Um Dia Sem Mexicanos
por
Marcelo Costa
Fotos - Site Oficial
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25/08/2005
Existem vários modos de se fazer uma crítica a alguém ou algo. Transformando
os academicismos em conversa de boteco, daria para dizer que entre
as formas mais conhecidas estão: 1) a "argumetação perfeita",
que é quando até o criticado concorda com o que foi dito sobre ele.
2) a "tapa de luva de pelica", que é quando a crítica é tão bem
construída que o criticado até se perde na ironia do texto, e muitas
vezes acha que é elogio. 3) Tem também a "cão que late não morde",
que é quando a crítica fala, fala, fala e fala, mas não diz nada.
4) E, como último exemplo entre os milhares que existem, tem a "piada
de escritório", que é aquela em que todo mundo está criticando uma
pessoa, mas a pessoa criticada não sabe, não querer saber, tem raiva
de quem sabe e está pouco se lixando para o que vem de baixo.
Em Um Dia Sem Mexicanos (A Day Without a Mexican),
o diretor Sergio Arau abraça o último estilo de crítica citada no
primeiro parágrafo, e até diverte o espectador com seu conto da
carochinha de primo pobre, mas em nenhum momento exibe cinema de
verdade, destacando muito mais as falhas no roteiro, os problemas
na edição e a fotografia de programa de auditório de TV do SBT.
A premissa do roteiro é bastante interessante, mas Arau preferiu
focar a história nos hispânicos, ao apresentar todo o problema aos
norte-americanos (e ao mundo). Com isso, o que poderia funcionar
como uma crítica adulta e mordaz acaba soando extremamente caricata
ao exibir um povo que ri de suas próprias desgraças (bem semelhante
ao nosso, por sinal).
Para contar sua história, o diretor delimita a Califórnia como pano
de fundo. Cria uma barreira ou algo do gênero e faz sumir, de um
dia pro outro, todos os mexicanos que existiam no Estado norte-americano.
Pouco? Nananinanão, caro leitor. Um terço da população da Califórnia
tem origem latina, cerca de 14 milhões de pessoas. Conhecidos nos
Estados Unidos como chicanos - herdeiros da língua hispânica que
entram ilegalmente nos EUA - estes mexicanos custam ao serviço social
da Califórnia centenas de milhões de dólares. Porém, em contrapartida,
produzem incontáveis bilhões com sua mão-de-obra barata. Desta forma,
sem mexicanos, também sem gente para pintar paredes, para ajudar
nas colheitas, trabalhar nos postos de gasolina, nas lanchonetes,
nos programas de TV voltados para o povo hispânico, um caos total.
Sergio Arau usa o argumento infantil para sacanear os Estados Unidos
com piadas que o mundo em desenvolvimento já decorou de tanto ouvir.
Em uma cena, um norte-americano reclama da presença dos mexicanos:
"Eles deviam voltar para Cuba e Porto Rico", diz o senhor, para
logo em seguida subir uma legenda: "Mexicanos não nascem em Cuba
e Porto Rico". É a velha "piada interna" de que a capital do Brasil
é Buenos Aires, saca. O que pode parecer hilário - uma super nação
que só conhece tudo que está entre suas fronteiras - no entanto,
acaba virando um tremendo atestado de conformismo, afinal, se os
norte-americanos nem sabem quantos países formam as Américas, não
será tirando sarro disso que eles irão aprender (como se quisessem).
Não é assumindo os defeitos deles que vamos honrar
nossas virtudes.
Não que não valha falar mal do chefe (ao contrário: é tremendamente
saudável), mas existem momentos em que a adequação de um discurso
acaba sendo muito mais importante que o discurso em si. Ao tratar
como comédia o delicado tema dos mexicanos que vivem ilegalmente
nos Estados Unidos (e morrem na fronteira), Arau acabou desperdiçando
uma excelente premissa (o quanto os Estados Unidos é dependente
do mundo) em troca do riso fácil e, pior, da crítica de "argumentação
perfeita". Até parece um mendigo rindo dos rico em sua limosine.
Se fosse o caso, eu preferiria atirar pedras.
Algumas cenas de América, o novelão global que exibe Deborah
Secco encarnando o "sonho (ops) de se viver nos Estados Unidos"
em horário nobre para todo o País, são mais críticas
do que Um Dia Sem Mexicanos. Se até a Globo está se saindo
melhor do que Arau, algum problema existe nesta história.
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