"Os Simpsons - O Filme"
por Marco Antonio Bart
Blog
15/08/2007

Os Simpsons são um fenômeno bizarro. É raro testemunhar tamanha unanimidade de público e critica em torno de um trabalho artistico (que dirá dentro do universo da TV). Ao longo de 18 temporadas, o desenho animado criado por Matt Groening não apenas se tornou sinônimo de humor ao mesmo tempo refinado e acessível. Também transformou-se numa metáfora dessa abstração elusiva conhecida como a família média norte-americana - uma metáfora não apenas acidamente crítica, mas também bastante complexa, multifacetada.

Se a TV é mesmo a "medida de todas as coisas" para a sociedade ianque, e essa mesma sociedade permite que uma série como Os Simpsons perdure tanto tempo (e mais, com tamanho sucesso popular), é sinal que o povão de lá não é tão tapado e oligofrênico quanto muita gente pensa. Ou que, ao menos, tem uma invejável capacidade de rir de si mesmo, sinal inequívoco de inteligência. (Vale lembrar a polêmica e a indignação causadas pelo episódio no qual a família viaja ao Rio de Janeiro, um incidente que diz muito sobre a baixissima auto-estima de nossa nação. Como se o seriado já não fizesse "pior", ou melhor, toda a semana, com a própria imagem dos EUA - e nego lá aplaude.)

A transposição do seriado para o cinema soava temerária. O ritmo, a composição visual e a agilidade de um episódio televisivo de 24 minutos poderiam sofrer com o estica-e-puxa inerentes a um longa-metragem. Ao mesmo tempo, com a tela grande e a maior duração, a equipe de criação poderia sofrer do complexo de "tudo-dentro-com-dois-ovos-em-cima": sobrecarregar a tela com mais piadas, citações e distrações visuais do que o público seria capaz de suportar. O roteiro, que acabou levando 11 assinaturas - incluindo as de Groening e James L. Brooks - caminha sem escorregar entre esses perigos. Seria muito fácil colar três episódios, encher um pouco de lingüiça e fazer um longa-frankentein, mas o diretor David Silverman foi bem-sucedido ao fazer de Os Simpsons um filme de verdade; com mais drama, mais ação e temáticas um tiquinho mais adultas do que caberiam num episódio regular.

Apesar da eficácia inegável do pacote, uma constatação é inevitável: os Simpsons no cinema são maiores, mas não necessariamente melhores. A mesma inteligência e o mesmo humor, tudo na medida certa, mas não há o pulo do gato que justifique a expectativa em torno do longa. Os risos e as reflexões brotam nos momentos exatos, exatamente como se estivessemos assistindo ao seriado na TV. Não houve a ambição de fazer algo além disso. Talvez não seja necessário ambicionar mais; do jeito que foram concebidos, os Simpsons já foram longe demais, reinterpretando os clichês dos sitcoms familiares de modo a fazer afiadíssimos comentários sobre a sociedade americana. E talvez seja melhor que eles fiquem na TV mesmo, atingindo corações e mentes de uma forma ao mesmo tempo mais insidiosa e mais direta. O moralismo asséptico de Hollywood não domesticou Homer & cia, mas em contrapartida Groening & cia não deram o passo a mais que faria do primeiro longa um marco na história da série.

De um certo modo, o tom um pouquinho mais crítico do longa recupera um pouco do espírito das primeiras temporadas do desenho, mais incisivas e ousadas que nos anos recentes. Segundo o roteirista Al Jean, a mensagem do filme é "os maridos devem escutar suas esposas" (uma mensagem aplicável a cada um dos episódios da série, diga-se de passagem). Na verdade, a ubíqua preocupação com o meio-ambiente é o tema principal. No ato que foi descrito nos teasers do filme como "a maior besteira que já fez na vida", Homer derruba vários galões de fezes de porco (?!) no lago de Springfield, transformando a cidade no lugar mais poluído do mundo.

Algumas preocupações permanentes da série estão presentes, mais aprofundadas: a difícil relação pai-filho entre Homer e Bart, a ironia pesada sobre a burocracia de Washington e sobre o papel da religião, a sacanagem explícita com os estereótipos regionais (dessa vez, atacando o Alasca). Tudo naquele equilíbrio consagrado entre o ofensivo e o terno, entre a espetadela cirúrgica e o pastelão mais grosseiro. (Há até um nu frontal, pela primeira vez.) Piadas ótimas abundam, do curta-metragem de Comichão & Coçadinha que abre o longa até a aparição de Tom Hanks. E a animação usa muito bem a tela grande, criando para o clímax do filme a mais espetacular cena de ação já vista na série - protagonizada por Homer.

Não há rigorosamente elemento algum a reparar no filme. Quem ama o seriado vai amar o longa. E também vai perceber que, em vez de ser um momento de redefinição para a série, Os Simpsons - O filme acaba sendo uma coletânea dos motivos pelos quais amamos essa família. Há a subversão, a ironia e a maravilhosa lista de personagens secundários de sempre. O "problema", se é que existe um, é esse: é só o de sempre.

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