Fernanda Young - Interview
 por Marcelo Silva Costa
segunda parte

S&Y – Em um trecho do livro você diz que "sexo, inveja e falsidade" são coisas de mulher. São?

FY – Eu acho sim. São coisas que tem um poder feminino, essa característica feminina, porque as coisas, no mundo todo, e eu acredito que em todo o cosmos, tem um sexo. Você pode ver as coisas e sentir que, de certa forma, elas tem um sexo. Elas têm uma energia feminina ou masculina. Eu acho que a vaidade tem uma força feminina muito grande, assim como a inveja. E o sexo, bem, porque a testosterona é uma coisa fortíssima nos homens, que dá a eles uma necessidade orgânica que as mulheres parecem não ter. E de fato não enlouquecem, não sentem dor por não transar, diferentemente dos homens, enfim, as funções são diferentes em um principio, numa gênese inicial. Mas a mulher tem uma facilidade física com o sexo. Lacan diz isso, que a mulher não existe, quer dizer, que não dá para categorizar uma mulher. Freud diz que ninguém sabe como uma mulher é. Muito porque elas não puderam falar e muito porque elas são mentirosas. As mulheres são muito misteriosas e tem muito poder. Muito poder físico, orgânico...
 
 

S&Y – Logo em seguida você diz que as mulheres precisam de defesa. Contra o que?

FY – Precisam, com certeza. Porque elas precisam dar função ao homem. Tanto que os homens se sentem muito constrangidos num mundo em que a mulher não necessita mais dele como um defensor. O meu marido é o meu defensor. Eu tenho essa liberdade porque eu me casei com um homem que vai me defender. E depois que eu me casei com ele eu me tornei mais "beat" ainda, me tornei mais punk ainda, eu comecei a falar mais. Porque ele fortaleceu a minha liberdade me defendendo. E o homem precisa defender vários tipos de mulheres diferentes porque ele é definitivamente mais forte. E é da natureza animal. São certos clichês primordiais da existência humana e se você elimina essas funções, você também elimina as relações e as relações ficam bobas, porque surge a palhaçada. Eu sou uma pessoa que necessita de um homem. Eu estou casada com um homem porque eu preciso, e eu encontrei o homem certo. E a proteção é um das motivações que me fizeram casar com esse homem. E eu acho que a mulher que elimina essas funções do homem está perdendo espaço, como Schopenhauer fala, no sentido da apropriação, de que a mulher olha para o homem vendo como será a sua apropriação. E de fato existe essa apropriação. Eu negava esse fato. Eu fiquei sete anos casada sem querer ter filhos, negando terminantemente a possibilidade de engravidar. Até um dia em que percebi e olhei para o Alexandre pensando na apropriação. 

S&Y – Todas as mulheres são loucas ou só as que eu conheço?

FY – (risos) Todas as mulheres são loucas, todas! Mulher é muito engraçado. Eu adoro mulher. Só as muito preconceituosas e hipócritas e caretas que não me chamam a atenção, mas isso não é privilégio de um sexo, é coisa de gente ruim mesmo. Gente ruim existe em qualquer sexo e a gente execra sem falar com elas. Mas as mulheres são, definitivamente, muito engraçadas. Mulher é isso de no meio do caminho mudar de idéia, causar esse caos feminino. É essa decisão instantânea de mudar o cabelo. Essa sensação de que se você comprar o batom da cor perfeita você estará curada de todos os males dos últimos meses. Nós temos essa energia e é muito engraçado. As mulheres são totalmente loucas. Acho que a maluquice tem um componente muito feminino. 

S&Y – Escrever é um desabafo?

