Elvis Costello, Pearl Jam, todo o pessoal da Motown, Velvet Underground e muito mais gente que eu poderia listar aqui. 

E o tem ouvido o quê ultimamente?  

Eu tenho ouvido muito o "Automatic For The People", do R.E.M. enquanto trabalho no meu novo romance. Também tenho ouvido uma nova banda chamada The Strokes. 

Quem você prefere: Nirvana ou Pearl Jam? 

Nirvana, mas eu também amo o Pearl Jam. Eu gosto dos dois. Eu também gosto de Replacements e R.E.M., gosto de Beatles e Rolling Stones. Existem coisas na vida que você não tem que escolher. 

Como você consegue ser, ao mesmo tempo, um dos mais interessantes promotores dos Estados Unidos segundo a People e um escritor pop? 

Escritores pop são sempre interessantes, não são? 

Por que você desapareceu do mundo literário por quase 10 anos? 

Cara, eu pirei. Eu estava enlouquecendo cada vez mais e precisava parar. Eu também precisava respirar novos ares, morar em outros lugares, conhecer outras pessoas. Foi fundamental. Eu acho que não importa o que você está fazendo, ou o quão bom é o show que você está, mas existem momentos que você precisa dar uma parada. Você precisa retroceder e lembrar porque você quer seguir adiante e fazer o que está fazendo. Colocar as coisas em perspectiva. Eu imaginava o desejo de voltar a escrever. Eu lembro de uma música que eu ouvia muito nessa época "reclusa": "Any Other Way", do Posies. 

Como a sua experiência escrevendo roteiros em Hollywood ajudou no seu estilo de escrever?  

A melhor coisa de escrever roteiros é o dinheiro. O dinheiro que vem dos roteiros fizeram possível a possibilidade de escrever romances em Los Angeles. Muitos escritores tem que fazer alguma coisa extra pelo dinheiro. Alguns escrevem roteiros, outros ensinam alguma coisa para alguém. E tem também aqueles que viram advogados (risos). Escrever e reescrever roteiros te ensina duas coisas: como estrutura uma história e como cortar as partes mais chatas para o leitor. 

É muito difícil escrever sobre música? Ou ter a música como pano de fundo da história? 

É muito difícil. Ainda mais quando você é apaixonado por música. Salman Rushdie enlouqueceu quando tentou escrever sobre musica, especialmente quando você não pode efetivamente descrever música com palavras - música é um meio de linguagem. Mas você pode descrever como a música afeta os personagens, os cenários, o modo de viver. Ou ajudam definir um período de tempo. 

Como você consegue ser um promotor de dia e um escritor de noite?  

Eu simplesmente não tenho vida. 

Você teve dificuldades em escolher entre ser adulto ou continuar adolescente?  

Eu não escolhi ainda. 

Você conhece alguma coisa do Brasil? Esperava fazer sucesso aqui?  

Eu estou surpreso e contente com o sucesso de "Nirvana Nunca Mais" no Brasil. Eu não conheço muita coisa do Brasil, mas eu adoraria visitar o País. 

Quais serão os seus futuros lançamentos?  

Eu pretendo finalizar o meu romance em poucos meses. Eu acho que ele será publicado no Brasil, porque "Nirvana Nunca Mais" está vendendo bem por aí. Deve ter um monte de gente legal e inteligente no Brasil (risos).