"Mulher
Maravilha - O Espírito da Verdade"
por
Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br
Encerrando o "círculo dos sexagenários",
a Editora Abril publica no Brasil "Mulher Maravilha - O Espírito
da Verdade". Esclarecendo: a DC Comics, editora detentora dos direitos
de publicação de vários super-heróis populares
das chamas Eras de Ouro e de Prata dos quadrinhos, teve a iniciativa de
homenagear os sessenta anos de criação de quatro de seus
personagens mais famosos com edições especiais luxuosas cujas
histórias fossem centradas no conceito de cada herói. Assim,
a partir de 1998, Super-Homem, Batman e Capitão Marvel ganharam
cada qual sua edição, e em 2001, foi a vez da Mulher Maravilha,
a heroína amazona criada por William Messner Loebs em 1941.
Com pouco menos de um ano de atraso,
essa edição chega ao Brasil um pouco deslocada de seu contexto.
Publicada lá fora pouco após os atentados de 11 de setembro,
a incerteza que tomou os EUA parece permear toda a história, sem
desviá-la da idéia original: recuperar a essência da
personagem. Para quem só conhece a moça de lembranças
distantes da infância: a Mulher Maravilha foi enviada de sua terra
natal, Themyscira (a paradisíaca ilha onde vivem as amazonas da
mitologia grega), ao "mundo dos homens" para ser embaixadora da paz e ensinar
aos humanos comuns a "verdade" que eles não conseguem enxergar.
Mas a paz imbuída nessa verdade não pode ser conquistada
sem conflitos e sem respeitar as diferenças culturais e sociais
do mundo real, e isso é algo que a heroína aprende a duras
penas nessa história.
Então,
"O Espírito da Verdade" é uma história sobre uma ignorante
superpoderosa que percebe o óbvio depois de fracassar repetidamente?
Não exatamente. A Mulher Maravilha transita da China ao Iraque,
passando até pelo Brasil (nenhuma nação é nominalmente
citada, mas até uma criança percebe as referências
óbvias), vendo que não é uma mulher com atributos
super-humanos (em todos os sentidos) vestida em trajes sumários
ditando uma verdade imposta que vai convencer a humanidade a aprender lições
de paz e fraternidade que séculos de suposta civilização
não ensinaram. Assim, ela aprende que o terrorismo e a opressão
política não são eliminados com feitos fantásticos
ou diálogos bem-intencionados - talvez estejam até mesmo
além de qualquer solução. Pode-se até dizer
que a trama é uma fábula simpática sobre uma fascista
que descobre o quanto suas crenças são distorcidas.
Apesar desse ponto positivo, é
óbvio que não estamos diante de um marco dos quadrinhos,
afinal, o argumentista Paul Dini já provou nas edições
dos outros personagens que não consegue dissociar o ideal de heroísmo
do orgulho paternalista americano. Em alguns momentos, fica evidente a
postura "didática" que a amazona assume junto de membros do governo
americano, o único que parece tê-la recebido bem. Mas - também
como nas demais edições - esse pormenor é compensado
pelo ritmo ágil da narrativa (o que é de fato uma especialidade
de Dini, mais afeito a roteiros de desenhos do Batman e Super-homem para
a TV) e pela arte primorosa de Alex Ross. O realismo desse pintor não
é estéril como acusam: basta conferir as belas (ainda que
breves) imagens de Themyscira, inspiradas na Roma dos Césares, ou
a beleza jovial que ele conferiu à protagonista, ao contrário
do ar maduro que as histórias em série costumam lhe emprestar.
E no meio disso, algumas imagens emocionalmente apelativas passam batido,
sem incomodar muito.
"Mulher Maravilha - O Espírito
da Verdade" está muito aquém do brilho total que os quadrinhos
podem alcançar, mas supera em dignidade textual e qualidade gráfica
muitas das abobrinhas que encontramos semanalmente nas bancas. Vale conferir,
nem que seja pela razão mundana de apreciar a exuberante beleza
da heroína no teraço único de Alex Ross.
Leonardo Vinhas,
23, insiste que sua amiga Hellen é quase idêntica à
Mulher Maravilha, mas ninguém - nem ela própria - acredita
nisso. |