FY – É. É um desabafo de frustrações muito antigas. De sensações de inutilidades fortes que eu tive durante muito tempo na minha vida. Eu achava que a única forma de sobreviver era escrevendo e eu fui tendo de provar isso. Tem a coisa do desabafo, da luta, do cansaço. Tem essa coisa da militância. Tem um componente de desabafo, mas que eu lido muito bem e não quero eliminar. Não quero porque eu acho que é a parte poética da minha juventude literária, do meu passado literário, meus primeiros instantes de literatura e eu não quero perder essa verdade. Mas eu doso muito bem com uma boa técnica, com leveza, humor, informações contemporâneas pops. Eu não deixo, jamais, que uma obra minha seja rancorosa. A Cristiana tem uma narrativa rancorosa sobre a Helena, o livro não é rancoroso. Eu tenho esse cuidado de jamais pesar o leitor. Até mesmo no "As pessoas dos livros" que é um livro triste demais, é um poemão, eu faço isso. Quando acaba fica uma sensação cósmica de dimensões quânticas. É triste, mas você sente que o mundo tem uma imortalidade, e que aquele personagem com aquele fim tão triste tem uma imortalidade tão grande que você nem se desespera tanto. Porque eu não posso também destruir os meus leitores. Eu conseguiria, mas não posso. 

S&Y – Para quem você acha que é destinado o livro, para que público?

FY – Eu quero que as pessoas dos livros, eu gosto muito desse termo, que foi o público a quem eu dediquei meu último livro, que são aquelas pessoas que lêem, que gostam, que pesquisam. Essas pessoas me interessam muito, primordialmente, porque são meus principais leitores e eu sou muito cuidadosa com eles. Eu acho que as pessoas que tem hábitos de leitura são pessoas mais sofisticadas, porque, claro, qualquer um pode pegar um livro e começar a se sofisticar hoje. Então, aquelas pessoas que pegaram e leram são sim mais sofisticadas. São essas pessoas, a principio, que o livro destina-se. E a todo público, em geral, que tenha um start de que um livro meu pode dar uma melhorada na sua mente, no seu comportamento físico, na sua beleza, na sua língua. Eu quero que muita gente leia. Eu quero que muita gente que nunca leu livros meus, leia. Eu quero que a minha literatura tenha a força que tem Milan Kundera, que é um best seller e é bom pra cacete. Que Hemingway tinha e tem. Essa coisa de venderem muito e serem bons. Eu queria muito que isso acontecesse em algum momento com meus livros. Isso significaria que as pessoas estão tendo acesso ao direito de pensar melhor, de pensar em língua portuguesa e verbalizar melhor suas sensações, de se defender melhor. Eu acho que só através da leitura e do estudo da língua portuguesa é que as pessoas vão poder lutar pelos seus direitos e eu tenho muita ideologia a respeito disso. O povo brasileiro, que é inteligente pra caralho, precisa saber sua língua para poder reclamar. É isso que eu quero. Que as pessoas leiam. 

S&Y – Você lê muito?

FY – Leio. Sempre li. Mas já tive épocas em que eu lia mais do que leio hoje em dia. Porque, bem, filhos, e cansaço e compromissos, mas, sempre estou com meus livrinhos por perto. Eu aprendi a escrever lendo. Estou aprendendo a língua portuguesa lendo. Estou aprendendo a falar, lendo. Eu fico cada vez mais interessada em usar essa língua, que é a língua mais linda do mundo. É de uma sonoridade. Quando viajo eu tento me expressar na língua do outro, mas quando vem alguém para o Brasil, e por acaso me conhece, eu nunca falo em inglês. E as pessoas piram porque querem aprender o português. E ler é muito importante. Existem traduções de autores estrangeiros que são muito boas. Eu gosto muito de ler tradução, ao contrário de muita gente que gosta de ler no original. Eu até gostaria de ler algumas obras no original, claro, mas não falo nenhuma língua o suficiente para isso. Mas eu adoro as traduções. Eu gostaria que todo mundo lesse, que todo mundo comprasse. Eu sei que é caro, que é uma coisa difícil. Eu recebo e-mails de pessoas que falam que pediram o livro de natal e que o pai ficou impressionado dela ter pedido um livro de presente de natal. Isso me interessa muito, carmicamente. Eu estou muito interessada no meu carma. Depois que eu tive filho fiquei mais interessada ainda. Nós estamos vivendo em um mundo difícil e nós precisamos nos aliar ao bem, a algumas convicções boas. Eu não levanto bandeiras e se você prestar atenção nos meus livros vai perceber que eles são até bem corretos em vários setores. Eu não sou uma escritora política, mas eu sou uma persona política. Eu só percebi isso depois que tive filhos. Até então eu dava entrevistas sem me importar com o que estava sendo dito, pouco me lixando, também porque eu estava pouco me lixando para a maioria das coisas. Agora não. Agora eu estou me lixando sim, e muito. Porque eu tenho filhas, mulheres, que vivem em um mundo que foi restaurado pela minha maternidade, que restaurou a minha ideologia. Quero que esse mundo fique bem melhor. 

