"Futuro Proibido" - Vários Autores
por Leonardo Vinhas
lvinhas1@yahoo.com.br
18/10/2004

"Nossos escritores vomitaram bagos e tripas"
(Peter L. Wilson e Rudy Rucker)

Ficção Científica como gênero literário, você sabe, é aquela coisa futurista cheia de naves espaciais, mundos perdidos e viagens no tempo, certo? Humm, meio certo, querido. A tia não poderá dar nota 10 na sua prova. Porque esse não é o único tipo de FC existente.

Futuro Proibido - no original, Semiotext(e) -
dá uma amostra do melhor e do pior que pode haver numa geração que tenta subverter os clichês do gênero, gente que tenta fazer terrorismo literário, rock'n'roll em prosa, doideira lúcida e plausível, ou o contrário.

O livro é uma coletânea de textos de autores tidos como marginais, ousados ou mesmo parias. Só que os textos em questão foram rejeitados por publicações ditas liberais ou visionárias, e aqui agrupados pelos maluquetes Rudy Rucker e Peter e Robert Anton Wilson (que também contribuem com material próprio).
O resultado não poderia deixar de ser instigante, e na maioria dos casos, é.

Não que se trate de um novo gênero literário. Alexandre Matias, jornalista que foi um dos responsáveis pela (excelente) tradução do livro, usa os argumentos dos organizadores do livro para definir essa coletânea como pertencente a um subgênero, "algo como sci-fi radical, uma literatura de perspectivas múltiplas, que envolve a ficção científica, o realismo fantástico, o modernismo do Ulysses do James Joyce, o surrealismo, o resgate zen e a física quântica".

Nem tudo é assim, claro. Os textos de Rudy Rucker e Rachel Pollack mais parecem roteiros perdidos dos comics da extinta revista Animal, com trepadas regadas a psicotrópicos no espaço sideral e delírios de comunhão lesbo-mística, respectivamente. Os irmãos Wilson também ficam a dever. Robert e seu "Projeto de Parâmetros em Cherry Valley (Pelos Testículos)" oferece toda sorte de cacoetes para quem acha que o máximo que esses escritores modernos fazem é registrar palavras aleatórias quando estão chapados, enquanto Peter, sob o peseudônimo de Hakim Bey, aparece descontextualizado com sua "Zona Autônoma da Antártida: Uma História de Ficção Científica".

Agora, veja que esses são apenas quatro exemplos. Nada tão desagradável a ponto de incomodar, porque gente como Ernest Hoga, William Burroughs, J.G. Ballard, William Gibson e muitos outros entregaram o melhor do que suas mentes anômalas podem conceber.

Vovô Burroughs, por exemplo, manda todo mundo para a puta que o pariu nas menos de duas irônicas páginas de "O Repórter da CIA", e ainda lega um riso rangido na sombria "O Garoto Novo". Ficção muito realista, que deixa claro porque o velhinho junkie teve dois contos publicados, assim como Ballard. O autor de O Império do Sol é o que melhor ilustra o espírito novidadeiro que o livro propõe no lisérgico e perturbador "Relatório sobre Uma Estação Espacial Não Identificada", onde desbravadores espaciais exploram uma estação que se expande à medida que é desbravada. "O Aumento Maamoplástico de Jane Fonda" escancara, com desconcertante obviedade e objetividade, o ridículo das transformações cirúrgicas.

Claro, pode ser que eles não pretendiam dizer nada disso, que suas intenções fossem muitas outras. Todavia, mais que o normal, as linhas desse compêndio oferecem tantas possibilidades de percepção e entendimento, tantas "rotas de viagem", que é impossível resistir a tentação de se reler constantemente tentando achar um significado definitivo, que talvez nunca apareça.

Às vezes, a idéia é pura galhofa, como a hilária aventura do rapaz que possui "O Pênis Frankenstein". Ernest Hogan capricha na putaria de filme b para contar uma eletrizante perseguição para salvaguardar o maior pênis que já apareceu no meio das pernas de um personagem literário. William Gibson (é, o autor de Neuromancer, traduzido por Alex Antunes recentemente) e Kerry Thornley também fornecem farto material para gargalhadas com os Forrest Gumps alterados e paranóicos, que devem ser a cara de uma porcentagem dos leitores desse tipo de piração.

E tem mais, muito mais, que vale seu dinheiro, seu tempo e sua consciência. O recheio desse sanduíche é dos mais finos, mas suas balizas é que podem desvirutar por completo sua cabecinha. A abertura, a cargo do "presidente Bruce" Sterling, pinta uma realidade onde o mundo islâmico, agrupado sob a égide do Califado, domina economicamente o mundo, e os EUA se tornaram o bolsão miserável que é foco de instabilidade política. Escrito há mais de quinze anos, o texto surpreende não só pela atualidade do tema, mas principalmente pela maneira como o autor convence o leitor de que isso é bastante possível. E não só, ilustra com riqueza de detalhes o pensamento islâmico, subvertendo sofismas preconceituosos que infestam a mídia e nossas mentes. O título: "Vemos As Coisas de Modo Diferente". E o encerramento...

O encerramento fica por conta do neuroliterato Colin Wilson e seus estudos sobre as "experiências de pico". Analisando na fonte as mazelas do mundo ocidental, Wilson demole de maneira perigosa e sedutora os estertores das virtudes modernas. Através do conceito da "experiência de pico", ele demonstra o quanto nossa sociedade glorifica o martírio, o sofrimento e o egoísmo, para em seguida oferecer meios concretos de se libertar dessa falsa sina e receber uma outra perspectiva da vida. Uma idéia ousada e que já obteve muitas objeções, algumas até justificadas. Entretanto, quem se arriscar a aplicar o que ele propõe, nunca mais verá a vida do mesmo modo, com tudo o que isso oferece de bom e de ruim. Vale correr o risco.
Falo de experiência própria.

Futuro Proibido está aí. Talvez não seja tão proibido, talvez seja apenas distante. E se o é, é porque assim o queremos. Uma coisa é certa: nunca uma realidade foi tão ficcional como a nossa atual, e nenhuma ficção é tão desconcertantemente realista como a dos que contribuíram para esse livro.

Leonardo Vinhas aplicou pessoal e profissionalmente as teorias contidas em "Maslow, Sheldrake e A Experiência de Pico",
e atesta sua veracidade.


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