10 Pãezinhos - Entrevista com Fábio Moon
por
Drex
cartasdemaracangalha.blogspot.com
18/06/2003
Dizem por aí que ter um irmão
gêmeo provoca sérias crises de identidade. Não deve
ser nada fácil então para Fábio Moon e Gabriel Bá
que, além de irmãos gêmeos, trabalham juntos em uma
mesma atividade. "É como ser chefe de você mesmo" analisa
Fábio, filosoficamente.
Para complicar, ambos escolheram uma
área que, no Brasil hoje, é quase missionária: a de
desenhar histórias em quadrinhos. Uma religião apaixonada,
mas sem possibilidades lucrativas. Parece, no entanto, que nem as crises
de identidade nem o cenário estagnado conseguem desanimar quem gosta
mesmo do que faz.
A dupla já carrega essa bandeira
desde 1997, quando criaram o fanzine 10 pãezinhos. Entre
idas e vindas, o 10 pãezinhos já teve mais de 40 números
impressos. Lançaram também dois livros pela Editora Via
Lettera, o premiado "O Girassol e a Lua" e "Meu Coração,
Não Sei Por Que", além de outros trabalhos publicados na
revista Front e no álbum "10 na Área, um na Banheira e Ninguém
no Gol".
Depois de algum tempo sem lançar
edições do zine, Fábio e Gabriel estão de volta.
A edição especial de relançamento do 10 pãezinhos
, "Feliz Aniversário, Meu Amigo", conta a estória
de um jovem "fantasma" que volta para reencontrar os amigos. E o local
deste reencontro, retratado nos traços fiéis de Fábio
Moon, é um lugar sui-generis para o público de rock de São
Paulo: o bar Funhouse. "Nada mais natural do que levar os seus amigos para
os lugares legais que você freqüenta" explica o autor-desenhista-personagem.
Como não poderia deixar de ser, a festa de lançamento da
revista aconteceu também no mesmo local.
Ambientada num lugar real e retratando
os próprios autores, "Feliz Aniversário, Meu Amigo" é
uma estória de amizade, de reencontros e partidas. Apesar de simples,
surpreende pela emoção sincera. E é um barato identificar
cada lugar da Funhouse nos enquadramentos espertos do desenho de Fábio.
Não vou cair na tentação
de tentar descrever o estilo do traço da dupla. Melhor seria você
conhecer mais o trabalho deles e conferir com os próprios olhos.
Leia a entrevista e, depois, dê um pulo no site da "10
pãezinhos" ou no blog "10
loucos", onde vira-e-mexe algumas tiras são publicadas. Para
comprar a revista "Feliz Aniversário, Meu Amigo" é possível
ir direto a este endereço: http://10paezinhos.sites.uol.com.br/feliz.html
O S&Y foi conversar com Fábio
Moon para saber um pouco mais sobre quadrinhos, amigos e rock'n'roll. Confira.
S&Y: Começando pelo
começo, como surgiu o "10 pãezinhos"?
Fabio Moon: Surgiu da nossa vontade,
em 1997, de fazer histórias em quadrinhos sem nos importarmos com
dificuldades de mercado ou grana. Decidimos então criar um fanzine
e sair por aí vendendo. Esse fanzine se chamava 10 Pãezinhos.
O (Gabriel) Bá que inventou o nome.
São mais de 5 anos de estrada.
Como foi a batalha de lá pra cá? Já há algum
momento que vocês podem dizer que foi marcante?
Marcante mesmo foi ganhar o HQ Mix
de melhor fanzine e de desenhista revelação em 2000, mesmo
ano em que estávamos lançando o nosso primeiro livro do 10
Pãezinhos, "O Girassol e a Lua".
Você falou em meter as caras
e não se importar com mercado ou grana. Existe espaço para
esse tipo de quadrinho independente no Brasil? Dá para pelo menos
bancar o trabalho?
Bancar o trabalho ou bancar a impressão?
