"Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet"
por
André Azenha Blog
19/02/2008
"Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet", obra-prima
gótica do gênio da Broadway Stephen Sondheim, foi transformada
em ópera cinematográfica por Tim Burton. A adaptação mantém
o visual sombrio do diretor e repete as parcerias com seu velho
amigo, o astro Johnny Depp, e sua esposa Helena Bonham Carter.
A produção repleta de música e dança, sangue aos montes e assassinatos,
é protagonizada por um casal que trucida as vítimas para transformá-las
em quitutes refinados e se tornou o longa-metragem mais premiado
da carreira de Depp, levando dois prêmios no Globo de Ouro,
de Melhor Filme/Musical, e Ator em Comédia/Musical para o astro
– que ainda foi indicado pela segunda vez ao Oscar de Melhor
Ator.
Numa primeira conferida, a idéia do filme pode soar estranha: um musical sinistro sobre um serial killer sanguinário. Mas a forma como é conduzido, com a bela fotografia, que alterna seqüências dessaturadas, quase em preto e branco, e outras cujas cores gritantes saltam aos olhos do espectador, entre números musicais tétricos, foi recebido com confetes e serpentinas na imprensa, mas não foi tão bem de bilheteria nos EUA, e chegou aos cinemas brasileiros tentando repetir o caminho de "A Bússola de Ouro", que mesmo não tendo arrebatado recordes no exterior, fez bonito por aqui.
Além do tema bizarro, da direção de Burton e da presença sempre marcante de Depp, destaca-se o elenco coadjuvante, em especial a atriz Helena Boham Carter, mãe de dois filhos do diretor – o segundo rebento, uma menina, nasceu recentemente – e que já havia trabalhado com Burton no remake de "O Planeta dos Macacos", em 2001, quando iniciaram o romance, e também em "Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas" (2003), "A Fantástica Fábrica de Chocolate" (2005) e "A Noiva Cadáver" (2005).
A atriz interpreta a sinistra Sra. Lovett, cuja aparência lembra sua participação em "Harry Potter e a Ordem da Fênix", do ano passado, quando viveu a vilã Bellatrix Lestrange, e dividiu a tela com o veterano Alan Rickman, o Severo Snape da série mágica, que no musical é o Juiz Turpin, responsável pela “criação” do assassino Sweeney Todd. Carter precisou gravar parte das filmagens grávida. Também vale prestar atenção nas presenças do fenômeno Sacha Baron Cohen - que levou o mundo às gargalhadas ao dar vida a Borat e faz em Sweeney Todd o barbeiro italiano Adolfo Pirelli - e outro ator experiente, Timothy Spall ("Encantada"), mais um oriundo do elenco de Harry Potter.
Curiosamente, aqueles com os melhores desempenhos nas partes musicais são os atores não treinados, como o próprio Sacha e claro, Johnny Depp, um show à parte. Com 44 anos e desfrutando de uma fase que todo o ator aspira alcançar – o status de estrela hollywoodiana aliado ao reconhecimento da crítica -, o astro enfrenta um novo desafio e novamente se sai bem. Se em "Piratas do Caribe" ele precisou provar para a Disney que seu Jack Sparrow maluquete daria certo, em "Sweeney Todd" teve que mostrar os dotes de cantor – e ele canta o filme inteiro.
O fato de trabalhar com o parceiro de longa data Tim Burton contribuiu para o bom desempenho e o surgimento de outro personagem esquisitão e fantástico em sua filmografia. Depp e Burton colaboram há 18 anos, desde que o então jovem ator experimentou pela primeira vez uma maquiagem pálida e cabelos espicaçados, meio esvoaçantes, com navalhas em vez de dedos. '"Edward Mãos de Tesoura" (1990) foi o primeiro de seis longas que o ator encenou para o diretor – os outros são "Ed Wood" (1994), "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça" (1999), 'A Fantástica Fábrica de Chocolate" (2005), "A Noiva Cadáver" (2005) e agora "Sweeney Todd".
