Literatura,
Aqui e Agora
por
André Takeda
Imagine o que seria da música
se existissem apenas o clássico e o erudito. Ou melhor: imagine
o que seria de sua vida se não existissem Beatles, Beach Boys, Clash,
Smiths, Nirvana, Radiohead, Chemical Brothers. Você liga o rádio
e ouve apenas Bach, Mozart, Wagner, Rachmaninoff. E o que seria da música
brasileira se todos tivessem que reinventar Caetano Veloso, João
Gilberto, Tom Jobim, Chico Buarque e todos aqueles baianos que os estrangeiros
adoram adorar? No final das contas, só nos restaria Mutantes para
nos dar um sorriso no rosto.
Se você é um amante
da cultura pop como eu, deve pensar que uma vida assim seria trágica
demais. Felizmente, a música sempre foi capaz de se adaptar ao universo
contemporâneo. Não é à toa que o rock'n'roll
se tornou uma das principais formas de comunicação dos jovens.
E o que é melhor: conseguiu levar ao status de arte uma estrutura
musical muito mais simples que as composições eruditas.
Mas com a literatura a história
foi outra. Por ser menos instantânea que a música, poucas
vezes teve o apelo pop com o qual a juventude se identificasse. E quando
teve, foi batizada de marginal. Escritores como os beatniks, por exemplo,
não tiveram o talento reconhecido na época que lançaram
seus livros. Um dos maiores clássicos da literatura contemporânea
e, com certeza, o número um da lista da maioria dos escritores pop,
o best-seller mundial "O Apanhador no Campo de Centeio", de J.D. Salinger,
levou dez anos para ser publicado. Neste período, foi recusado por
diversas editoras sob desculpas inadmissíveis como "subversivo"
e "sem enredo". Por que isso acontece? Porque o mundo editorial e a crítica
não reconhecem como literatura um romance que gasta quase trezentas
páginas com a história de um adolescente que é expulso
do colégio. Quero dizer, não reconhecia.
A década de 90 consolidou a
literatura pop, principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Na
verdade, os anos 80 já apontavam para este caminho: a Geração
Beat foi redescoberta e novos escritores, como Bret Easton Ellis, do fundamental
"Abaixo de Zero", começaram a chamar a atenção das
editoras e da mídia. Até que nos 90 começam a surgir
nomes como Douglas Coupland ("Geração X"), Irvine Welsh ("Trainspotting"),
Alain de Botton ("Ensaios de Amor"), Donna Tartt de ("A História
Secreta"), Michael Cunningham ("Uma Casa no Fim do Mundo"), Roddy Doyle
("The Commitments"), Nick Hornby ("Alta Fidelidade") e muitos outros. Mais
do que escrever sobre e para pessoas entre 20 e 40 anos, estes autores
conquistaram público e crítica. Literatura pop deixou de
ser marginal. Hoje, a japonesa Banana Yoshimoto, que publicou o tocante
"Kitchen", pode conviver sem problemas numa biblioteca ao lado de José
Saramago, para citar um escritor clássico, porém contemporâneo.
E este reconhecimento chegou também ao Brasil. Para você ter
uma idéia, todos os escritores que citei tiveram livros publicados
no país, com exceção de Irvine Welsh.
E, então, chegamos ao Brasil.
O país onde todos artistas precisam da aprovação de
Caetano Veloso, da Regina Casé e do Jô Soares. Um lugar onde
os escritores precisam de padrinhos, ou então entram para o final
da fila por causa de magos e jogadores de futebol. Você acha que
isto é revolta minha? Não é. Talvez você não
me conheça e, se me conhece, provavelmente apenas leu algumas das
minhas histórias de ficção em zines. O fato é
que, apesar de ter um romance recusado pelas editoras, não me sinto
revoltado. Até acho que não batalhei o suficiente. Na verdade,
só não consigo entender uma coisa: por que, afinal, o Brasil
não produz literatura pop. A culpa não é apenas das
editoras. Acredito que seja um problema geral. Quando um escritor jovem
senta à frente de seu computador, ele quer ser o novo Guimarães
Rosa. Ele quer ser o novo Érico Veríssimo. Ele quer ser o
novo Rubem Fonseca. Ele quer ser o novo Machado de Assis. Ele quer desesperadamente
a aprovação do Caetano Veloso. Para ele, ser pop é
aparecer no Muvuca e no programa do Jô Soares e falar sobre suas
metáforas, seus regionalismos, seu retrato fiel da miséria
e da violência que existe no subúrbio do país. Não
vá pensar você que eu não tenho a ambição
de escrever um clássico que seja tema de vestibular, mas, sinceramente,
eu ainda tenho apenas 27 anos e estou mais preocupado em exercitar meu
texto em histórias sobre pessoas da minha idade, rock'n'roll e corações
confusos.
Não dá para levar a
sério um país onde a única referência de literatura
pop é uma mulher de publicitário que aparece na Revista Caras.
Não dá para levar a sério um país onde as editoras
nem são capazes de mandar uma resposta decente recusando seus originais.
Não dá para levar a sério uma país onde você,
que está lendo este zine, não consegue se ver nas páginas
de um livro.
O que é preciso fazer para
mudar isso? Não sei. Eu tenho alguns projetos para apresentar às
editoras e logo vou colocar na web um site dedicado a publicar novos escritores.
Enquanto isso, leia mais zines, assine o CardosOnLine, revire as livrarias
atrás de títulos legais. Talvez no futuro ninguém
lembre de que um dia a literatura pop existiu no Brasil. Mas, como diz
Nick Hornby, a gente não quer a posteridade. A gente só quer
o aqui e o agora. E, de preferência, no volume máximo.
André
Takeda, 27, é autor do romance "O Clube dos Corações
Solitários". É colaborador de diversos zines, entre eles
o Scream & Yell. Possui uma coluna semanal de ficção
pop na London Burning Magazine, dos jornalistas Luciano Vianna e Valéria
Rossi e lançou a www.txtmagazine.com.br. |
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