"Vênus"
por Marcelo Costa
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25/02/2007

"Vênus", de Roger Michell, é um verdadeiro filme de ator. Muita gente ao falar de "A Rainha", de Stephen Frears, usa o termo "filme de atriz" para explicar a obra. Ledo engano reducionista. Apesar da majestosa atuação de Helen Mirren, "A Rainha" não é o acerto de uma só pessoa. Trabalham para o sucesso do longa o poderoso roteiro original de Peter Morgan, a bonita fotografia de Affonso Beato e a mão segura de Stephen Frears na direção, sem contar o bom figurino.

Filme de ator é este "Vênus", em que o indicado ao Oscar Peter O'Toole dribla uma direção melosa, uma atuação beirando o medíocre de sua partner de cena (Jodie Whittaker), e uma trilha sonora de comédia romântica, para, sozinho, brilhar e tornar o filme recomendável. Não só ele. Leslie Phillips, o outro ator octogenário em cena, transpira inspiração em seu papel. Juntos, mais de 150 anos de dramaturgia, que tornam um filme que tinha tudo para ser jogado na vala dos comuns, uma boa opção para quem quer entender as agruras da velhice.

O roteiro de Kureishi (que trabalhou com Stephen Frears em "Minha Adorável Lavanderia" e é autor do - entre outros - excelente livro "Intimidade") opta pela simplicidade ao retratar (os últimos dias d)a vida de Maurice (Peter O'Toole), um velho ator que se apaixona (naquele jeito de se apaixonar dos adolescentes) por Jessie (Jodie Whittaker), sobrinha-neta de seu melhor amigo, Ian (Leslie Phillips). Jessie é uma garota de pouco mais de 18 anos, que fez um aborto (forçado pela mãe) e acabou indo parar na casa do tio-avô. Maurice, por sua vez, tem mais de 80 anos.

O desenho de Kureishi para Maurice cai como um terno de Armani sobre a pele de Peter O'Toole. O ator a(pro)funda na dor do personagem, e retorna deste mergulho com uma atuação consagradora, despida de charme. Para isso, em muitos momentos do filme, O'Toole usa o amigo Leslie Phillips como escada, e o coadjuvante não desafina, mantendo o tom da atuação do amigo, e acrescentando - ainda - comédia e drama no ambiente (uma cena, em especial, numa igreja, é constrangedoramente bela). O mesmo ritmo não é seguido pela jovem Jodie Whittaker, que construiu uma Jessie rasa e desinteressante. Por mais que estes adjetivos fizessem parte do personagem, Jodie não dá a eles as nuances necessárias para tornar sua Jessie - no mínimo - interessante.

Um pouco desta culpa vem de Kureishi, que abusa demasiadamente dos clichês em várias passagens ao riscar a personagem feminina como uma interesseira que só pensa em dinheiro, fama e diamantes (ou roupas), sem nenhuma compaixão com o tio-avô, ou mesmo com quem a está ajudando. A direção de Roger Michell amplifica os clichês, e não fossem os dois atores masculinos, "Vênus" seria quase nada. Porém, há situações em cena que merecem serem vistas. Kureishi apimenta a relação de Maurice e Jessie, e não cabe questionamento moral nesse relacionamento. Como em toda relação, há uma troca de necessidades pelas duas partes, que torna a relação plausível (apesar de, no caso, a imensa diferença de idade).

Porém, o teor erótico que salta aos olhos em um primeiro momento fica em segundo plano em uma análise mais cuidadosa. O grande tema de "Vênus", na verdade, é a velhice, e tanto Kureishi quanto Peter O'Toole e Leslie Phillips parecem rir da situação lendo (de forma desapaixonada e até um pouco cruel) o obituário do jornal todos os dias, para ver qual amigo morreu naquele dia. A maneira que Maurice e Ian (cada um ao seu jeito) se relacionam com Jessie é exemplar, e até um pouco lírica (principalmente da parte de Ian). A juventude parece assustar, parece ser um monstro indomável de bela pele lisa, muito fôlego e péssimos gostos transbordando inocência. E é exatamente a inocência que une os personagens em um mundo em que os velhos são de "Vênus" e os jovens são do inferno.

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