"24 Contos de F.
Scott Fitzgerald"
por
Jonas Lopes
Yer
Blues
07/03/2005
F. Scott Fitzgerald costuma ser pouco lembrado por seus contos. Muito por ter como companheiro de geração Ernest Hemingway, considerado um dos principais artífices do gênero na literatura americana do século 20. Fitzgerald é mais citado por seus grandes romances - a saber: a saborosa estréia Este Lado do Paraíso (1920), o subestimado Os Belos e os Malditos (1922), o amargo Suave é a Noite (1934), o inacabado e hollywoodiano O Último Magnata (1941) e, evidentemente, a obra-prima O Grande Gatsby (1925). A coletânea 24 Contos de F. Scott Fitzgerald, lançada há poucos meses no Brasil (com seleção, tradução e ótimo prefácio de Ruy Castro), chega para reparar essa falta de atenção com as histórias curtas do escritor.
Antes de mais nada, é preciso dizer que Este Lado do Paraíso foi o único romance de F. Scott Fitzgerald que vendeu bem. Todos os outros encalharam nas livrarias, e só foram redescobertos de forma decente depois de sua morte. Para sobreviver, o autor escrevia contos em peso para revistas e outras publicações. Era a maneira de manter os excessos da famosa década de 20, época da Geração Perdida e, como classificada pelo próprio Fitzgerald em um livro de contos mesmo (esgotado no Brasil), a Era do Jazz, "uma era de milagres, uma era de arte, uma era de excessos e uma era de sátira".
O termo jazz aqui vale não para a música tocada nas festas e celebrações - esta começaria a se desenvolver na década seguinte -, mas para todo o comportamento jovem da época, desde corte de cabelo até o modo de dançar e se vestir. Com o trunfo comercial norte-americano durante a Primeira Guerra, o dinheiro estava sobrando entre os burgueses. E eles viviam em farras que duravam dias, porres homéricos, férias na Riviera Francesa. Os americanos só não contavam com a quebra da bolsa em 1929 e a profunda depressão que se seguiu. E assim, foram-se as farras e a prosperidade.
É sobre esta aristocracia que Fitzgerald escreve (para profundo desgosto de Hemingway, que dizia que Fitzgerald só escrevia sobre ricos). Toda a sua obra possui fortes traços autobiográficos, e vários pequenos incidentes e situações realmente aconteceram com o autor. Mas na maioria deles, Scott participou apenas como observador.
É importante destacar a importância de Zelda Fitzgerald aqui. Eles se conheceram quando ainda eram estudantes, e só puderam se casar depois que Scott virou sucesso com Este Lado do Paraíso. O casal viveu uma relação de muito amor e ainda mais ódio, entre tapas, beijos e bebedeiras. Depois de um colapso nervoso, Zelda acabou enlouquecendo, foi internada em vários hospícios e o marido acabou no alcoolismo. Por isso não é raro encontrar moças dominadoras e rapazes beberrões em sua obra.
A compilação percorre toda a sua carreira, desde os tempos de fartura e excessos até a pindaíba que o obrigou a trabalhar, sem sucesso, como roteirista em Hollywood (foi, inclusive, um dos muitos a trabalhar no argumento de ...E o Vento Levou, mas não foi creditado). A produtividade de Fitzgerald dependia muito da situação de vida do autor, visto que os melhores contos do livro são justamente os primeiros, escritos antes dos problemas de Zelda, e os últimos, de quando ele já estava separado da esposa.
Faltam em Fitzgerald as inovações estilísticas dos contos de Hemingway. Ele compensa isso com lirismo. Seus personagens são cativantes, e estão sempre em busca de um amor que os salve, mesmo que se auto-sabotem muitas vezes. Tudo o que estes personagens querem é amar e serem amados, de todas as formas possíveis. No ingênuo Bernice Corta o Cabelo, a personagem-título luta para ascender entre os amigos, e só um novo penteado possibilitará isso. Já em Babilônia Revisitada, um ex-alcoólatra luta para reconquistar a guarda da filha. Em A Coisa Sensata, o personagem tenta subir na vida para provar à ex-namorada do que era capaz, para no final constatar que não existe um mesmo amor duas vezes. As histórias terminan quase sempre trágicas, tanto pela morte quanto pela perda da riqueza ou do ser amado. Outros contos que se sobressaem no livro são A Escada de Jacob, O Amor à Noite, Domingo Louco e o surpreendente O Diamante do Tamanho do Ritz, que acrescenta uma pitada de realismo fantástico à receita.
Com toda essa habilidade e minúcia para transmitir o sentimento
de uma geração, F. Scott Fitzgerald deve ser considerado mais
do que um romancista. É um cronista, uma testemunha ocular e
a voz de anos divertidos, intensos e apaixonados que não voltam
mais.
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