"A Vida Aquática de Steve Zissou"
por Drex Alvarez
Blog
21/05/2005

Em um outro texto, aqui mesmo no S&Y, escrevi que acredito que qualquer opinião é sempre influenciada tanto pela cabeça como pelo coração. Bem, isso tem implicações nem sempre muito agradáveis.

Vamos supor, por exemplo, que alguém, uma pessoa de quem você realmente goste muito, te apresente o resultado de um grande esforço, e peça a sua opinião. Sua filha se apresenta na festa de final de ano da escola de ballet, seu filho insiste em te mostrar o último truque que aprendeu no skate, um grande amigo te dá em primeira mão o último capítulo do romance que está escrevendo, uma velha amiga lhe apresenta o namorado com o qual está marcando casamento. Vamos continuar supondo, para os fins desta nossa investigação científica, que, lá bem no fundo do teu intímo, nada daquilo tenha realmente te convencido. Desconfortável não? Mesmo que, sob a influência de todo o teu amor misericordioso, você arrisque uma resposta ensaboada, ainda vai te restar, ali no canto do coração, um tantinho de lamento.

Bom, penso que vocês já imaginam onde quero chegar.

Wes Anderson é o diretor e roterista deste A Vida Aquática de Steve Zissou. Mas é também o criador de Os Excêntricos Tenenbaums, um dos melhores filmes de 2001 e um dos mais criativos dos últimos tempos. Mais importante do que isso (para mim, claro), é um dos meus filmes preferidos de sempre. Nele, Anderson teve a habilidade de colocar sua criatividade e seu estilo bastante particular a serviço de uma estória envolvente e recheada de diversos personagens ótimos. O tom teatral e burlesco, o cuidado artesanal do visual retrô, a ironia e desesperança melancólica dos diálogos, a estória nonsense e tragicômica, tudo estava em perfeita harmonia. Os personagens, muito mais que excêntricos, eram de carne e osso. Ironicamente, apesar do tom completamente surreal das estórias, eles eram capazes de transmitir emoção verdadeira em cada um de seus dramas insólitos, com honestidade e muito humor cínico. Gene Hackman, Ben Stiller, Gwyneth Paltrow, Luke Wilson e Pagoda, o inesquecível Pagoda.

Em A Vida Aquática de Steve Zissou, Wes Anderson conseguiu novamente contar com um grande elenco (Bill Murray, Willem Dafoe, Anjelica Houston, Jeff Goldblum e outros) interpretando personagens novamente esquisitos e interessantes. Depois do primeiro sucesso, Anderson foi capaz também de manter sua "integridade artística", ou seja, manteve seu estilo inalterado. Vemos novamente sua cenografia caprichada, seu tom teatral jocoso, sua ironia blasé e, principalmente, o vemos novamente contando uma estória maluca. Em a Vida Aquática, Anderson narra as aventuras de Steve Zissou (Bill Murray), um oceanógrafo que faz documentários sobre suas expedições marinhas (uma espécie de clone-homenagem-sátira do saudoso Jaques Cousteau). Zissou, que enfrenta uma crise de meia-idade profissional e pessoal, faz talvez a sua última viagem, desta vez atrás do tubarão-gigante que devorara um antigo parceiro de expedições.

Infelizmente, mesmo mantendo toda a consistência de estilo e mesmo com todas as semelhanças, parece que algo se perdeu no caminho. Entre os Tennembauns e este A Vida Aquática é como se, tal como Austin Powers, Wes Anderson tenha perdido seu "mojo". Difícil é tentar descobrir de que, afinal, se tratava esse "mojo". Por que A Vida Aquática de Steve Zissou não funciona?

Talvez as respostas não sejam tão misteriosas assim. Em primeiro lugar, particularmente, é fato que não fui capaz, em nenhum momento, de me envolver com o personagem de Bill Murray na mesma intensidade com que fui conquistado pelo personagem de Gene Hackman nos Tenenbaums. E isso parece acontecer com quase todos os outros personagens. Em A Vida Aquática todos aqueles excêntricos tripulantes raramente inspiram alguma intimidade ou empatia. São esquisitos, inusitados, engraçados, mas nada mais que isso.

Em segundo lugar, desta vez a estória não sustentou o estilo. Do tom tragicômico, Anderson se salva na comédia, mas não consegue cativar pelo drama. A Vida Aquática é um conjunto de grandes sacadas, hilárias, inteligentes e até brilhantes. Mas não há ali nenhuma força suficientemente forte para manter todos esses momentos juntos, coerentes e alinhados. No fim, falta ritmo, falta envolvimento, e as belas imagens e tiradas geniais acabam não te levando a nenhum lugar interessante.

Um exemplo mais concreto. O filme alternava bons momentos com longos períodos arrastados, quando Cate Blanchett apareceu e eu achei que finalmente seu personagem salvaria a estória. Simplesmente fiquei com saudades da Gwyneth Paltrow. Sou fã da Srta. Blanchett, mas seu personagem é simplesmente insosso.

Existe um outro fator mais pessoal, confesso. Não consigo simpatizar com o Owen Wilson. O ator foi parceiro de Wes Anderson no roteiro dos Tenenbaums, eu sei, mas simplesmente não gosto dele na tela. Me parece falso, artificial. E aqui, em A Vida Aquática ele tem um papel bem maior, é o filho não-reconhecido do capitão Zissou, ou seja, me importuna um pouco mais.

Talvez os personagens mais interessantes do filme sejam os explorados estagiários da tripulação. Ao estilo de Pagoda, Anderson os utiliza soberbamente. Não conto mais sobre eles para não estragar as piadas. A tão falada presença de Seu Jorge também vale bons momentos. Apesar de não dizer mais que duas linhas de diálogos, Seu Jorge aparece em várias oportunidades interpretando algumas músicas do David Bowie em português. Faz parte das boas sacadas que contribuem para ressaltar o estilo farsesco de Anderson.

Pelo cuidado visual e por esses diversos bons momentos isolados, vale a pena ver A Vida Aquática de Steve Zissou. Mas, se você ainda não conhece o trabalho de Wes Anderson, não comece por aqui. Sugiro experimentar primeiro os Excêntricos Tenenbaums. Faz muito mais sentido.

Fui ver A Vida Aquática de coração aberto, sem expectativas, pronto para gostar. Infelizmente não deu. E, apesar de toda tolerância, não consigo evitar o desconforto e uma certa tristeza. É um filme inteligente, é um filme criativo, é um filme que foge do padrão e da mesmice, é um filme cheio de boas e honestas intenções. Por isso tudo é triste dizer que é um filme ruim. Eu não queria achar isso, juro. Mas as intenções nem sempre bastam. E aí, não tem jeito, é preciso dizer: "É, meu amigo, sabe o que é, que tal se você tentar mais uma vez?".


Leia também:
Os Excêntricos Tenenbaums, por Marcelo Costa e Claudia Ferrari

Site Oficial de A Vida Aquática de Steve Zissou