De quando
o rock era genial
por
Alexandre Petillo
John
Lennon não foi apenas o maior gênio da música pop
contemporânea. Foi também um homem cujo os atos devem ser
copiados. Um líder, definitivamente. O fim dos Beatles foi um dos
mais desgastantes e melancólicos finais da história dos relacionamentos.
Quatro amigos que passaram mais de dez anos juntos, de repente, passaram
a se odiar profundamente. Pessoas que anteriormente freqüentavam suas
casas mutuamente passaram a se falar apenas através de advogados.
Trinta anos depois, Paul, George e
Ringo voltaram no tempo, analisaram toda a situação vivida
e deram suas versões dos fatos no livro e filme Anthology.
Os três puderam olhar para trás, pensar, reconsiderar atos
e retratar alguns erros.
Lennon não teve a mesma sorte.
Morto em 80, Lennon deu apenas uma grande entrevista esclarecendo todos
os conflitos que envolveram e levaram o mais fabuloso grupo de rock da
história para o buraco. Esse documento histórico encontra-se
em Lembranças de Lennon, livro-obrigatório lançado
pela Conrad Editora meses
atrás, e traz pela primeira vez em língua portuguesa a íntegra
do inflamado e polêmico bate-papo.
A entrevista foi concedida à
Jann S. Wenner, um dos fundadores da Rolling Stone, em dezembro de 1970,
pouco após Paul McCartney anunciar publicamente que estava deixando
os Beatles, explicitando a já consumada ruptura do grupo. Lennon
põe tudo para fora, desde sua relação com os outros
três, passando por seu amor com Yoko e as peculiaridades de si mesmo
como artista. Além da entrevista original, o livro também
contém um vasto material impresso que jamais fora publicado.
Astuto, sincero e contundente, Lennon
não perdoa ninguém. Agora, se estivesse vivo, ele talvez
repensasse algumas de suas declarações, mas na época,
no calor do momento, tudo o que temos é um homem que foi humilhado
por seus melhores companheiros. Teve suas bolas como líder cortadas,
sua genialidade delimitada, além de ter que presenciar farpas explícitas
dirigidas à mulher que ama. Vê-se um homem perturbado, angustiado,
chateado, mas sincero acima de tudo. Como a própria Yoko diz na
apresentação do livro, cada palavra de Lennon é como
uma porrada no estômago. A entrevista não tem uma metodologia,
talvez pela falta de experiência do entrevistador (na época,
Wenner tinha 24 anos e Lennon, 30), mas apresenta um bate-papo apaixonado
muito mais interessante. Um pequeno exemplo, de deixar os olhos marejados
d’água, reside na última pergunta da entrevista:
Wenner: Faz idéia
de como vai ser quando estiver com 64 anos, como em When I’m 64?
Lennon: Não. Espero que a
gente seja um casal simpático vivendo no litoral da Irlanda ou não
sei onde, revendo o álbum de recordes das nossas loucuras. |
Uma narrativa dolorosa e viril de
um homem que abraçava com voracidade qualquer causa que se metesse.
Lennon é feito do raro material que torna pessoas/artistas transcendentais,
luminosas. Um cara honesto, de uma época em que o rock era genial.
Sem rabo preso ou tido a brodagens, trata-se de um relato de quando o rock
valia a pena. Ou de quando gênios caminhavam sobre a Terra. Quem
não tiver que enfie a cabeça em um buraco.
Leia alguns trechos:
Sobre o primeiro disco solo de
Paul McCartney
Lennon: É
tolo. Imagino que ele acabe fazendo um disco melhor quando for obrigado.
Mas o acho superficial. |
Os Beatles e o sucesso
Lennon: É
incrível o que a gente provocava quando tocava o rock puro, e não
havia quem nos alcançasse na Grã-Bretanha. Mas foi chegar
o sucesso e o entusiasmo acabou. Brian Epstein botou a gente de terno e
fomos muito, muito longe. A gente se vendeu. |
Let It Be, filme e disco
Lennon: Triste.
O filme foi preparado pelo Paul, para o Paul. Esse foi um dos grandes motivos
pelos quais os Beatles acabaram, porque – não posso falar pelo George,
embora saiba muito bem – a gente já estava de saco cheio de ser
coadjuvante dele. |
Líder
Lennon: Eu manobro
as pessoas. É o que fazem os líderes. Armo situações
que me beneficiam. |
Yoko x Beatles
Lennon: Dá
para reproduzir o que Paul falou: basta olhar nos jornais. Primeiro ele
detestava Yoko, depois, passou a gostar. Para mim, é tarde demais.
Para a Yoko também. Por que ela deveria aceitar essas merdas das
pessoas? Estão escrevendo sobre o estado de infelicidade dela em
Let It Be. Vá enfrentar os sujeitos mais orgulhosos e intransigentes
do mundo para ver como é. Vá ser atacado só porque
ama alguém. (...) O Ringo foi legal. A Maureen também. Mas
os outros dois infernizaram a nossa vida. Nunca vou perdoar. Não
estou nem aí para essa merda de Hare Krishna, Deus e o Paul... |
Rolling Stones
Lennon: Eu gostaria
de listar o que a gente criava e os Stones faziam dois meses depois. Em
todo o disco e em tudo que a gente fez, o Mick faz exatamente igual. Ele
nos imita. E eu adoraria se alguma dessas pessoas do underground salientasse
isso. (...) E eu fico magoado, porque mesmo o primeiro, o segundo disco
deles, fomos nós que compusemos (risos). |
Yoko
Lennon: Não
existe nenhum motivo nesse mundo para eu não estar com ela. Nada
é mais importante do que a nossa relação, nada. E
nós curtimos ficar juntos o tempo todo. A gente sobrevive um longe
do outro, mas para quê? Não vou sacrificar o amor – o amor
de verdade – por nenhuma puta, nenhum amigo nem trabalho, porque no fim
a gente acaba é dormindo sozinho. (...) É como eu disse na
música: já fiz de tudo e não existe nada melhor do
que ser abraçado pela pessoa que a gente ama. |
O fim
Lennon: Depois
que o Brian morreu, entramos em colapso. O Paul assumiu o comando e supostamente
nos conduzia, como você sabe. Mas que condução é
essa que se anda em círculos? Terminamos ali. Foi a ruptura. |
"Lembranças
de Lennon", editado por Jann Wenner. Editora Conrad. 160 págs.,
R$ 19.80)
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