“Gauleses
Irredutíveis” carrega no sexo, drogas e rock’n’roll. Até
que enfim!
por
Alexandre Petillo
Gaúcho é macho, né?
Piadas à parte, os gaúchos foram machos em suas declarações
no livro "Gauleses Irredutíveis", dos jornalistas Alisson
Ávila, Cristiano Bastos e Eduardo Muller. Geralmente, roqueiro brasileiro
costuma fazer o gênero boa-praça. Salvo raras exceções,
a grande maioria foge de polêmicas, evita criticar um amigo em potencial.
Ou seja, roqueiro brasileiro de bandido, nem a cara.
Mas "Gauleses", graças aos
deuses do rock cafajeste, veio mudar isso. A gauchada falou pelos cotovelos
e o que se vê nas páginas do livro são ótimas
histórias sobre os bastidores da mais peculiar cena roqueira do
Brasil. Bajulado pela crítica, mas pouco ouvido pelo grande público,
o rock fabricado no Rio Grande do Sul sempre teve como uma de suas características
– além do humor sutil de suas letras – a excentricidade de suas
estrelas, que garantiam ótimas histórias.
Sabendo da riqueza desse material,
os autores entrevistaram todas as figuras que foram relevantes para o rock
dos pampas, de Humberto Gessinger
à Carlinhos, da Bidê
Ou Balde, passando por figuraças como Nei Lisboa, Edu K (De
Falla), Flávio Basso (aka Júpiter
Apple) e Plato Dvorak.
Ninguém – nem os entrevistados
e muito menos os autores – se intimidou em relatar cabeludas histórias
de bastidores, deixando o livro rico em sexo, drogas e algum rock’n’roll.
Não foi atoa que o livro foi a sensação da última
Feira do Livro de Porto Alegre, realizada em novembro do ano passado. Disposta
a aproveitar a oportunidade de lançar o livro na tradicional Feira,
a Editora fez algumas cópias especiais que causaram rebuliço
entre os participantes. "Gauleses Irredutíveis" foi o livro de "autores
estreantes" mais vendido de toda a Feira. No resultado consolidado – de
acordo com a organização – o livro figurou em 6º lugar
na categoria não-ficção e 19º no geral. Detalhe:
na frente do último livro de Luís Fernando Veríssimo,
prata local e escritor consagrado em todo o Brasil.
Para quem conhece, pelo menos se envolveu
um pouco com a nova safra do rock gaúcho, radicado em SP, como a
Bidê Ou Balde ou a Vídeo Hits, vai se deliciar, por exemplo,
com a história de uma famosa groupie indie paulistana. Por
e-mail, Álisson Ávila falou com exclusividade com o Scream
& Yell.
Scream &
Yell - Você não acha o livro um pouco bairrista? Você
acredita que os outros leitores de outros Estados, que não conviveram
com as bandas citadas vão se divertir também com as
histórias?
Álisson Ávila - O livro
não é bairrista. Tem o livro que fala sobre tango, o que
fala sobre a Bossa Nova, o que fala de rock de Brasília e o que
fala sobre rock gaúcho. A questão é escrever sobre
um assunto que se tenha conhecimento, o que está ao nosso redor.
O papo foi mesmo "ser universal falando do seu canto". E, no capítulo
final de comparações com o restante do país, simplesmente
traduzimos um status quo: são os caras que falam tudo aquilo, literalmente.
Acreditamos que as pessoas podem se divertir lendo os "causos" do livro,
porque são situações que podem acontecer com qualquer
pessoa que tenha uma banda, independente se é de São Paulo,
Rio de Janeiro ou Manaus.
Quando vocês
resolveram escrever o livro? Levaram quanto tempo na feitura?
