Many
Years From Now - de Barry Miles
A biografia
autorizada de Paul McCartney
por
André Luiz Fiori
Por
mais inusitado quer possa parecer, dá pra acreditar que o maior
defeito de um tijolão de setecentos e cinqüenta páginas
seja justamente o fato de que falta muita coisa ?
Afinal, o focalizado não é
qualquer um. É a biografia de Paul McCartney.
Em se tratando de uma biografia autorizada,
pode se desconfiar da idoneidade da coisa (por exemplo, que só vai
se falar bem e etc), mas não é o caso de "Many Years From
Now".
O autor é Barry Miles, amigo
de Paul há décadas, e que também testemunhou todos
os acontecimentos da época. O principal fio condutor da narrativa
são mesmo os depoimentos de Paul ao autor, assim como também
os de outras pessoas mportantes na vida dos Beatles.
O processo de composição
de dezenas de clássicos de Lennon & McCartney são esmiucados
em detalhes: quem fez o que, qual canção é mais de
Paul, qual é mais de John, qual é parceria mesmo, qual é
só de um deles, etc. Toda a trajetória dos Beatles, contada
por quem esteve lá, com detalhes deliciosos de sessões de
gravação, viagens, histórias de bastidores e tudo
o mais. Paul procura não esconder nada, e discorre sobre fama, sexo,
drogas, família, negócios, dinheiro, John, George, Ringo,
Brian Epstein e George Martin.
Além da história dos
Beatles propriamente dita, o livro se atém bastante à toda
a atmosfera da época: as outras bandas, a "Swinging London" (que
é como é chamada toda a efervecência que rolou na capital
inglesa lá pelos anos de 66 / 67 / 68, por aí... ) e todas
as mudanças daquele período.
Em um certo momento, Paul declara
que "Os anos 60 foram uma época tão avançada e com
tantas coisas acontecendo, que eu sempre penso nos anos 60 no futuro, é
como se eles ainda fossem acontecer... "
O livro desmistifica muita coisa
que se julgava verdadeira sobre a trajetória dos Beatles. Também
revela que Paul era o mais vanguardista da banda, e Lennon o mais convencional,
ao contrário do que sempre se supôs.
O autor Barry Miles já inicia
dizendo:
"Os Beatles ficaram tão cercados
de mitos, fantasias e especulações, que se tornou praticamente
impossível determinar alguma coisa afora os fatos básicos
de suas vidas. Há muito poucas entrevistas confiáveis com
eles, quando estavam no auge da fama. Quando quatro pessoas criam música
juntas, fica difícil determinar qual indivíduo e responsável
pelo que, e a
tendência e atribuirmos tudo
que gostamos ao nosso beatle predileto.
Tudo que seja mesmo remotamente experimental
ou vanguardista é sempre atribuído a John Lennon, inclusive
os loops e experimentações orquestrais de Paul em 'A Day
in the Life'. Na realidade, John desconfiava bastante de tudo que fosse
vanguardista, dizendo: 'avant-garde é babaquice em francês'.
Só começou a mudar de opinião, quando se uniu a Yoko
Ono em 1969 e, mesmo assim, precisou fazer um esforço consciente
para superar aquelas suas restrições.
Este livro é uma tentativa
de resolver o problema das atribuições, dissipar alguns dos
erros que tem passado de biografia a biografia e oferecer um retrato atento
de Paul e seu círculo, na Londres dos anos 60. Paul era o único
beatle que morava na cidade, o único que era nominalmente solteiro.
Podia ser encontrado nas vernissages
e estréias, as boates e bares que ficavam abertos até tarde
da noite, nos happenings e eventos experimentalistas que tanto caracterizavam
os meados da década de 60.
Ele fez seus próprios experimentos
no campo dos loops e das superposições de imagens de filme,
coisas que acharam lugar na obra dos Beatles, mas que geralmente são
atribuídas a John. Uma vez que Paul nao tornou isso público,
trata-se de um lado pouco conhecido de sua figura, algo que este livro
aspira a revelar.
Infelizmente,
após o assassinato, qualquer tentativa de avaliar com objetividade
o papel de John Lennon nos Beatles se tornou inevitavelmente iconoclástica.
Lennon virou 'São John', um papel que iria diverti-lo tanto quanto
horrorizá-lo. Embora John não esteja mais aqui para contar
seu lado da história, o puro e simples volume das entrevistas com
ele existentes implica que Lennon já abordara grande parte das questões
contenciosas.
A partir de 1969, quando iniciaram
sua campanha pela paz, John e Yoko chegaram a dar dez entrevistas por dia,
ao passo que os outros Beatles raramente falavam à imprensa. Por
isso, temos as opiniões de John sobre a maioria dos assuntos importantes,
aí incluídos, felizmente, seus comentários a respeito
de muitíssimas composições de Lennon e McCartney.
Durante a elaboração
deste livro, Paul e eu conversamos sobre todas as composições
de Lennon e McCartney, inclusive aquelas gravadas por outros artistas que
não os Beatles. De caso pensado, Paul não leu de antemão
os comentários de John. Mesmo assim, em apenas duas situações
entre mais de oitenta, houve sério desacordo sobre quem teria sido
o compositor (John reinvindicara mais de 70% da letra de 'Eleanor Rigby',
e Paul lembrava ter composto a música de 'In My Life')."
A leitura de 'Many Years From Now'
corre leve e límpida, e é uma delícia para qualquer
fã de música pop. Realmente é o relato mais detalhado
sobre Paul e os Beatles até hoje, pelo menos até a publicação
esse ano, de "Antology", que até o momento, não tem edição
em português.
Esse livro poderia ter duas partes.
Fala-se muito sobre os Beatles, mas quando chega a hora da carreira solo,
esta é tratada apenas de relance, deixando de fora muita coisa legal
de se saber. Quase não se fala da boataria "Paul is Dead', quase
não se cita os Wings (e Denny Laine, seu principal músico
) ou mesmo seus melhores discos da fase solo.
Devem existir histórias muito
boas sobre as gravações com Michael Jackson e Stevie Wonder,
as excursões dos Wings (que chegaram a fazer bem mais turnês
que os Beatles ) e casos como o de sua prisão no Japão por
porte de maconha.
Mas, quem sabe, possa vir uma parte
dois por aí. O livro termina com a morte de Linda, e não
deixa de ser irônico o título
"Muitos Anos Pela Frente ...".
André,
36, não tem tempo pra terminar seu zine e nem o seu site, mas fez
questão de colaborar com o Scream & Yell |