S&Y – O Renato Russo falava muito nisso, nessa preocupação que ele tinha de preparar o mundo para o filho dele. Ele dizia que tinha que escrever as coisas que escrevia, mas de uma forma que não agredisse o filho dele, porque esse filho iria ler aquilo um dia. 

FY – Sabe, tem uma história muito interessante que a Marina me contou. Eu tenho vários amigos que conheciam bastante o Cazuza e que diziam que eu tinha que ter conhecido ele porque nós somos muito parecidos. Teve uma época da minha vida em que eu era bem ansiosa e com uma força criativa muito boêmia. E eu falei isso pra Marina e ela disse que eu tinha que ter conhecido o Renato Russo que também tinha essa força toda que eu tenho, mas tinha um idealismo mais paternal, mais próximo ao que eu sou hoje. E eu que não conheci nem um nem outro fiquei pensando, "será?". É uma pena eu não tê-los conhecido. Poxa... Cazuza eu escuto todos os dias, Renato Russo também, mas Cazuza me enlouquece em algumas épocas, me contagia. 

S&Y – Há muita citação pop no livro. Portishead, Sallinger, Garbage... como funciona isso?

FY – É tudo que eu consumo. Tudo que eu escuto, que naquela hora, da criação, está me importando. Às vezes, para escrever um livro, eu escuto muito o mesmo disco e eu acabo falando do disco meio que em homenagem por essa ajuda. É todo mundo se ajudando. Eu acho que os criadores se ajudam porque uma coisa inspira outra e eu gosto de homenagear também. No final, quando eu cito Nabukov, é uma homenagem. Eu me inspirei muito em Nabukov para escrever esse livro. Inspirei-me muito em "Lolita". Essa coisa do personagem testemunhando a sua culpa, se colocando como réu. Ela fica o tempo todo se justificando e isso acontece em "Lolita" também. No final eu estava lendo o livro no escuro e aparece aquele parágrafo "essa é a história" e quando eu o cito é porque ali eu encontrei o fim do meu livro. Porra, o que eu posso fazer se um cara genial fez isso no começo do livro? Só tem uma chance: citar o cara. Ali funciona até como uma ajuda. Funciona como se fosse um sampler, é inevitável. É muita informação. Sabe, esse movimento de globalização que sempre me irritou muito quando eu fazia faculdade, hoje em dia me surgiu como inevitável mesmo. Não é nem no sentido da internet, porque eu não mexo com internet, mas sim no sentido geral. Porque está tudo muito rápido e é de uma intensidade incrível. E se as pessoas querem criar algo relevante,  precisam abrir seus canais para receber todas essas potencialidades. Porque senão, fuck off. Hoje em dia eu ponho minhas filhas para ver vídeo, para ver Teletubies, e elas tem as partes que gostam mais, e eu vou lá e adianto. Elas não tem mais a paciência de esperar até as partes que elas preferem. Eu fico pensando "será que estou fazendo mal a elas adiantando?", mas é assim que nós estamos. Essa é a cultura do entretenimento. Então eu vou fazer literatura, que é uma coisa super sofisticada, e vou fazer bem, na minha língua, e ao mesmo tempo será entretenimento. A pessoa vai ler rápido. Eu não quero que ninguém fique mais de uma semana com um livro meu. É o "tomara seja eterno", mas é de consumo. 

S&Y – Na página 125 a Cristiana diz: "Aqui em São Paulo todos esbanjam recursos cênicos sem constrangimentos. Tatuam-se, perfuram-se, do boy ao seqüestrável". Fale mais sobre isso.