A idéia surgiu no início
de 2001. Apresentamos o projeto à editora em maio, sem termos nem
mesmo o nome do livro, somente a idéia de como ele seria na sua
métrica - um livro basicamente de cruzamento de entrevistas -, e
foi aprovado no ato. Tanto que a editora sugeriu que elaborássemos
o trabalho para a Feira do Livro de Porto Alegre de 2001 e decidimos que
valeria a pena: já que querer abraçar o mundo da informação
é algo sem limites, decidimos que o momento era aquele mesmo. Portanto,
tivemos o prazo de pouco menos de seis meses para concluir o trabalho de
definição de fontes, apuração, checagem de
dados, decupagem, coleta de material fotográfico, edição
e editoração gráfica, e acreditamos que foi o suficiente.
Muito trabalho, muitas risadas e muita satisfação - não
sem antes muitas, muitas discussões!
Teve alguém
que vocês gostariam de entrevistar que ficou de fora?
Bom, um livro como esse não
tem capacidade física de incluir todas as pessoas que, de alguma
forma ou outra, foram responsáveis pela construção
da cena gaúcha desde o final da década de 50, ponto de partida
para o surgimento do Rock Gaúcho. E, como a idéia desde o
início era dar voz para todas pessoas possíveis, seja lá
o tamanho da banda, a coisa fica meio com cara de "sem fim". Se alguém
efetivamente tentou uma coisa, merece estar no livro - e sempre se descobre
alguém novo e que é especial por alguma razão. Por
outro lado, alguns desses indivíduos, efetivamente importantes nesse
contexto, por motivos que não nos cabe adjetivar, optaram em não
dar o seu depoimento. É o caso de Wander
Wildner, ex-vocalista dos Replicantes, Charles Master, que era do TNT,
Jimi Joe e Hermes Aquino, compositor do hit
"Nuvem Passageira". Uma pena.
Quais foram
as melhores histórias? Teve algumas que os surpreendeu?
Começando pelo que nos surpreendeu,
em termos de atitudes, é inevitável falar de Plato Divorak
(Pére Lachaise, Momento 68, Lovecraft, Plato e os Shazans), que
em seus relatos deu amostras de rara franqueza sobre suas peripécias
sexuais, mentais e musicais. É o legítimo exemplo de um cara
que deveria ser melhor reconhecido pela sua criatividade e pela sua labuta
na cena, editando discos e produzindo festivais, como o Montehey Popstock.
Mas as melhores histórias, na nossa opinião, são aquelas
que pela sua riqueza nas descrições dos fatos e detalhamento
do momento em que foram protagonizadas, puderam fornecer ao leitor um painel
histórico dos acontecimentos. Mas de um modo diferente, porque o
lúdico estava sempre em primeiro lugar nas nossas edições:
quisemos traduzir um espírito de rock’n’ roll, como este espírito
funcionou no RS. Isso, ao mesmo tempo trazendo consigo a informação.
Em termos de "hard news", os radialistas Glenio Reis e Júlio Fürst
fizeram descrições muito ricas sobre o que acontecia na época,
respectivamente as décadas de 50/60 e 70. O mesmo se aplica a nomes
como Ricardo Barão, Mauro Borba, Katia Suman, Mary Mezzari, Claudinho
Pereira....... Todos radialistas e o último, DJ das antigas e agitador
da cena: foi o cara que fez detonar o "Rock Grande do Sul" em 1985.
Os músicos são um caso
à parte, porque lidamos com subjetividades: tem coisas que os caras
se eriçavam pra falar e achávamos que não valia de
nada, e vice-versa. Então, fomos concatenando as falas até
chegar lá.
Por que a
cena gaúcha foi sempre tão falada pela crítica musical
mas nunca conseguiu fazer um grande sucesso em todo o Brasil, como, por
exemplo, a cena de Brasília?
