"Vôo Noturno"
por Marcelo Miranda
Fotos - Divulgação

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17/09/2005

Wes Craven, criador do temível Freddy Krueger em A Hora do Pesadelo e revitalizador do terror nos anos 90 com Pânico, conseguiu realizar aquele que já pode ser considerado um dos piores filmes de 2005: Amaldiçoados, tentativa patética de fazer uma história moderna sobre lobisomens.

Há de se fazer justiça a Craven: ele teve pouca autonomia no longa, ficando à mercê de produtores mais interessados em criar um produto ao público adolescente do que em levar a sério as idéias quase sempre engenhosas desse mestre do gênero. Curioso então que, poucas semanas depois do pavor (no mau sentido) que é Amaldiçoados, chegue aos cinemas este novo e tão distinto trabalho do cineasta. Vôo Noturno não é uma guinada na sua carreira, nem é de todo memorável, mas serve de suficiente consolação e recuperação quanto ao filme anterior.

Para começar, mexe bem com o tema preferido de Craven: o medo do estranho, a crença e derradeira desconfiança no outro. Mais uma vez temos alguém de enorme simpatia que se depara com outra pessoa semelhante, receptiva, comunicativa. A boa relação é estabelecida – apenas para, em poucos minutos, a nova companhia se revelar encrenca de grandes proporções. O mecanismo funciona à perfeição, por exemplo, em Pânico, em especial na antológica seqüência inicial, com Drew Barrymore ao telefone (e é desastroso em Amaldiçoados, no namoro entre Christina Ricci e Joshua Jackson). E é levado à exaustão em Vôo Noturno, a partir do instante em que o personagem de Cillian Murphy (ótimo ator que parece estar se especializando em vilões psicopatas) se mostra um mercenário sem escrúpulos ou piedade da gracinha Lisa, vivida por Rachel McAdams. É do embate entre estes dois (um, confiante e solícito; o outro, calculista e amoral) que surge o maior interesse no filme.

Ajuda o talento de Craven em criar situações de tensão, em especial num ambiente de movimentação limitada – boa parte da trama se desenrola numa classe econômica de avião. Aliás, economia é palavra-chave em Vôo Noturno. O diretor economiza nos sustos, preferindo manter a suspensão (e, conseqüentemente, o interesse) sobre as reais intenções do vilão e suas atitudes; economiza nos efeitos especiais, com apenas uma cena realmente grandiosa; economiza no elenco, já que, de protagonistas, temos apenas dois; e economiza no tempo de projeção, já que o filme não chega à hora e meia de duração, o que lhe dá certa agilidade e mostra consciência e despretensão da parte de Craven em reconhecer que o roteiro (do estreante Carl Ellsworth) não permitia maiores desenvolvimentos sem que aparentasse artificialidade ou um esticamento forçado.

Pequeno e direto, o filme é muito mais eficiente na intenção de manter o espectador atento e preocupado com os desdobramentos do enredo – em alguns aspectos, dá para lembrar de Mar Aberto, outro que apostava na economia (mas radicalizando muito mais ao colocar em cena praticamente apenas os dois personagens principais, em alto mar à espera de ajuda).

Se há algo que não funciona em Vôo Noturno, ou ao menos não tem a mesma coerência e vigor sutil do conjunto, é a última seqüência. Parece até que Craven voltou ao tempo recente do tal filme de lobisomens e foi obrigado a se render às fórmulas típicas de perseguição. É como se o cineasta entregasse as rédeas até então muito bem conduzidas a algum diretorzinho de quinta categoria para a conclusão da história – que acaba tendo como desfecho uma perseguição por demais excessiva. Não precisava. A economia poderia ter pesado de vez, ousando terminar o filme mais alguns minutos antes. Do jeito que ficou, o brilho diminui consideravelmente. Mas claro, nada que sequer chegue perto de Amaldiçoados. Deste, com Vôo Noturno, Craven se livrou.


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