A impressão dá. Você sai por aí vendendo suas
revistas, seus fanzines, vai num desses pontos especializados dos fãs
de quadrinhos, vende um pouco mais por lá, depois continua vendendo
cada vez mais... Um dia você vende o suficiente pra pagar a gráfica,
aí você continua vendendo e tem algum lucrozinho. Mas nada
que dê para ganhar a vida. Você acaba fazendo o trabalho para
tentar criar um público leitor de quadrinhos, mostrar as possibilidades
das histórias em quadrinhos como um meio de contar todos os tipos
de histórias.
Mas dá pra viver de "desenho"
no Brasil? Eu quero dizer, com outros trabalhos paralelos à HQ...
O que mais vocês fazem, por exemplo?
Dá para viver de desenho no
Brasil. Você pode fazer ilustração, fazer storyboard
para propaganda, pode tentar a vida como “designer" e ficar criando logos
e outras coisas mil com um computador, mas com história em quadrinhos,
trabalhando para o mercado brasileiro, não tem como ganhar a vida
desenhando. Eu e o Bá, por exemplo, fazemos ilustrações
para a revista infantil "RECREIO", da Editora Abril.
Então HQ ainda funciona
muito mais na base do idealismo mesmo....
Acho que é mais do que isso.
O ideal seria ter gente que faz quadrinhos para gente que paga pelo trabalho
e publica para gente que lê quadrinhos. Existe para mim e para o
Bá uma necessidade de contar histórias, de atingir um público,
leitores ou não de quadrinhos.
O problema é que essa roda
demora pra engrenar, né? Falando nisso, como vocês sentem
o cenário de HQ no Brasil hoje? Tem muita gente se mexendo? Que
publicações recentes vocês podem indicar?
Tem um pessoal de Londrina que faz
a revista "Tipos", que você pode conseguir pelo e-mail scripthq@hotmail.com.
Eles correram atrás de Lei do Incentivo e tudo mais, estão
já no número três, fazendo o quatro. O que falta ainda
na qualidade do trabalho é compensado pela energia bruta e sincera
das histórias. Na internet, não dá para deixar de
falar da "Nona Arte", que vem
publicando HQs inéditas de vários artistas, fazendo fanzine
virtual (e de papel também), lançando revista, livro e o
escambau. E tem a gente, né?
É claro... Você comentou
a respeito do nome: ainda dá pra lembrar de onde o Bá tirou
"10 pãezinhos"?
O fanzine deveria ser como as histórias
que contaríamos nele: algo cotidiano, tanto para nós como
para os leitores, uma necessidade básica de toda semana, de toda
segunda-feira para ser mais exato. E para nós não havia nada
mais cotidiano, nada mais "todo dia" do que comprar dez pãezinhos
no café da manhã. Crescemos com dez pãezinhos na mesa
do café.
Inspiração na padaria
do seu Manoel, então...
Pois é. Até pensamos
em outros nomes, mas aí o Laerte
nos disse: "Tem que ser um nome em português". Achamos que o nome
foi português até demais...
Em HQ quais são as influências
de vocês? Começaram lendo Marvel e DC também?
Antes da Marvel e da DC, acho que
vieram os quadrinhistas nacionais. Crescemos com todo o tipo de gibi. Passamos
pela "Mônica", pelos gibis da Disney, passamos pela revista "Mad"
até que descobrimos a revista "Chiclete com Banana". Foi uma revolução.
Tinha palavrão, mulher pelada, sexo. Tinha uma cidade como a nossa
(era a nossa), tinha o Angeli, o Bob Cuspe e a Mara Tara. Foi de uma criatividade
ímpar nas revistas que comprávamos toda semana. Aí
veio o Laerte, Deus do quadrinho nacional, com a "Piratas do Tietê".
Depois de todo esse material nacional, a gente descobriu os super-heróis
e pirou neles. Até hoje, eu adoro super-heróis, tem revista
que eu compro todo mês, minha mãe também adora e todo
mundo em casa acaba lendo. Mas depois de todo esse tempo lendo quadrinhos,
quando chegou a a hora de fazer quadrinhos, a gente acabou voltando para
o que nos parecia mais próximo: estórias mais pessoais sobre
o cotidiano, sobre a nossa cidade, sobre duas pessoas que se apaixonam.