FY – Bem, na década de 80, quando eu vinha pra cá, eu era totalmente punk, adorava, ainda sou, me considero bem punk, e São Paulo era um mito na minha cabeça. Eu sempre quis vir pra São Paulo, sempre quis morar em São Paulo. Eu acho que aqui existe uma leveza maior a respeito das diferenças. Talvez porque o povo aqui seja mais educado. Carioca é muito a praia e tal, e aquilo, ao mesmo tempo em que democratiza e libera muito, também mostra a massificação do shape sarado, do culto ao corpo tipo, "você está ali, mas como você não está lindo?". Em São Paulo não. A cidade é muito grande e existem as pessoas da Bela Vista, tem as pessoas de não sei onde que freqüentam o lance gótico não sei onde e eu gosto dessas diferenças. Acho que aqui as pessoas assimilam mais esses recursos cênicos. E elas não se espantam. Isso é incrível. Eu sempre tive muita tatuagem e o meu marido começou a fazer tatuagem há uns cinco anos e hoje em dia ele tem muita tatuagem. Então quando ele vai ao Rio diz, "Fernanda, as pessoas se chocam com isso". E há anos eu sinto essa sensação. E em São Paulo isso acontece muito pouco. Aqui, todo mundo tem um irmão, ou um primo que é um doidão não sei de onde e que freqüenta o metrô e outros lugares. O movimento de moda aqui em São Paulo é mais moderno, é mais forte. 

S&Y – Tem o lado cultural da cidade que influência muito isso...

FY – Eu acho que São Paulo é uma cidade que eu vivo muito bem. Eu conheço algumas cidades de primeiro mundo e eu vivo com muita categoria de primeiro mundo aqui. Eu gosto de São Paulo. Acho que é feia, que está maltratada visualmente, mas as coisas funcionam, as pessoas são sérias. Eu gosto dessa rapidez de cidade grande. E eu em sinto muito acolhida aqui. Talvez eu me sinta acolhida por ser “estrangeira”, e sou estrangeira. Sinto-me bastante exilada e o exílio é confortável. 

S&Y – O telefone parece ser um personagem no livro...

FY – O telefone é um personagem meu. Todos os meus livros trazem cenas de pessoas esperando o telefone tocar, fazendo ligações e se arrependendo, deixando recados e até na música que eu fiz com a Marina, "Estou assim", eu tenho uma parte que diz "até você me ligar". Sempre há essa ansiedade do telefonema que é essa espera de acontecimentos. É a ansiedade do homem moderno, da energia sexual. Hoje em dia eu tenho uma relação deliciosa com o telefone porque eu não espero telefonema de ninguém, mas eu narro muito essa sensação porque eu vivi essa ansiedade bem intensamente como qualquer pessoa moderna de cidade grande. O telefone é um objeto personagem do mundo pop moderno. 

S&Y – A Cristiana, o Guido e a Helena parecem pessoas reais. Você as conhece?

FY – Não, não conheço. A Helena eu conheço mais, talvez. Mas conheço assim no sentido do estereotipo. Ela tem um jeito feminino bastante especifico, e que, talvez, eu tenha feito estereotipada demais. Não me preocupei com isso. A Cristiana são todas essas mulheres que podem perceber estranhezas em si, não referentes a sua sexualidade, mas a respeito das sensações e das possibilidades, das chances. Eu acho que se as mulheres souberem que elas têm mais liberdade, elas vão utilizar mais essa sensação, vão fazer mais com esse conhecimento. A Cristiana é uma mulher que se expõe e se fode, mas melhora muito. Ela deixa de ser uma boboca para ser uma mulher sofrida, mas que vai ser curar, ou não, mas que ficou mais charmosa, ficou mais verdadeira. Ela rachou aquela porcelana tola. É esse tipo de mulher que eu imagino que sejam as Cristianas. O Guido é, definitivamente, muito inspirado no Alexandre. Porque meus personagens masculinos, desde o "A Vergonha dos Pés", são personagens lindos, deliciosos, maravilhosos e algumas pessoas perguntam: "onde estão esses homens?". E eu respondo: "o meu é assim". Eu quero fazer um homem cafajeste, escroto, mas eu simplesmente não consigo. Mas nisso eu percebo que esse homem interessante é um ótimo personagem, é um ótimo coringa nos meus livros. O personagem Guido tem essa formação do homem interessante e é um personagem novo. Eu acho que é bem contemporânea a idéia do homem legal. Eles existem, mas as pessoas se espantam porque ainda é um movimento. É um movimento dos homens que foram criados por mulheres legais que não querem criar escrotos para foder com outras mulheres. É um movimento muito recente. 

