"Mais
Pesado Que O Céu", de Charles Cross
por
Victor Hugo Lopes
victorhugolopes@yahoo.com.br
12/06/2002
"Sua
mãe cuida dele a maior parte do tempo. Demonstra seu
afeto carregando-o, fazendo-lhe elogios quando ele merece e
participando de muitas de suas atividades. Ele responde ao seu
pai porque, ao vê-lo, sorri e gosta que seja carregado.
Ele dá a conhecer seus desejos gritando alto no começo,
depois chorando, se a primeira técnica não funcionar."
Trata-se dos primeiros dias de um astro do rock que tombou inerte
27 anos depois com um tiro de espingarda na boca. Parece estranho,
mas são palavras de uma tia sobre o vocalista do Nirvana,
Kurt Cobain, ainda bebê.
A primeira biografia decente de um dos maiores nomes da música
pop finalmente foi lançada no Brasil. Mais Pesado
Que O Céu (Heavier Than Heaven - Editora Globo,
R$ 43,00), de Charles Cross, é a história definitiva
sobre a vida do líder do Nirvana. O autor fez mais de
400 entrevistas, escutou milhares de fitas e teve acesso exclusivo
aos 28 diários de Cobain. O resultado final é
primoroso. Elucida muitas dúvidas sobre a conturbada
relação do músico com família, amigos,
sucesso, drogas e iniciação sexual frustrada.
Charles Cross é jornalista e ex-editor da Rocket,
primeira revista a dar capa para a banda. O livro é mais
que um objeto exclusivo aos fãs. Retrata uma geração
inteira. E dissolve a mítica imagem de Kurt como um ranzinza
psicótico e resmungão.
Está mais para um cara que viu a família ser despedaçada
diante de seus olhos e que carregou consigo o sentimento de
ser culpado. A revolta e angústia gerou grandes canções
e converteu jovens aos clamores do rock, embora o próprio
Cobain perdesse progressivamente o interesse pela fama.
O autor concedeu entrevista ao S&Y por e-mail. Atencioso,
respondeu as perguntas agilmente. Cross toca na introspectiva
alma de Cobain em algumas palavras, calorosas na maioria. Não
deixa de mostrar uma alegria de (re)conhecer o talento do músico
logo no início.
Mesmo assim reconhece que o mistério em torno de Kurt
não vai cessar tão cedo. "Ele é um cara
difícil de entender. Gastei quatro anos pesquisando sua
vida e ainda não sei se o entendo melhor."
Como
foi seu primeiro contato com o Nirvana?
Como editor da Rocket, uma revista de música,
havia ouvido falar deles logo no começo. A Rocket
fez a primeira história de capa sobre a banda. Eu segui
a carreira do Nirvana desde o início.
Como foi a pesquisa para escrever o livro?
Muito trabalhosa. Eu passei quase quatro anos nela. Fiz centenas
de entrevistas, escutei milhares de fitas e viajei por todo
o mundo para pesquisar o livro.
No livro, você diz que a primeira vez que Kurt usou
drogas foi quando rompeu o namoro com Tobi Vail. Foi o início
do fim? Courtney Love tem alguma culpa, como acreditam alguns
fãs?
Não penso que culpa é algo que possa ser atribuído
em uma questão como o vício. Acho que só
podemos culpar o próprio Kurt pelas escolhas que fez,
tanto a escolha de usar drogas quanto a de tirar sua própria
vida. Mas continua sendo pensado popularmente que Courtney iniciou
Kurt na heroína e claramente isso não é
verdade.
É possível entender o espírito de Cobain
através de suas letras?
Acho que Kurt colocou muito de si mesmo em suas letras. Se podemos
entendê-lo por elas ou não, não tenho certeza.
Ele é um cara difícil de entender. Gastei quatro
anos pesquisando sua vida e ainda não sei se o entendo
melhor.
Layne Staley, vocalista do Alice In Chains, morreu em circunstâncias
semelhantes às de Cobain. Pode ter sido mais que coincidência?
Por quê?
Isso é uma coincidência e nada mais. Apesar da
espiral descendente ter sido a mesma. Os dois tinham muito acontecendo
por eles e ambos escolheram drogas no lugar da vida.
Os boatos que a revista Vanity Fair publicou sobre
a gravidez de Courtney pertubaram Kurt. Como foi a situação
em casa?
Eles sempre tiveram um relacionamento tumultuado. Isso foi desde
o começo. A atenção da imprensa certamente
se somou a isso, como o faria com qualquer família. É
verdade que Kurt chegou a pedir o divórcio, mas Courtney
também o havia feito. Acho que qualquer relacionamento
entre dois viciados terá altos e baixos semelhantes.
No entanto, tenho certeza que Kurt amava a Courtney o melhor
que ele podia.
A faixa You Know You're Right foi divulgada em vários
sites. Conte um pouco sobre o impacto que isso causou nos EUA.
Bem, apenas trechos foram divulgados. Não é o
mesmo que o lançamento completo. Os fãs do Nirvana
parecem gostar da faixa. Eu mesmo gosto da música e penso
que é uma das melhores do Kurt.
Quando o esperado box set do Nirvana vai ser lançado?
Prevejo que o veremos tão logo a disputa judicial se
resolva (Courtney entrou na Justiça para evitar que os
ex-membros da banda, Dave Ghrol e Krist Novoselic, lançassem
o material). Mais com relação a quando, eu também
gostaria de saber.
O mitológico conflito entre Kurt Cobain e Eddie Vedder
era baseado em quê?
Nunca houve na realidade uma briga. Isso foi algo criado pela
mídia para vender jornais. Kurt realmente criticou a
música do Pearl Jam algumas vezes, mas nunca teve nada
pessoal contra Vedder e no fim de sua vida penso que você
pode seguramente chamá-lo de um amigo.
Kurt realmente não pagou os US$ 600,00 que pegou emprestado
com Jason Everman para gravar o álbum Bleach?
Correto. Ele nunca o pagou.
O que os demais membros do Nirvana sentiram em relação
ao livro?
Eu não sei. Não sei se perguntaram a eles a respeito.
Mas não escrevi o livro para fazê-los felizes.
Eu o escrevi para meus leitores, que são tudo em que
um biógrafo pode pensar.
Como Frances Bean Cobain sente-se hoje em relação
à morte do pai?
De todas as notícias que ouço, ela parece uma
jovem garota bem ajustada e talentosa. Veremos o que acontecerá
quando ela se tornar uma adolescente.
Kurt escreveu um bilhete sobre sua banda aos seus avós
durante um Natal. Ele parecia estar buscando o sucesso. Depois
de famoso, ele se esquivava. Por quê?
Isso, de algumas maneiras, é o grande mistério
de Kurt Cobain e o motivo pelo qual penso que o livro é
tão fascinante. O Kurt tinha duas facetas que não
poderiam nunca entrar em acordo. Mas dessa forma, era como todos
nós. Quantos de nós vão à academia
mas param para tomar sorvete no caminho para casa? Kurt levou
isso a um extremo. Ele dirigia um Volvo (um marca conhecida
por ter carros familares nos EUA), mas tomou uma overdose de
heroína. É loucura e não faz nenhum sentido,
mas é também uma fragilidade muito humana.
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