"Superman - O Retorno"
por Marcelo Miranda
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15/07/2006

Típico filme à prova de críticas, resenhas e afins, Superman - O Retorno invadiu os cinemas do Brasil com a força proporcional à do próprio personagem. Ou seja, não tem pra ninguém. Isso, no quesito "espaço físico das salas de exibição", porque, em termos cinematográficos, desta vez Byan Singer talvez tenha errado a mão. Errado não é um termo justo para o trabalho apaixonado do cineasta. Exagero talvez seja a palavra mais próxima. Porque se, até aqui, Singer vem seguindo trajetória de filmes beirando o impecável - do primor de roteiro e direção dos independentes Os Suspeitos e O Aprendiz ao apuro técnico e estilístico, mas sempre com serenidade, dos dois X-Men -, o cineasta aparenta ter se deslumbrado por demais com a possibilidade de comandar a nova aventura do Homem de Aço na tela, se deixou encantar pela magia da coisa toda e, obviamente, foi seduzido pelos mais de U$ 200 milhões gastos na produção.

Isso explicaria o tom de grandiloqüência e magnificência que parece cercar boa parte das cenas de Superman - O Retorno. Diferente dos mutantes, seres desconhecidos pelo lado leitor de quadrinhos de Singer, o filho de Krypton é seu personagem de infância, o ícone que o acompanha e sobre o qual ele sempre sonhou dar a sua própria visão (como é para Sam Raimi em relação ao Homem-Aranha). A partir dessa constatação, o longa padece de querer impressionar a si mesmo. Diferente de Richard Donner, que em 1978 empregou certo tom sereno e pé-no-chão no seu Superman (ainda que tratasse de personagem suficientemente grandioso), o filme de Singer transmite aquela incômoda noção de querer justificar o dinheiro empregado na realização. Donner fez um filme sobre um deus poderoso sem repassar essa divindade à narrativa e às imagens; Singer quer fazer do filme em si uma divindade.

E dá-lhe longas seqüências detalhadíssimas sobre como a nave fica grudada no avião onde está Lois Lane, enquanto Clark prolonga seu porre ao lado de Jimmy Olsen num bar; dá-lhe cenas e cenas do planejamento de Lex Luthor (brilhantemente interpretado por Kevin Spacey) sobre como ele vai criar um novo continente; e mais e mais detalhes no momento propriamente dito do surgimento desse emaranhado de terra. Os fãs vão enlouquecer mas, friamente falando, a impressão é de se querer prolongar ao máximo cada instante para completar o épico azul-e-vermelho com suas mais de duas horas e meia de duração.

O uso da música icônica de John Williams ironicamente joga contra o filme. Usada de maneira referencial nos créditos de abertura, é tocada quase a todo momento em que o Superman aparece na tela. Resultado: o que deveria ser um respeitável tributo torna-se simplesmente uma marcha maçante e onipresente que retira o brilho potencial de algumas cenas de ação.

Que vêm aos montes, aliás. Disso, ninguém pode reclamar. Singer usou e abusou dos efeitos visuais para conceber imagens de realmente emocionar - como o personagem planando no céu ou voando para evitar alguma catástrofe. O diretor dá aquela aura endeusada que já é impregnada na concepção do Superman, aquela do alienígena sobrevivente de um planeta destruído e enviado pelo pai para criar raízes na Terra. Aqui, Singer dá mostras do seu talento de tratar a fantasia como algo mais próximo do espectador e cria uma narrativa sobre a solidão.

Kal-El volta à Terra depois de cinco anos de ausência para descobrir que a amada está com outro cara - e pior: ela demonstra não sentir sua falta. No momento em que o herói vai ao espaço e escuta a infinidade de vozes pedindo socorro, sente-se a onipotência de um ser que só tem a si mesmo para conviver, por mais que, abaixo de seus pés, existam bilhões de outros seres. A ele, a Kal-El, isso não importa, porque a única desejada por ele não o quer mais. Bryan Singer trata essas relações com delicadeza, ajudado pela boa expressividade de Brandon Routh (que, clara e justificadamente, imita os trejeitos imortalizados por Christopher Reeve) e superando o vazio e a falta de personalidade de Kate Bosworth, possivelmente a pior atriz a interpretar Lois Lane em anos de adaptações do Superman na televisão e cinema.

A temática do filme acaba sendo a superação da solidão. O Homem de Aço aceita a condição de "abandonado" e volta a se dedicar ao combate à injustiça (dessa vez, percorrendo o planeta todo, numa clara globalização do personagem). Quando Lois se revela ainda apaixonada, um segredo vai unir a dupla, ainda que platonicamente. A ousadia de Singer no filme é dar um desfecho melancolicamente feliz sem oferecer concessões ao espectador ou aos fãs. Se na maior parte de Superman - O Retorno, Singer está fascinado com a própria criação a ponto de comprometê-la, ao menos ele capta a essência de um herói fadado ao isolamento, por mais amado que seja por toda a população que o cerca.


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