"Máquina de Pinball" - Clarah Averbuck
Editora Conrad - 80 pags
por Diego Fernandes 
d13g0_freejazz@yahoo.com.br

Se você é leitor do Scream & Yell há algum tempo, já ouviu falar de Clarah Averbuck. Clarah ganhou fama como colunista do extinto (pioneiro, bizarro, genial) e-zine gaúcho CardosOnLine. E já colaborou com o S&Y. A bem da verdade, na fase mais caída do COL, pouco antes do fim, quando a qualidade média do material publicado despencou um mooooooonte, os textos de Clarah davam uma salvada. Após o fim do COL, Clarah mudou-se definitivamente para São Paulo e consolidou sua carreira como escritora virtual em seus múltiplos blogs (sendo o mais popular o Brazileira!Preta!). A escritora sedimentou um culto razoável em torno de sua personalidade e de seus textos um tanto pessoais impregnados de atordoantes referências pop. 

O que nos leva a "Máquina De Pinball", seu primeiro "romance", lançado com relativo estardalhaço pela Conrad Editora.

O que quer que Clarah tenha pretendido com esse livro, não fica nítido. O livro tem ótimas sacadas. Sim. Como as epígrafes rock’n’roll de cada capítulo, sintetizando perfeitamente o espírito de cada parte. Como o trecho em que resume sua passagem por Londres ("Querem o quê, que eu veja o Big Ben? Pra quê? É só um relógio.") e outras mais, que me proporcionaram um prazer incomodamente fugaz no decorrer da leitura.

Como obra literária, todavia (e é disso que estamos falando), passa longe de convencer. Para cada boa tirada, brotam como contrapeso frases como "Pau no cu dos escritores pasteurizados e sem sentimentos e com fórmulas que fedem a desinfetante" e "Argh. Preciso é dar um jeito de arrumar o caos que eu sou". Parece mais um amontoado de posts retirados de seu blog, sem uma liga convincente. Não há propriamente uma história sendo contada – e sim um caos de citações pop armado que acaba desabando sobre a própria cabeça. 

Os casos da protagonista vão e vêm. A narradora, que obviamente Clarah quer que acreditemos se tratar dela própria, sofre por algo indefinível e que pode irritar o leitor profundamente em alguns trechos (a maioria deles, pra ser bem sincero). Pior é quando decide dar aula de cultura pop, EXPLICANDO coisas: "Don't stop, dizem as vadias na faixa 20 do Usually Just A T-Shirt do Frusciante, que foi lançado junto com o Niandra LaDes e que pouca gente nota que são dois discos. Até a 12 tem nome, até a 25 são untitled #1, #2 e assim por diante. Perspicácia, por favor". Putz. Dica: não subestime seu leitor – ele pode ficar puto com isso. Sobretudo se pertencer justamente a uma parcela segmentada de público que tem acesso suficiente à cultura para saber quem diabos é Clarah Averbuck e comprar o livro.

Fica claro que a obra é sincera – o que, de maneira alguma, redime seus trechos mais fracos. Principalmente quando a autora resolve narrar a coisa feito um índio de filme gringo, suscitando um quase incontrolável desejo de atirar o livro contra a parede ou em um incinerador. Ex: "Então conheci a Anne e ela também entendia e ficamos amigas imediatamente e ouvimos CDs e nem usamos drogas mas bebemos bastante e fumamos muitos cigarros e passeamos no cemitério e falamos muita merda e tiramos muitas fotos e choramos doído na hora da despedida." Convenhamos.

O trecho que antecede o fim da história (na falta de definição mais precisa) tem diálogos que poderiam ter sido tirados de uma comédia romântica – uma comédia romântica estrelada por Courtney Love, talvez. Não é um elogio.

O final do livro é inegavelmente chupado de "Cartas Na Rua", de Bukowski, por quem Clarah parece nutrir certa fixação -- assim como por John Fante. Algo que parece não ocorrer à escritora é que tanto um como outro fizeram a rota inversa à sua: primeiramente viveram, depois escreveram, não viveram para escrever. Quem viveu para escrever foram os beatniks, que se envolveram em enrascadas espontaneamente para assim obter material para suas elucubrações literárias, e nem de longe chegaram ao mesmo patamar dos supracitados escritores.

Mas não é isso que incomoda. O mais incômodo é perceber que o livro oferece algo parecido com um reality show literário – a impressão de ter sido escrito às pressas e sem preocupação com qualquer verniz narrativo é recorrente em várias passagens desleixadas espalhadas pelo texto. Aliás, o mesmo problema dos blogs que infestam a rede. Todo o veneno da moça, algo como uma inusitada fotografia invertida do sexismo masculino (nesse sentido, pode-se dizer que Clarah está para Bukowski ou Hemingway assim como o Le Tigre está para o Big Black ou para o Rapeman) perde-se ante as amarras frouxas do texto. 

De qualquer forma, não quero que isso fique nebuloso: literatura confessional e de caráter realista pode resultar em algo brilhante. A rigor, com o ritmo, as metáforas e os adereços corretos, qualquer tipo de exercício literário pode se tornar sublime – e o exemplo mais acabado disso é Nick Hornby, que consegue transformar crises existenciais cretinamente mundanas em uma ladainha não menos que genial. Do contrário o texto se assemelha a um diário.

E uma última consideração, mercadológica, na verdade uma dica para o pessoal da Conrad: NENHUM LIVRO de menos de 80 páginas vale 22 reais. Nem um do Bukowski. E certamente não é dele que estamos falando

Diego Fernandes, 21 anos, gostaria de dizer que seu exemplar de Máquina De Pinball tá pra negócio.