Agulha no Palheiro
por Drex
drex2003@bol.com.br
09/05/2003

Tudo corre mesmo muito rápido nesta nossa louca vida pós-moderna. Um mundo de possibilidades ao simples toque de um botão, mas não conseguimos mais do que ficar atolados em montes de informação. Num piscar de olhos tudo já mudou e o que era novo ficou velho. Não durma no ponto, portanto, é preciso estar sempre "antenado".

Como a arte também imita a vida, o dito "mundo cultural" corre na mesma insana velocidade. Da literatura à música pop, a cada dia novos heróis são consagrados, para logo depois serem sumariamente esquecidos.Todos parecem estar permanentemente na ansiosa procura da "next big thing".

Nas artes mais "novas" esse fenômeno ocorre ainda com mais intensidade - o cinema dos anos 90, por exemplo, pode ser lembrado pela eleição constante de novos gênios. Poucos porém agüentaram o peso do rótulo. A primeira explosão de talento podia até ser verdadeira, mas foram raros os que conseguiram dar seqüência a uma obra sólida. Ninguém pode negar que "Pulp Fiction" é genial, claro, mas o que afinal Tarantino fez nos últimos 5 anos?

Há pouco mais de quatro anos, foi a vez de Tom Tykwer ganhar o status de gênio e ser rapidamente alçado à condição de salvador do então cambaleante cinema alemão. Em 1999, "Corra, Lola, Corra" ultrapassou as fronteiras européias, ganhou o prêmio do Festival de Sundance e transformou-se em fenômeno mundial. O diretor alemão foi devidamente reconhecido por seu cinema jovem, dinâmico e contemporâneo. Reconhecimento mais do que justo, mas que também brindou Tyckwer com uma etiqueta - "novo talento do cinema" - e uma pergunta - "quanto tempo ele dura?".

No meio de tantas promessas, porém, Tom Tykwer é trigo no meio do joio. Nascido em 1965, ao contrário do que muitos já especularam sobre seu modo de filmar, Tykwer não tem raízes no meio publicitário. Começou muito cedo a envolver-se com pequenas produções de cinema e, aos 23 anos, tornou-se gerente e projecionista de um conceituado cineclube de Berlim, a Moviemento. Em 1993 lançou seu primeiro filme, "Deadly Maria", ganhador de alguns prêmios dentro da Alemanha. Um ano mais tarde, unindo-se a outros colegas realizadores berlinenses, fundou a X-Filmes Creative Pool, a produtora que daria suporte aos lançamentos deste grupo de amigos.

Assistir a outros filmes de Tykwer é o bastante para se assegurar que seu talento vai muito além da virtuose técnica e estilística de "Corra, Lola, Corra". Sua obra, além de sólida e coerente, é extremamente versátil. Na verdade, quem esperar dos outros filmes de Tykwer a mesma vertiginosa odisséia videoclíptica de "Lola" vai facilmente se decepcionar. Seus filmes possuem estilos e ritmo bastante diversos, sempre adequados e sintonizados ao conteúdo da estória a ser contada.

Mesmo adotando um estilo diferente a cada obra, Tykwer é sempre capaz de imprimir sua marca. Existe uma forte unidade "autoral" em seus filmes, principalmente quanto à temática das estórias. De maneiras diferentes, as estórias de Tykwer são sempre marcadas pela influência que o destino, através de pequenas coincidências ou grandes tragédias, pode exercer na trajetória particular de cada um. Seus personagens estão sempre em luta contra o tempo, contra o determinismo da realidade dos fatos. Ao contrário do que pode parecer, porém, essa abordagem nunca é pessimista, mas sempre carregada de esperança. Este é, aliás, outro ponto constante: Tykwer crê radicalmente que o amor é a arma principal contra as armadilhas do destino.

Tanto esta unidade temática como toda a sua versatilidade de estilo podem ser percebidas nos seus quatro filmes lançados fora da Alemanha. "WinterSleepers" (que no Brasil teve o engraçadinho título "Inverno Quente") só teve lançamento internacional após o sucesso de "Corra, Lola, Corra",  mas é, na verdade, uma produção de 1997. Ao estilo de Robert Altman, em "Shortcuts - Cenas da Vida", a narrativa aborda vários personagens que, vivendo numa estação de esqui nos Alpes, têm suas vidas ligadas por um estranho acidente de automóvel. Um dos envolvidos, por exemplo, tem um peculiar problema de amnésia e precisa tirar fotos para se lembrar de seu dia-a-dia (talvez "Memento" tenha se inspirado um pouco aqui...). É um filme cheio de nuances, onde problemas cotidianos são contados com sensibilidade, ao mesmo tempo que as coincidências e tragédias tornam a trama quase épica.

Em "Corra, Lola, Corra" (Run, Lola, Run, 1999), Tykwer brinca de esticar o tempo, contando uma estória de 20 minutos em um filme de 1 hora e meia. As várias perspectivas sobre o drama de Lola são retratadas através de diferentes técnicas cinematográficas: vídeo, preto-e-branco, câmera lenta, desenho animado, tudo habilmente sincronizado ao ritmo da frenética trilha de música eletrônica. Por sua energia e inovação, Lola tornou-se rapidamente um sucesso pop cultuado em todo o mundo.

"A Princesa e o Guerreiro" (The Princess and The Warrior, 2001), não obteve o mesmo sucesso, mas serviu para confirmar a versatilidade do alemão. No filme, a atriz Franka Potente, a mesma de "Lola", interpreta uma enfermeira que é salva de um grave acidente por um rapaz atormentado. Ambos acabam se envolvendo afetivamente, num processo mútuo de recuperação.

Destinos cruzados e a redenção através do amor. Também são os mesmos temas de seu último filme, "Paraíso" (Heaven, 2002), exibido por aqui na última Mostra de Cinema São Paulo e que acaba de ser lançado em vídeo este mês. "Paraíso" tem roteiro escrito por Krzysztof Kieslowski, o que, num primeiro momento, causa certa estranheza - uma estória do realizador da filosófica "Trilogia das Cores" (Blue, Blanc, Rouge) filmada pelo diretor do vibrante "Corra, Lola, Corra". "Paraíso", no entanto, dificilmente teria um resultado mais bonito. Certamente ainda, teve o papel de libertar Tykwer definitivamente do peso estilístico do seu maior sucesso.

No filme, Phillipa (Cate Blanchet) é uma inglesa vivendo em Roma que, na tentativa de vingar a morte de seu marido, acaba vitimando pessoas inocentes. Presa, conquista a cumplicidade de Filipo (Giovanni Ribisi) , um oficial militar italiano que a ajuda em sua fuga. Fuga que se transforma num processo de encontro entre os dois, e de reencontro de ambos com o significado de suas vidas.

"Paraíso" é um filme também cheio de nuances. Começa como um thriller de ação e acaba transformando-se numa estória cheia de lirismo e simbologias. Foi bastante criticado, por ser lento e por seu final bastante simbólico. Talvez esperasse do filme a estória de uma fuga alucinante, ao ritmo de Lola. Mas Tykwer mostrou que pode muito mais do que isso e tirou do roteiro de Kiewslovski todo o significado e toda a beleza ali existentes.

Mudar a cada filme com certeza não é sinal da qualidade de um diretor. Mas mudar com qualidade e consistência, ou seja, evoluir e amadurecer, pode demonstrar sim que Tom Tykwer não é apenas mais um gênio de ocasião. Ou que, pelo menos, ainda deve haver muito fogo para sair dessa palha. 

Tom Tykwer Unofficial Site