S&Y – "O Efeito Urano" é o seu quinto livro. Você se sente mais à vontade hoje?

FY – Sim, muito mais à vontade. Isso me dá um alivio. Quando eu lancei meu primeiro livro foi muito difícil porque havia muito charme em eu ser jovem, mulher, mas ao mesmo tempo muito ceticismo e uma certa ironia que me incomodava. Uma certa implicância... não que tenha diminuído... as pessoas insistem em ser implicantes comigo. 

S&Y – Por que?

FY – Por causa da minha estética, porque eu faço esporte, porque eu engordo 30 quilos e tenho duas filhas gêmeas e coloco o nome dela de Madonna. E saio na revista "Caras" em seis páginas, mostrando a minha casa, as roupinhas das minhas filhas. E as pessoas ficam "Por que? Por que ela está fazendo isso?". Estou fazendo isso porque, um, hoje em dia eu sou muito mais envolvida nos temas femininos. Ou seja, qualquer programa que sirva para que eu fale alguma coisa a respeito da liberdade da mulher eu estarei apta a colaborar. E, dois, porque eu tenho que lembrar as pessoas dos meus livros. Isso não aconteceu desde o inicio. A mídia especializada não compareceu. Então não houve resenhas em revistas de literatura, não houve convites para programas de literatura. Eu simplesmente tive que olhar para eles e dizer: "Ah, é assim. Então eu vou para a revista "Caras". Eu vou para a revista "Desfile", eu vou fazer "Capricho"". Eu abri isso e vi que existem pessoas de extremo bom gosto nesses lugares. Pessoas engraçadas, inteligentes,  e eu costumo ser muito bem tratada por eles. Dificilmente sai alguma coisa nesse tipo de mídia que me ridicularize, que me desmoralize. Até mesmo as revistas de características mais fortes se dobram ao meu estilo e fazem algo com mais capricho. Eu não fico constrangida com isso, só que aborrece muita gente. Amigos meus, de talento, mas que não usam esse tipo de mídia, que é o "vou vender no corpo a corpo", dizem: "Fernanda, mas...". Só que não é assim. Eu tenho um discernimento incrível. Eu sai na revista "Caras" em seis páginas num momento em que estava inchadérrima de cortizona depois de uma gravidez super complicada, para mostrar que eu tinha acabado de ter filhas e que existe um pós-parto que não seja igual ao da Luciana Gimenez. Existe uma mulher humana, ativa, que está inchada pra caralho. E eu fiz questão de tirar fotos, em que eu estava enorme de gorda, mas que ficaram muito lindas. E segurando as minhas filhas e dizendo que eu havia passado mil situações dificieis. Eu fui na Marilia Gabriela e falei disso também. Com isso eu escutei coisas do tipo: "Você expôs as suas filhas". Expus o cacete! Eu quero que Niterói veja as minhas filhas. Se vier aqui a "Isto É – Gente" e tirar uma foto com as minhas filhas, eu vou adorar, porque minha família em Niterói irá poder ver. Sabe, para mim está tudo certo. Além de que sempre existe aquele leitor que nunca me viu, tem aquele possível leitor que vê e diz: "nossa, que mulher é essa. Vou comprar". Sabe, diversifica. Eu não quero ser cult. Não vou freqüentar máfias. Não vou freqüentar apenas a "Caras". Não vou freqüentar apenas a "Folha". Não vou freqüentar apenas a "Bravo", a "Cult", não vou freqüentar uma coisa única: vou freqüentar tudo! Porque assim eu posso vender a minha literatura. O dia em que eu não precisar mais disso talvez eu nem faça tanta divulgação. Ótimo. Será maravilhoso. É legal? Eu tenho vaidade com isso? Nenhuma. Mas eu tenho meta. E eu quando tenho uma meta eu sou fudida. E comprovei que se eu aparecer, e se eu falar, eu atiço a curiosidade das pessoas. Se eu tenho essa qualidade de estrela, eu vou usar. E muita gente me sacaneia por causa disso. E quando saem resenhas nesses lugares especializados, há sempre ironia: "a clubber Fernanda Young". Clubber o que???? Eu corro cinco quilômetros por dia. Durmo dez horas da noite. Não bebo. Putz. É uma visão mesquinha. Eles não vêem falar comigo e acabam criando a visão que eles querem, porque não agüentam de inveja. Uma vez eu fui a um programa e o cara perguntou: "Existem alguns críticos por ai que dizem que você é jovem demais para escrever bons livros. O que você acha?". E eu respondi: "Eu acho que eles são todos uns invejosos". E eu pensei que ninguém ia ver aquele programa mesmo porque não era tão famoso e tal, mas todo mundo viu. (risos) E alguns amigos ligando e dizendo: "Fernanda, que debochada". Isso foi logo no inicio da minha carreira e muita gente já se perguntou quem eu era. Eu fui dizer numa entrevista, logo no inicio da minha carreira, que toda critica ruim que saia era motivo para o meu marido me dar uma jóia. Muita gente me questionou, ficou perplexa. Mas era verdade. Era uma metáfora. Me dá um carinho. Quer dizer, eu fui maltratada e ele vinha e me dava um abraço, um carinho. Mas tudo bem, porque eu aprendi a lidar com esse personagem que eu sou. Eu não minto, mas limito o que as pessoas podem saber sobre mim. Eu tenho a minha discrição, a minha vida particular que não cabe a ninguém. E mostro sim as minhas filhas na "Caras". Fuck off. Acho divertido. Acho que quando elas tiverem 30 anos de idade, elas vão rolar de rir. 

