"Zuzu Angel"
por
Marcelo Miranda
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08/08/2006
Sempre que um filme é taxado de televisivo, a impressão é de se estar
dizendo que a TV é inferior ao cinema. O que se deve dizer, de fato, é que o
filme possui elementos televisivos muitas vezes desagregadores da
grandiosidade que a linguagem cinematográfica pode proporcionar. Zuzu
Angel cai nessa armadilha ao pasteurizar e simplificar a saga da
personagem-título. O que se vê no filme de Sérgio Rezende é uma história de
amor materno travestida da mais pura ingenuidade quando trata da
complexidade de temas que o enredo levanta.
Claro, seria um exagero dizer que existem grandes semelhanças com
Olga, este um trabalho de voltagem máxima no quesito “detestável”. Se
há alguma coisa em comum entre a biografia filmada das duas mulheres, é
simplesmente isso: serem duas biografias filmadas de mulheres que partiram
de peito aberto contra regimes ditatoriais.
Aliás, ditadura, repressão, tortura, crimes misteriosos. Estão em Zuzu
Angel todas as características de filmes ambientados no regime militar
brasileiro. O longa de Sérgio Rezende consegue, inclusive, evocar em
determinados momentos o precursor Pra Frente Brasil, de Roberto
Farias, que mostrava a saga de um homem em busca do irmão desaparecido nos
porões da repressão – e as seqüências de tortura protagonizadas por Daniel
de Oliveira como Stuart Angel bem lembram os horrores sofridos por Reginaldo
Faria na produção de 1982.
Mas se origina essa positiva recordação, Zuzu Angel também é capaz de
assumir estereótipos típicos de produções que tentaram tornar o período
retratado um momento mais aventuresco, como foi a visão distorcida de Bruno
Barreto em O Que é Isso, Companheiro?, ou mesmo Lamarca, do
próprio Sérgio Rezende e que tem um eco neste seu novo trabalho (Paulo Betti
ressurge rapidamente em cena na pele do personagem real que já
interpretara).
A visão do diretor para a saga de Zuzu não tem, de fato, embates ou
conflitos legítimos. Há, sim, a tentativa de colocar a protagonista sempre
correndo (ora correndo atrás de ajuda, ora correndo perigo) sem nunca deixar
de estar encaixada no que o roteiro previamente estabeleceu. Desde o clichê
do revolucionário abatido pelo Exército durante um assalto até as falas
pomposas dos personagens em busca de solução para os seus problemas, Zuzu
Angel” apenas gira ao redor da ferida sem apertá-la. Atrapalha (e muito)
o roteiro discursivo, que deixa à mostra, na voz dos atores, o artifício de
um moralismo envelhecido. Esse texto – sim, texto, esta palavra ruim para
definir um roteiro, mas a mais apropriada no caso em questão – ganha ares de
ridículo quando declamado por um Daniel de Oliveira cheio da afetação típica
dos jovens revolucionários que o cinema brasileiro por vezes insiste em
apresentar como patéticas encarnações de ideologias.
A vontade do filme de colocar Zuzu dentro de uma engrenagem é tamanha que o
longa começa em ritmo de thriller de suspense e logo a apresenta falando
fora da tela, com o único propósito de narrar toda a sua trajetória pessoal
até o ponto que Rezende pretende retratar. A falta de crença no espectador
(ou a crença de que é necessário reconstituir, como numa minissérie, o que
aconteceu nos capítulos anteriores) tira o brilho do que poderia ser um
trabalho sobre angústia e solidão, perdas e esperança, algo que apontasse
por imagens, expressões, encenações, aquilo a que se propõe.
O esforço de Patrícia Pillar em soar autêntica e a paixão com que se entrega
ao papel são explícitos, mas não o suficiente para abafar o contexto de
fraquezas que rodeia a atriz. Zuzu Angel, realizado por um cineasta
que, mal ou bem, tem experiência de décadas (e é um especialista em abordar
figuras históricas semi-solitárias, como o fez em O Homem da Capa Preta,
Lamarca, Mauá e Guerra de Canudos), aparenta ser um projeto
amador na sua falta de habilidade ao tratar da imagem e na fragilidade com
que lida e pensa a linguagem de cinema. É, basicamente, um filme que parece
ter nascido já morto para a tela grande.
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