Franco Saudelli
por Leonardo Vinhas
2002


Franco Saudelli completa 50 anos de idade neste ano e continua desconhecido no Brasil. Também, pudera: o bondage não é um fetiche abertamente comentado na Terra de Santa Cruz, e é justamente esse o aspecto mais chamativo do trabalho deste escritor e desenhista italiano nascido em 1952 em Latina, cidade próxima à Roma, na Itália.

Primeiro, um esclarecimento aos neófitos: bondage é o nome que se dá ao hábito de amarrar o(a) parceiro(a) para exercer domínio consensual através de toques, carícias, conjunção carnal ou até mesmo cócegas, sem contudo atentar contra a integridade física da pessoa. Um sadomasoquismo light, para simplificar. Sabe aqueles filmes antigos em que a mocinha está amordaçada e amarrada aos trilhos de trem enquanto algum vilão estereotipado se delicia com a cena? Bondage é mais ou menos isso.

E quando começou a inserir bondage em suas obras, Saudelli tornou-se sucesso absoluto no meio dos "quadrinhos adultos" na Europa. Depois de trabalhar muito tempo na revista Lanciostory e em outras publicações de quadrinhos underground italianas, Saudelli deslocou-se, em 1983, para a Orient Express e para a Comic Art, duas revistas de grande expressão em boa parte da Europa. Com personagens como o detetive Porfiri ou Rude X e discretas inserções de bondage, o nome de Saudelli - já notário graças à conquista do Prêmio Albertarelli em 1982 - começou a ser reconhecido como um selo de qualidade. A consolidação da fama veio a partir de 1987, com a criação e publicação das histórias da personagem Bionda na revista Comic Art.

Em um tempo não definido, que mistura passado e futuro (com alguns vícios oitentistas no visual algo new wave de alguns prédios, penteados e roupas), Bionda é uma ladra que amarra e amordaça suas vítimas, todas mulheres, e exerce sobre elas um misto de intimidação e fascínio. O que poderia ser um pretexto para um erotismo banal que apenas exibisse mulheres seminuas amarradas como salame torna-se um trabalho singular de arte seqüencial graças ao humor e à arte empregados.

O roteiro de Saudelli apresenta reviravoltas a cada duas ou três páginas, mantendo o suspense mesmo à custa de um humor ora ingênuo, ora cínico. Sátiras ao mercantilismo das empresas européias e ao consumismo são recorrentes, porém o que mais se detecta são divertidas referências aos contos policiais. Já seu traço fino e elegante confere o erotismo necessário aos fetichistas. Saudelli não desenha cordas, desenha mulheres. Não mulheres perfeitas como nos quadrinhos mainstream americanos, mas mulheres comuns - porém transbordando sensualidades. Gordinhas, magricelas, atléticas ou balzaquianas, as damas de Saudelli sempre transbordam volúpia.

Saudelli continua trabalhando até hoje, e Bionda ainda é seu maior sucesso. No Brasil, apenas duas histórias foram publicadas na extinta revista Animal: a clássica Colpo Doppio (traduzida como "Golpe Duplo") e a breve Colpo Di Sonno ("Bionda Cai na Modorra"). Em importadoras, é possível achar álbuns de Bionda ou histórias de outros personagens do autor nas revistas Orient Express ou em edições antigas da finada publicação espanhola Cimoc. Na internet, o caminho para exemplos gratuitos da arte de Saudelli é através do site de busca www.ask.com, bastando digitar o nome do artista na barra de pesquisa.

Vale a pena procurar o trabalho desse italiano que comemora meio século de serviços prestados aos fãs de quadrinhos e aos adeptos do bondage. Saudelli sabe que arte e sexo devem ser divertidos, e deixa isso transparente em seu trabalho. Se você concorda com ele, procure sua arte o quanto antes, e se amarre!

Link
www.ask.com

Leonardo Vinhas sempre aguardou uma oportunidade para escrever sobre bondage, e fica feliz que essa tenha surgido.