Talvez porque ela seja uma das poucas
que se identifique desse jeito. Praticamente todo mundo fala de rock gaúcho
quase como um gênero, mas isso não se repete para falar de
rock mineiro, carioca, até mesmo paulista. Brasília se aproxima
um pouco disso, mas, sei lá, acho que os caras aqui vestem mais
a camiseta. Para o bem e para o mal, porque não são poucos
os que detonam esse rótulo.... o próprio livro propõe
algumas respostas para essa tua pergunta, sem ter a petulância de
oferecer apenas uma informação concatenada. Assim, discordamos
um pouco dessa afirmação. Nos anos 80, o Rock Gaúcho
foi tão incensado quanto o de Brasília e o de São
Paulo, por exemplo. Tanto que os Engenheiros do Hawaii, por certo tempo,
foi uma banda realmente grande no Brasil. Tem gente que acha que o Nenhum
de Nós voltou agora, mas eles nunca deixaram de tocar, lançar
discos e encher shows por aqui. E esses comentários, claro, não
passam pela questão do gosto musical. Acreditamos que possa existir
algum fator "lingüístico", relacionado ao sotaque e ao tema
das composições, que acaba por não chamar a atenção
do grande público consumidor de discos. Há uma ironia e um
senso de humor diferente, e talvez isso seja de fato preponderante. Esta
ironia, que parece um status quo, aqui, é vista muitas vezes como
"rock palhaço", "engraçadinho" por quem precisa compartimentar
tudo logo de uma vez. Não é todo mundo que acredita em letras
de amor comum enquanto proposta viável de banda, o que facilitaria
as coisas. Ao mesmo tempo, caras como Júlio Reny faziam letras de
amor do caralho. Em razão de fatores como esse, um mercado
próprio acabou se solidificando por aqui, a fim de atender ao público
local, grande incentivador das bandas nessas plagas. As rádios também
foram praticamente obrigadas a se adaptarem a esse fenômeno - que
não é novo, pelo contrário: ele nunca teve o respaldo
merecido até então.
E é importante destacar que
foi um grupo de bandas que conseguiu essa entrada, pelos mais diversos
motivos. De modo geral, todas merecem estar onde estão, estas que
conseguiram furar o bloqueio. Existem muitas, muitas, muitas outras bandas
gravitando ao redor. Certamente, centenas.
Por
que "Gauleses Irredutíveis"?
É que quatro entrevistados
fizeram essa analogia entre os gaúchos e os personagens do Asterix.
E, como não queríamos um nome óbvio, optamos por esse.
Aproveitamos para destacar o trabalho de todos os camaradas que fizeram
acontecer com a gente: o Nik Neves, que fez o projeto gráfico e
essa capa que sinceramente gostamos muito; o Guilherme Imhoff, fotógrafo
que fez a produção de imagens; a Vanessa Purper, RP que nos
ajudou na produção; o Atelier de Imprensa, na assessoria;
os "santos" decupadores, estudantes de jornalismo que voluntariamente transcreveram
todas as fitas para o papel; e, especialmente - o que achamos fundamental
destacar, porque entendemos ser um exemplo -, o bar Dr. Jekyll, que acreditou
na idéia e bancou os custos de produção. Não
é um bar grande e estes, sinceramente, não vestem uma camiseta
desse jeito.... Seremos sempre muito
gratos a eles.
Você
acha que esse é o livro definitivo sobre o rock gaúcho? Está
tudo aqui?
Olha, Alexandre, definitivo, na nossa
maneira de ver e ouvir, somente a bateria de Keith Moon, os primeiros discos
dos Kinks e a gatorra do Tony. Basicamente, não queremos ter a pretensão
de sermos os arautos de uma grande verdade. Estamos propondo coisas e a
visão é meio punk: todo mundo tinha que fazer alguma coisa,
de alguma maneira, com o seu jeito. Agora mesmo em outubro, quando saiu
nosso livro, o Mauro Borba, radialista da Pop Rock, relançou o livro
dele sobre rádio, que também foi super bem em vendas. Demos
entrevistas juntos e tudo. Uma coisa complementa a outra. Pensamos em fazer
mais coisas e que todo mundo possa fazer a sua.
Alguém
se recusou a falar sobre bastidores ou contar alguma história mais
picante?
Pelo contrário, tiramos tanta
lama que daria mais um livro inteiro. Muita gente se xingou. As picardias,
praticamente todas estão ali. Tiramos as que envolviam pessoas sem
direito a defesa e algumas perversões retiradas por pedido das fontes.
