'Extremamente Alto & Incrivelmente Perto', de Jonathan Safran Foer
por
Jonas Lopes
Gymnopedies
05/11/2006
Ele conseguiu de novo. Em seu segundo romance, Extremamente Alto & Incrivelmente Perto (Rocco, 360 páginas, tradução de Daniel Galera), Jonathan Safran Foer dá um passo à frente de Tudo se Ilumina e se mantém como uma das grandes promessas da literatura contemporânea. As qualidades da boa estréia continuam: o humor corrosivo, as referências que situam o romance em seu tempo (como à internet e à cultura pop), o arrojo narrativo. E Jonathan, que esteve na última Feira Literária Internacional de Parati, ainda se utiliza uma pedreira como tema: o 11 de setembro.
Extremamente Alto & Incrivelmente Perto segue também os caminhos narrativos do primeiro livro. Uma história principal envolvendo um jovem em busca de um segredo familiar, e narrativas alternadas dispostas em algum ponto do passado, elucidando alguns desses segredos. Não se trata de repetição ou acomodação: Safran Foer apenas aprimorou seus recursos, agora utilizados com muito mais domínio. Tudo se Ilumina ainda tinha cara de estréia - vigoroso, mas com um pouco de imaturidade e inconseqüência. O novo romance traz um Foer bem mais consistente. O equilíbrio entre o humor e a melancolia agora é maior. No primeiro o humor vencia na comparação.
Oskar Schell tem nove anos e perdeu seu pai há dois, na tragédia do World Trade Center. Os dois tinham uma relação muito próxima e intelectualizada (procuravam erros no New York Times, como hobby). Agora Oskar vive com a mãe, a quem culpa por tentar fazer a vida seguir sem o marido morto, e a avó, abandonada pelo marido décadas antes e que criou seu único filho, o pai de Oskar, sozinha. Dedica seu tempo a uma série de atividades, ahn, curiosas: aulas de francês, invenções, elaboração de jóias, coleções de borboletas e moedas raras, um pandeiro, envio diário de cartas a Stephen Hawking.
Uma noite, irritado porque a mãe ria com um amigo na sala, Oskar vai ao closet do pai, encontra um vaso azul e, dentro dele, um envelope com a palavra "black" escrita nele e uma chave dentro. Depois de testar, sem sucesso, a chave em todas as fechaduras de sua casa, decide procurar pessoalmente todas as pessoas com o sobrenome Black de Nova York. Para acompanhá-lo na feérica odisséia, escala um vizinho idoso, ex-jornalista e corresponde de guerra.
Na narrativa alternativa, o avô de Oskar relembra o bombardeio americano em Dresden, da qual foi sobrevivente, a paixão por uma adolescente que morreu no desastre, a migração para os Estados Unidos e o casamento com outra mulher, irmã de sua paixão de infância e futura avó de Oskar. Ele a abandona quando descobre que está grávida. Passa as quatro décadas seguintes, escrevendo uma carta por dia ao filho que deixou, e nunca as envia.
A busca de Oskar é por algo mais complexo que uma simples fechadura. O que ela pode abrir, afinal? Seu pai não pode ser trazido de volta. Alguma revelação inédita? Difícil. O que ele procura - embora sequer saiba disso - é uma forma de exorcizar a tragédia. A inteligência fora do comum do garoto o ajudou menos do que ele se ele fosse uma criança "normal", por assim dizer, já que a sua precocidade acabou por revestir sua dor, como se Oskar se sentisse obrigado a ser tão maduro quanto é inteligente. No fatídico dia dos atentados, ele ainda teve tempo de ouvir e gravar ligações de seu pai durante os ataques. Oskar nunca as mostrou as gravações à mãe, por medo de deixá-la deprimida. O que é absurdo: ele tem nove anos, e é quem deveria estar sendo poupado.
Além de exorcizar a dor, o que Oskar consegue é atar o fio geracional que se perdeu quando o avô abandonou seu pai. Sem saber, os dois estão espiritualmente ligados por terem vivenciado (e sobrevivido a) grandes tragédias (Dresden e o 11/09). E o abandono de décadas antes pode ser uma das razões da proximidade entre Oskar e o pai e a subseqüente solidão que a perda traz ao garoto. Natural que o avô seja a primeira pessoa a quem ele finalmente mostra as gravações, mesmo sem saber ainda quem ele é.
Uma grande vantagem de Jonathan Safran Foer em relação a outros escritores que se propõem a fazer o tal pós-modernismo é não se limitar aos truques de linguagem, jogos de espelho e contrapontos temporais. Foer, como Don DeLillo, mantém os pés fincados em seu país, na história e em fatos importantes. E aqui me refiro não só ao 11 de setembro, mas à reconstrução do atual espírito norte-americano em cada personagem, mesmo que secundário. Um espírito paranóico, evidentemente, e também derrotado, desnudo. Patriótico? Não diria. Pelo menos não mais do que o normal (que é alto); os americanos estão tão cambaleantes que se Bush tivesse invadido Saturno, ao invés do Iraque, ninguém teria estranhado.
E Foer domina um outro problema literário comum: a personalização de pontos de vista. Muitos autores dividem seus romances em várias narrações, todas elas iguais, como se a personalidade, a forma de falar, agir e pensar de cada personagem fossem as mesmas. Em Tudo se Ilumina já havia as diferenças de linguagem e abordagem entre cada personagem, e isso continua em Extremamente Alto & Incrivelmente Perto. Outra coisa interessante é a forma como ele utiliza as possibilidades gráficas: fotos, desenhos, diálogos espalhados, páginas apenas com números ou com apenas uma frase, centralizada, ou sem nada.
A coragem de Safran Foer está não apenas em almejar uma linguagem
própria, um estilo que começa a tomar formas cada vez mais reconhecíveis,
mas em encarar um assunto como o 11 de setembro tão pouco tempo
depois. É muito mais fácil explorar grandes eventos depois de
um longo período, quando já o entendemos melhor - e aqui não
se trata de um evento qualquer, mas o mais marcante dos últimos
anos. Caso mantenha a qualidade nos próximos livros, Foer será,
dentre os jovens autores, aquele com maior chance de se tornar
um futuro clássico.
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Lopes
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