S&Y – Os escritores acadêmicos brasileiros parecem não saber lidar com essa nova literatura, mais jovem, mais pop, que tem feito muito sucesso na Europa, e da qual você parece fazer parte, há uma ligação...

FY – Exatamente. Parece que eles não estão sabendo lidar com isso. É o que eu sinto aqui, falando em Brasil. Eles não sabem lidar.

S&Y – E como você encaixa a sua literatura na literatura brasileira? 

FY – Olha, eu estou encaixando. E, com certeza, eu posso falar que em cinco anos de carreira profissional, existe uma abertura de espaço que eu fiz, que eu consegui abrir. Eu vejo em revistas, em fanzines, meninas de 22 anos escrevendo, falando sobre si e desenvolvendo essa idéia da literatura autoral, do verbo, e da pessoa jovem poder se expressar, poder ser tatuada, e poder expor essa cultura que vivemos, mixada, além de dar uma chance para aquelas pessoas classe-média, de subúrbio, lá de onde eu sou. É legal isso. Há um espaço que pode ser ocupado por pessoas de bom senso, mas que ao mesmo tempo sejam pessoas que tenham esse cinismo do mundo moderno. Pó, nós sabemos de tudo. Cara, eu tenho 31 anos. Já vieram pessoas me entrevistar aqui que tinham 20, 21 anos. E isso é genial, é efervescente, é pop, é trash. E o que eu posso fazer com isso? Eu estou mostrando que existe um mercado, que é preciso batalhar, mandar pelo correio, eu mandei meus trabalhos pelo correio! Então eu acho que eu tenho uma função. E vivendo em um país latino americano de terceiro mundo, nós somos maravilhosos. Que sejamos, não para sempre, terceiro-mundistas, mas que sejamos sempre maravilhosos como somos. E é bom que comece a existir esse mercado profissional para essa cultura trash. E sabe o que eu gostaria que essas meninas, que esse pessoal todo que escreve em fanzines fizesse? Que eles estudem pra cacete para não serem bobos, para não serem enganados. É por isso que Madonna é maravilhosa. Por isso que eu sou devota de Madonna. Porque ela é uma mulher que estudou e estuda muito. Ë letrada, informada, culta e é uma mulher de uma família classe média americana que nunca foi frágil, que é indestrutível. Ela não vai ser pega, porque ela é verdadeira, ela é culta, é informada. Porque na hora que o bicho pega, a pessoa precisa saber como lidar. Não adianta toda essa tecnologia, essa informação, se a pessoa não sabe como lidar com ela. Você tem que ter disciplina, cultura, muita cultura sobre tudo, sobre os clássicos, erudição, porque senão você fica frágil, bobo e passageiro. E esse movimento jovem, essa nova literatura, é um movimento mundial. E academicistas não estão sabendo lidar com esse movimento, mas o público em geral sim. O establishment está inseguro, ele quer saber onde é que ele entra nessa história. Por isso que eu adorei ter filhas! Porque isso é reciclar. É como continuar esperta, como continuar engraçado, é como não ficar academicista. É como não deixar o seu tempo passar. Tem que ficar esperto. Tem que ser Madonna. 