Como está
a cena roqueira de Poa agora? Qual foi a melhor fase?
Em termos de mercado, o momento parece
ótimo. Há quatro rádios tocando música local
direto, a grande mídia fala sempre (de um grupo seleto) de bandas,
e temos revistas que praticamente só falam da cena daqui. A RBS,
"nossa Globo", por exemplo, direcionou sua rádio jovem para o rock
daqui e o festival Planeta Atlântida - o maior do Brasil - desse
ano tem a metade do seu casting formado por bandas gaúchas. É
um festival que deve reunir umas cem mil pessoas em tres dias, com uma
exposição absurda na mídia. Guardando as devidas proporções,
imagina se o Faustão adotasse o rock.
Grande parte das bandas que estão
fazendo seu lado agora estão ralando há dez anos. Praticamente
todo mundo tem sua história anterior, um respaldo de moquifos com
som podre, fitas demo, por aí... Digamos que parecem haver poucos
arrivistas, sem comparações. Sobre melhor fase, é
subjetiva..... tudo o que acontece agora é fruto de um nebuloso
anos 90, onde muita coisa irada foi feita e com pouquíssima repercussão.
Cada momento tem seus méritos.
Por que vocês
dividiram em tópicos ao invés de contar de forma cronológica?
Porque nunca tivemos a intenção
de fazer uma grande enciclopédia sobre o rock, e sim mostrar o lado
divertido da cena roqueira local. Traduzir um imaginário, fazer
uma homenagem e ainda promover uma reflexão. Não é
informação pura e dura, "aqui você tem os fatos com
objetividade e isenção", nada dessas balelas, essas falácias.
O cara lê e tira suas próprias conclusões. Sem contar
que se pode abrir o livro e ler em qualquer parte, o que a galera adora.
Mas, quem lê de
cabo a rabo percebe que há
uma fina cronologia acontecendo em alguns capítulos, para que o
cara não se sinta flutuando o tempo todo..
Quais
são os grandes nomes do rock gaúcho de todos os tempos?
Na nossa opinião, Júlio
Reny, Fughetti Luz (Liverpool e Bixo da Seda), Luiz Vagner, Cascavelletes,
Graforréia Xilarmônica,
De Falla anos 80 e também início dos 90... Tem a rotulada
MPG que fez coisas muito legais mesmo, uma espécie de mistura de
regional e pop de bom gosto em pleno final dos 70... e aí é
um balaio de gente. Afora "grandes nomes", aproveitamos pra lembrar que
agora está rolando uma cena forte de bandas de jazz malucas...
Já
estão pensando em projetos futuros?
A idéia de um Gauleses II não
deve ser descartada. Tem muita sobra de material e outras pessoas a serem
ouvidas. É comum o pessoal falar com a gente na rua comentando o
livro, dando sugestões e até mesmo se dispondo a falar -
e perguntando pelo volume 2. Também estamos armando um programete
de rádio, com as gravações originais das entrevistas
e outras conversas inéditas. Outras coisas são o lançamento
oficial do livro em SP, esperamos que em março/abril; a produção
de um site com muitas fotos raras que não entraram no livro (já
estamos fazendo, mas é coisa mais pro final do semestre); pode rolar
uma espécie de talk show no Dr. Jekyll, o bar que nos patrocinou
a produção - tipo levar pessoas, escolher um assunto, conversar
com o público e dar uma canja / jam no final. Porém, um terreno
em Ibiraquera (SC) para uma vida um pouco mais prosaica à beira-mar
seria a melhor pedida, hehehe........
E manuais, muitos manuais: ponto cruz,
dragagem de arroios, defumagem de embutidos, cestas de vime, adestramento
de gazelas, gravação de nomes em arroz (até três
primeiros nomes), pirografia, Do-in facial, azulejamento de praias, plantação
de mamão papaya, ludo real e gamão chinês... |