Curiosamente, o barbeiro assassino tem um visual parecido com o personagem de 1990. O primeiro cortava cabelos com as mãos de tesoura. O segundo, gargantas com navalhas afiadas. Outra diferença é que, enquanto Edward era uma figura “do bem”, apenas incompreendido, Sweeney é um assassino em busca de vingança. Ao ser expulso injustamente da Londres no século 19 sob falso pretexto, e ver sua esposa e filha caírem em desgraça, o personagem de Depp retorna adotando o pseudônimo do título e, como o Conde de Monte Cristo, traça com frieza a sua “vendetta”. Ao lado da quituteira Sra. Lovett, o vingador arquiteta um terrível plano: na cadeira de barbeiro, assassina seus clientes, enquanto ela usa os restos mortais das vítimas para assar tortas, que fazem sucesso na cidade.
Depp é hoje uma unanimidade, sinônimo de sucesso, seja comercial ou de crítica. A trilogia "Piratas do Caribe" alcançou números impressionantes de bilheteria e o ator vem sendo regularmente lembrado em premiações importantes. Apesar de sua parceria com Tim Burton atualmente soar como sinônimo de produções bem sucedidas, não foi sempre assim. Até "A Fantástica Fábrica de Chocolate", a única das seis produções em conjunto que realmente é considerada um sucesso, a dupla era vista com olhos tortos pelos produtores. Mas após viver "Jack Sparrow", as próprias pessoas que torciam o nariz para Depp é que acabaram indicando o ator para viver Willy Wonka, no filme dirigido por Burton três anos atrás.
Apesar das semelhanças com inúmeros casos policiais ao longo da história humana – como o "Massacre da Serra Elétrica" e outros “Linhas Diretas” - existem dúvidas sobre a existência real do serial killer. De acordo com o mito, ele teria nascido em Londres em 1748 e sido preso por furto aos 14 anos. Depois de tornar-se aprendiz do barbeiro da prisão, teria aberto uma barbearia na Fleet Street, onde matava seus clientes com a ajuda da Sra. Lovett. Seus crimes ganharam os folhetins populares ("penny dreadfuls", como eram conhecidos) em 1846. Um ano depois, a história já era encenada nos teatros ingleses. O primeiro filme sobre o criminoso estreou em 1936 e inspirou até um horror sanguinário de 1970. Mas a versão que deu ao psicopata uma história trágica de fundo humano só veio à tona em 1973. Foi o dramaturgo britânico Christopher Bond quem desenvolveu melhor o personagem, dando a Todd uma motivação para sua maldade. Ele era um barbeiro, chamado Benjamin Barker, que foi condenado, preso e exilado por 15 anos na Austrália de forma arbitrária, e que estava de volta para acertar as contas com o juiz responsável pela destruição de sua vida, também responsável pelo estupro de sua esposa. Quando seus planos encontram obstáculos, ele começa a rasgar a garganta de seus fregueses. È a versão de Bond que serve de base para a adaptação musical de Stephen Sondheim e Hugh Wheeler, que estreou em 1979 e se consagrou como o menos convencional da história da Broadway.
Assumindo a palidez conhecida de outras produções de Burton e com os olhos sombrios de um psicopata, Johnny Depp está “à vontade” na pele de Todd, explorando toda a sua excentricidade, principalmente nas cenas em que o sangue das vítimas jorra pela telona. E tudo isso cantarolando. Colaborou também para o resultado o trabalho do roteirista John Logan ("O Aviador" e "O Último Samurai"), que precisou condensar o musical original, de três horas, num filme de duas horas – o próprio Soundheim co-assina o roteiro e teve o direito de aprovar os intérpretes de Todd, Lovett e o nome do diretor. Não que fosse vetar alguém, pois assim que soube quais seriam os envolvidos, adorou as escolhas. O resultado é que, pela primeira vez na história de Hollywood, um musical de Sondheim foi filmado como deveria ser. Um espetáculo refinado de alta cultura, que tem, ao mesmo tempo, canções cerebrais, impacto visual e astros de imenso apelo popular.O público, porém, não deve ir a Sweeney Todd esperando outro filme de apelo infantil. Apesar da maquiagem, da música e da dança, a nova produção tem pouco em comum com "A Fantástica Fábrica de Chocolate".
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