S&Y – Como você lida com o proibido?

FY – Eu li uma entrevista ótima do Dado Villa Lobos dizendo que ele tem uma fama de ser super fiel, um ótimo marido e pai, e tal, e perguntavam "como é o que você faz?" e ele respondeu que era igual regime. Você vê, acha delicioso, bonito, mas não come. Eu adorei isso. É isso. Quisera eu poder tomar três doses de uísque por dia. Mas eu não bebo, não tomo, e pronto. Quisera eu poder ser uma pessoa casada e, ao mesmo tempo, livre. Mas é assim. Você tem que saber olhar, apreciar e falar "não dá". Você acaba encontrando esses limites e é bom que você mesmo descubra, que ninguém faça isso por você. Faça você mesmo. Se delimite. Porque quando alguém te delimita já não funciona tão bem. 

S&Y – TV, cinema ou literatura?

FY – Ideologicamente falando, literatura. É o mais prazeroso pra mim. Mas, eu adoro televisão. Sou altamente televisiva e tenho uma cultura infantil de desde criança ser louca por televisão. Minhas crianças assistem televisão. Scorcese passou a infância dele assistindo televisão, então, eu não tenho medo da televisão. E eu faço um programa que eu acredito 100%, e isso me dá um orgulho do cacete! Eu adoro. E agora estamos desenvolvendo o projeto de fazer um filme dos "Os Normais" e vai ser de novo uma experiência maravilhosa. Porque o cinema é de um charme viciante. Eu sou uma pessoa muito satisfeita. Estou trilhando a minha vida profissional, trabalhando porque preciso, claro, mas trabalho naquilo que gosto. Faço muita coisa que me cansa, mas tenho que agradecer muitas oportunidades que eu tive, e agradeço diariamente a Deus. Eu alcanço esse trilhar com muita oração. Está tudo certo, estou muito satisfeita. Mas, de fato, escrever romances é o prazer primário para mim. 

S&Y – Você escreve desde quando?

FY – Eu acho que antes de ser alfabetizada eu já recitava. Eu me lembro pequena dizendo que era escritora. Sempre escrevi. Quando eu conheci o Alexandre, tinha 16 anos e já era uma escritora. Já me dizia escritora. Acho que foi um dos sentidos mais aprimorados em mim, esse sentido da percepção da palavra. 

S&Y – O amor existe?

FY – Existe, claro!!! All you need is love, eu tenho tatuado! O amor é fundamental. O amor é o principio, é o êxtase, é a eliminação do ego, é quando você enxerga o outro não como um jogador. É quando você começa a olhar junto pras mesmas coisas, com a mesma delicadeza, e as coisas ficam tão melhores com o amor. O amor é fundamental. O amor é a primeira coisa. É o começo do resto. 

S&Y – Há amor na relação entre a Cristiana e a Helena?

FY – (longo silêncio) – Há. Há amor. Há uma história de uma paixão muito forte, truncada, cheia de erros e proibições, mas que se elas tivessem a liberdade necessária, talvez elas pudessem se amar e ficar juntas. Não sei. Elas não eram uma dupla improvável. Se elas vencessem a paixão elas poderiam se amar. Então há amor. Com certeza.