Sobre
estas estórias como essa da edição especial de relançamento
do "10 pãezinhos", a "Feliz Aniversário, Meu Amigo". Essa
estória se passa num lugar real, o Funhouse (bar de rock alternativo
em São Paulo). Como surgiu essa idéia?
A idéia dessa história
partiu da falta que eu sentia dos amigos. Aí, eu queria meus amigos
perto de mim e pensei: "e se eu pudesse trazer meus amigos para perto?
Mesmo os que estão longe demais? Mesmo os que estão mortos?"
Daí o resto foi natural, pois nada mais natural do que levar os
seus amigos para os lugares legais que você freqüenta, e eu
e o Bá freqüentamos o Funhouse.
A personagem principal dessa revista,
o amigo "fantasma" que já partiu e que agora volta para reencontrar
os amigos, é baseado em alguém em especial que você
perderam, ou se trata de uma metáfora mais geral mesmo?
A metáfora é geral.
Aliás, tudo na história é metafórico, não
só o amigo "morto". Todos os amigos representam um lado da amizade.
Ir ao Funhouse é metafórico. É sair para se "divertir".
Sem dúvida... Eu vi em "Feliz
Aniversário" uma estória muito bonita sobre amizade e sinceridade.
Para vocês ela é sobre isso também?
Para nós, ela é um presente
de aniversário para todos os nossos amigos. E para todos os nossos
leitores. É o nosso guarda-chuva...
Vocês citaram, e desenharam,
vários amigos reais na estória, além de vocês
próprios é claro. É a primeira vez que vocês
fazem isso?
Não. O vilão do nosso
primeiro livro, "O Girassol e a Lua", era baseado numa pessoa real. A mocinha
do nosso segundo livro, "Meu Coração, Não Sei Por
Que", era baseada numa pessoa real. Os personagens legais estão
por aí, nem sempre precisamos inventá-los.
Existe um sentimento diferente
nisso? Quero dizer, ao invés de fantasiar, usar personagens reais
e ambientar a estória em lugares verdadeiros. Posso dizer que vocês
fazem um "quadrinho confessional"?
Fabio Moon: Acho que isso cria uma
outra textura para o trabalho. Não usamos referências necessárias
para entender a história, mas é um detalhe a mais.
Principalmente nesta revista, dá
pra sentir uma forte relação com a música, principalmente
o rock alternativo... Esta é mesmo uma fonte de inspiração?
A música tem um impacto muito
grande na maioria de nós e é um dos motivos que motiva as
pessoas a irem a locais como aquele. Esse tipo de rock, às vezes
barulhento, às vezes melódico, muitas vezes incompreensível
e, em momentos especiais, poético, representa muito a confusão
em que vivemos hoje. A idéia de situar a história num bar
de rock joga com esse conceito e apresenta o desafio de transpor para a
página essa energia da música.
Mudando um pouco de assunto, como
é então ter um irmão gêmeo que, além
de fazer a mesma coisa, trabalha junto com você?
É como ser chefe de você
mesmo e ao mesmo tempo ter alguém com quem gritar. Isso com a certeza
de que você não será despedido.
Como acontece a divisão
de trabalho entre vocês?
A gente pensa nas histórias
e tenta imaginar qual desenho cai melhor nela. Na maioria das vezes, é
o desenho do Bá, mas nessa última história foi o meu.
Quais os caminhos, quais os planos,
pra onde vocês querem ir?
Temos vários planos. Um deles
é publicar no segundo semestre o ROLANDO, uma história que
fizemos para o mercado americano em 1999 que agora a Via Lettera vai publicar
em português, todo colorido. Além disso, temos um novo álbum
de histórias nossas pra lançar, mas antes queremos que todo
mundo leia essa nova revista, FELIZ ANIVERSÁRIO, MEU AMIGO.
Feliz Aniversário, Meu Amigo
- http://10paezinhos.sites.uol.com.br/feliz.html
10 pãezinhos - http://10paezinhos.sites.uol.com.br/index.html
10 loucos - http://10loucos.blogspot.com
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